Taxa de serviço nos restaurantes: cobrança de até 15% é permitida?

Apesar de legislação sobre o tema, gorjeta continua a suscitar dúvidas entre consumidores, funcionários do setor e donos de bares e restaurantes

Ambiente do restaurante paulistano Tuju, que adotou a taxa de serviço de 15%
Ambiente do restaurante paulistano Tuju, que adotou a taxa de serviço de 15% @kato78

Tina Binido Viagem & Gastronomia

São Paulo, SP

Por muito tempo, a taxa de serviço foi sinônimo de 10%. Não mais. Deparar com acréscimos de até 15% na conta de bares, restaurantes e demais estabelecimentos do gênero agora é comum.

É o caso, por exemplo, do Emile, o restaurante do hotel Emiliano Rio, em Copacabana. No estabelecimento, comandado pelo chef Camilo Vanazzi, o chamado menu-experiência, que inclui entrada, prato principal e sobremesa, custa R$ 296. Com a taxa de serviço, a conta vai para R$ 340,40.

Outro restaurante que adota o mesmo percentual é o paulistano Tuju, do chef Ivan Ralston. Reaberto em novo endereço no ano passado – após um hiato de três anos –, o estabelecimento já foi premiado com duas estrelas Michelin e só serve menu degustação com um serviço impecável como pouco se vê no Brasil. Custa, atualmente, R$ 890 por pessoa, com harmonização de vinhos à parte. Com os 15% de gorjeta, são R$ 1.023,50.

A cobrança de até 15% é permitida? Sim, mas é preciso lembrar que a Lei das Gorjetas (Lei nº 13.419) deixa claro que se trata de uma taxa opcional por parte do consumidor, ou seja, ele só paga se quiser. E a cobrança deve ser feita de forma clara na hora da conta.

O salto dos 10% para 12%, 13% e até 15% é um reflexo do sucesso cada vez maior das maquininhas de cartões de crédito e débito, que raros empreendimentos gastronômicos não fazem uso hoje em dia.
“Quando quase tudo era pago em dinheiro, a taxa de serviço acabava não entrando no caixa dos bares e restaurantes”, explica Fernando Blower, presidente do Sindrio, o Sindicato de Bares e Restaurantes do Rio de Janeiro. “Na prática, portanto, tratava-se de uma quantia sobre a qual não incidiam outros custos diretos”.

Conforme o dinheiro vivo foi deixando de circular – e as maquininhas começaram a ser vistas em toda parte –, a maioria dos clientes passou a dar preferência aos cartões de crédito e débito na hora de pagar as contas de bares, restaurantes e companhia, incluindo a taxa de serviço e um maior prazo de recebimento. Foi o que bastou para que ela passasse a ser tributada, pois todo dinheiro que entra no balanço de empresas formalizadas está sujeito a tributação – assim como toda quantia repassada a funcionários registrados está sujeita a descontos previstos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Resumindo: com a digitalização da economia, o governo passou a abocanhar parte da gorjeta. Em resposta, muitos empreendimentos do ramo se viram obrigados a atualizar a taxa de serviço para 12%, 13% e até 15%. “É uma forma de aumentar o valor líquido da gorjeta”, resume o presidente do SindRio.

De acordo com a lei federal que regulamenta esse assunto, sancionada em 2017, os estabelecimentos enquadrados no Simples Nacional podem reter até 20% da taxa de serviço. Já aqueles que são regidos pelo Lucro Presumido ou Real podem reter até 33%.

A retenção entra na composição do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), do décimo terceiro salário e até das férias dos funcionários. “Para eles, a inclusão das gorjetas no contracheque é vantajosa”, afirma Blower. “Antes, eles só tinham o salário base para comprovar o quanto ganhavam. Agora, podem comprovar rendas maiores, o que faz toda diferença para quem busca empréstimos e financiamentos. A retenção contribui com a inserção de garçons e demais profissionais do setor na economia formal, além de gerar valor a longo prazo com aumento da base de cálculo da aposentadoria”.

Blower aproveita para alertar que, caso a taxa de serviço não existisse, muitos empreendimentos não teriam como reter seus funcionários. “Na maior parte dos casos, a conta não fecharia”, argumenta. A gorjeta, vale ressaltar, deve ser repassada, obrigatoriamente, aos funcionários tão logo os devidos descontos tenham sido feitos. Nenhum bar ou restaurante pode, por exemplo, abocanhar parte da taxa de serviço para custear a conta de luz ou do gás. O valor da gorjeta precisa ser distribuído proporcionalmente entre todos os funcionários com base em percentuais definidos em acordos coletivos firmados pelas categorias envolvidas.

Nam Thai restaurante Rio de Janeiro
Restaurante Nam Thai, no Leblon, cobra 12% de taxa de serviço / Divulgação

No restaurante tailandês Nam Thai, no Leblon, os garçons ficam com 60% do valor líquido das gorjetas e a equipe da retaguarda com o restante. “De que adianta um atendimento impecável se o banheiro não estiver sempre limpo e o pessoal da cozinha não estiver motivado?”, pergunta David Zisman, chef e sócio da casa, ao justificar a distribuição da taxa de serviço entre todos os funcionários. Todos eles são contemplados, diz o empresário, desde que o estabelecimento abriu as portas, em 1998.

Conhecido por servir vieiras grelhadas com chili, limão, molho de ostras e mandiopã, entre outras entradas do tipo – e principais levemente apimentados –, o Nam Thai cobra 12% de taxa de serviço. “Esse é um dinheiro dos funcionários, que contam com ele”, acrescenta Zisman, que emprega 21 pessoas. “É inadmissível não repassar a gorjeta”.

Inaugurada no ano passado no Jardim Botânico, também no Rio de Janeiro, a Casa 201 chegou a cogitar a não cobrança da taxa de serviço. “Nos preocupamos em pagar salários que não dependem das gorjetas para se mostrarem atrativos”, explica Cris Julião, uma das sócias do restaurante, comandado pelo chef João Paulo Frankenfeld. Como é de praxe a cobrança de gorjeta no Brasil, no entanto, o estabelecimento acabou se rendendo à ela. “Não deixa de ser um estímulo para os funcionários”, admite Julião. Com uma brigada composta por 11 pessoas, a Casa 201 é um dos raros estabelecimentos do gênero que se mantêm fieis aos 10%.

Cornetto de crudo de mignon e choux de bacalhau da Casa 201, no Rio de Janeiro
Cornetto de crudo de mignon e choux de bacalhau da Casa 201, no Rio de Janeiro, que se mantém fiel aos 10% cobrado de taxa / Alex Woloch