Restaurante Banana da Terra celebra 30 anos como ícone em Paraty

Casa da chef Ana Bueno no centro histórico deixa legado na cozinha caiçara e prepara projetos que jogam mais luz aos trabalhos da comunidade local

Chef Ana Bueno comanda o Restaurante Banana da Terra, referência gastronômica no centro histórico de Paraty
Chef Ana Bueno comanda o Restaurante Banana da Terra, referência gastronômica no centro histórico de Paraty Fotos Incríveis - Paraty

Saulo Tafarelodo Viagem & Gastronomia

Paraty

Paraty era diferente em 1994. Não se ouviam tantos sotaques estrangeiros nas ruas do centro, os restaurantes eram mais simples e os títulos de Cidade Criativa pela Gastronomia e de Patrimônio Mundial pela Unesco não haviam sido alcançados. A realidade hoje é a oposta, e um dos principais estímulos dessa mudança veio por meio da gastronomia.

“Quando começamos havia muito menos turistas, restaurantes e informações. As coisas foram evoluindo e participei de um movimento muito interessante que foi o começo do fortalecimento dos cozinheiros brasileiros”, diz a chef Ana Bueno, que pilota o Restaurante Banana da Terra.

A típica casa de grandes portas amarelas e de janelões azulados no coração do centro histórico celebra 30 anos em 2024 e se firmou como referência de onde comer em Paraty.

A contemporaneidade é abraçada por um cardápio de inspiração caiçara que privilegia ingredientes, produtores e pescadores locais, sejam eles da Baía de Paraty, da horta própria da família ou até da cidade vizinha de Cunha (SP). Já a tradição é ecoada nas marcas do tempo deixadas pela arquitetura colonial e pela memorabilia garimpada por Ana no convidativo salão de 90 lugares, prestes a aumentar de tamanho por conta da compra do casarão vizinho.

Jantares especiais de 30 anos

Fachada do Restaurante Banana da Terra, em Paraty
Fachada do Restaurante Banana da Terra, com três décadas de vida em Paraty / Fotos Incríveis – Paraty

O Banana da Terra é aquariano, nascido em 25 de janeiro, mas as comemorações vão ocorrer ao longo do ano inteiro. Uma parte dos festejos reflete o que Ana já fazia: trazer chefs de todos os cantos do país para cozinharem juntos e para divulgar esta joia da Costa Verde do Rio.

Para isso, o projeto “Caravanas Paratianas” contará com jornalistas e chefs, que realizarão uma verdadeira expedição pelas maravilhas de Paraty ao longo de 2024. As andanças culminam em jantares especiais com pratos desenhados por Ana e pelos chefs convidados.

Um deles já ocorreu, mas outros quatro estão programados em diferentes datas e serão abertos ao público mediante reservas antecipadas. O próximo será em 14 de maio com os chefs Fabrício Lemos e Lisiane Arouca, do Origem, de Salvador; Rubens Salfer “Catarina“, ex-chef executivo do Grupo D.O.M; e Mônica Rangel, do Gosto com Gosto, de Visconde de Mauá, no Rio. O menu fechado sai por R$ 350, com bebidas à parte.

Em junho, agosto e setembro, ainda sem datas definidas, ocorrerão jantares com nomes como Rafa Gomes, Henrique Gilberto, Flávia Quaresma, Onildo Rocha, Gerônimo Athuel, Ariani Malouf, Janaína Torres, Elia Schramm e Tereza Paim.

O primeiro da série de cinco jantares ocorreu no fim de abril e contou com uma cozinha comandada apenas por mulheres. Estavam na linha de frente as chefs Morena Leite, Elisa Fernandes e Paula Prandini, cada uma reinterpretando Paraty e o Banana da Terra à sua maneira.

“A Ana é uma potência em Paraty e que tem um legado muito importante não só no cenário da gastronomia e do turismo, mas também pelo o que ela deixa na comunidade local”, diz Elisa, à frente da cozinha do Clos Wine Bar & Bistrô, em São Paulo. Foi ela quem abriu a noite com seus mexilhões ao creme com batatas na gremolata, prato que uniu os frutos do mar frescos da região à veia francesa da chef.

Morena Leite, à frente do Capim Santo, que festejou 25 anos em São Paulo e que soma 40 de história em Trancoso, fez com maestria um robalo com escamas de banana da terra junto de um pirão de siri do Saco do Mamanguá, uma releitura apetitosa do peixe com banana que é prato ícone de Paraty. A chef Ana não ficou de fora: serviu um ravioli de queijo com banana com lascas de pato no próprio molho, com direito a pesto de laranja e jambu da Mata Atlântica.

Por fim, Paula Prandini, que comanda o Empório Jardim, no Rio, homenageou os doces de tabuleiro das carrocinhas das ruas do centrinho com uma cuca cremosa de banana caramelada, limão cravo e crocante de amendoim.

Uma nova etapa

As comemorações não ficam restritas à mesa. Todo o trabalho social realizado até agora – e o que ainda há por vir – será registrado com ajuda do Instituto Paratiano de Gastronomia, entidade sem fins lucrativos fundada neste ano por Ana e gerida por representantes da gastronomia local com parcerias públicas e privadas.

“Preciso institucionalizar essa história e comemorar isso, olhando não só para o Banana, mas para os outros produtores locais e divulgando a cidade e as suas pessoas”, reflete a chef. O objetivo do Instituto é salvaguardar a cultura, a história, os conhecimentos e os sabores da gastronomia de Paraty com ações para fortalecer os títulos da Unesco.

Os projetos serão sempre na área da educação, sustentabilidade e da geração de renda, tripé revelado aos poucos à chef enquanto organizava as edições do festival Folia Gastronômica, descontinuado em 2018. “Antes era tudo muito caseiro. Quando começamos o festival, todos se movimentaram para se arrumar e para prestar atenção”, relembra Ana.

O trabalho de base, porém, falou mais alto. “Fui entendendo a relação do meu trabalho para as pessoas locais e a transformação na autoestima delas. Entendi que ao invés de trazer um monte de gente para fazer festa, era mais importante fazer um trabalho de base com a comunidade naquele momento”.

Assim vieram projetos como o Mapa do Gosto, que promoveu o mapeamento de produtores da região e os conectou com restaurantes; o Escola de Comer, com objetivo de melhorar a merenda nas escolas municipais incorporando alimentos de agricultura familiar e capacitar merendeiras; e o Mulheres da Costeira, que forma mulheres para serem microempreendedoras individuais.

“Agora quero que isso tenha um nome, que tenha uma identidade. Assim começamos uma nova etapa”, arremata a chef.

Passado e futuro

Ana trocou São José dos Campos (SP) por Paraty ainda adolescente. Chegou a morar com uma família caiçara na praia do Cachadaço, no bairro de Trindade, onde absorveu o tempo das coisas: as frutas da época, as roças de mandioca e de feijão, a lenha disponível para o fogão e a paciência à beira-mar.

“Acho que há uma grande semelhança entre o caipira e o caiçara. O ritmo da vida é parecido. Em Paraty, inclusive, tem o caiçara que mora na roça. A gente acha que todos estão à beira-mar, mas há pessoas que vivem em comunidades rurais longe do mar com porco e galinha e que descem o morro para mariscar e pescar”, conta.

O que me deu força para ficar foi a questão do território, das pessoas e da cultura local. Fiquei apaixonada pelas conversas

Ana Bueno

Sem planos de ser cozinheira, começou a fazer bolos e sanduíches para vender. Não tardou para conseguir um posto como repórter em uma TV local, trabalho que lhe deu a chance de rodar a cidade de cabo a rabo. Foi por meio de uma entrevista que conheceu o marido, Casé, que elogiava as comidas da amada e que lhe propôs trabalho no restaurante da família, o Banana da Terra.

A comida tinha uma pegada mais caseira à época e Ana assumiu as panelas após a saída da sogra. Foi para a Itália, para a França e fez cursos com Laurent Suaudeau em São Paulo para aprender as bases da cozinha. Após décadas de trabalho, a rigidez das regras foi quebrada.

“Quando comecei a estudar, ficava seguindo regras. Fui vendo tanta coisa e, com mais acesso, me libertei de certas amarras”. Sua lula recheada com coalhada servida com risoto e folha de taioba (R$ 157) é um bom exemplo. “É lógico que não vou colocar um brigadeiro na lula, mas isso é confiar no meu trabalho. E isso vem com a maturidade”, afirma.

A abertura recente de três outras casas em Paraty também é reflexo deste momento: hoje Ana comanda ainda a loja A Caiçarinha, com presentes e delicinhas preparadas pela chef; o Café Paraty, onde não se pode deixar de pedir a porção de coxinha e o drinque Jorge Amado, que leva limão, maracujá e cachaça Gabriela; e a recém-inaugurada Casa Paratiana, uma ode à comida caipira dentro do alambique da Cachaça Paratiana, fora do centro histórico.

E se os primeiros 30 anos do Banana da Terra chegaram, nada mais justo que os próximos 30 já estejam na mira da chef. Apesar de pisciana, ela assume a postura aquariana do Banana. “Não tenho um plano específico, eu vou sentindo. Acho que vou sempre querer motivar quem está perto de mim nesta cidade que é tão incrível e que é a minha vida. Então quero contribuir para este lugar”.

Restaurante Banana da Terra
Rua Dr. Samuel Costa, 198, Centro Histórico, Paraty, RJ / Tel.: (24) 99328-2688 / Horário de funcionamento: segunda, quarta e quinta-feira, das 18h às 23h; sexta, sábado, domingo e feriados, das 12h às 16h e das 19h à 0h; fechado às terças-feiras / Mais informações no perfil do restaurante e do Instituto Paratiano de Gastronomia.