Projeto de combate à fome distribui mais de 800 marmitas por dia na periferia de São Paulo

Nascido na pandemia, Projeto Pare com a Fome, do Instituto Capim Santo, continua trabalho de capacitação formal com base na cozinha sustentável; mais de 300 mil pessoas já foram beneficiadas

Projeto Pare com a Fome já beneficiou 300 mil pessoas desde o início da pandemia
Projeto Pare com a Fome já beneficiou 300 mil pessoas desde o início da pandemia Divulgação

Saulo Tafarelodo Viagem & Gastronomia

São Paulo

Em um país em que mais de 33 milhões de pessoas não têm o que comer, segundo dados da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, a gastronomia entra em cena como uma poderosa ferramenta de mudança social e de educação.

Este é o foco do Instituto Capim Santo, organização não governamental criada pela chef Morena Leite há 13 anos que atualmente dá continuidade ao Projeto Pare com a Fome em São Paulo, a maior cidade do país.

A iniciativa nasceu na pandemia de Covid-19, época em que o instituto passou a fazer marmitas com a ajuda de professores, ex-alunos e parceiros. A ação acabou extrapolando a pandemia e entrou para o dia a dia do instituto.

“Pensávamos que seria uma ação pontual e que íamos acabar com a atividade com o fim da pandemia. Mas ela veio para desmascarar e para trazer à tona essa mazela brasileira que é a questão da fome, uma realidade brasileira independente da pandemia”, diz Luccio Oliveira, presidente do Instituto Capim Santo.

Hoje, mais de 800 quentinhas são distribuídas de segunda a sexta-feira no almoço para pelo menos quatro ONGs nas regiões de Capão Redondo, zona sul da capital, Jardim D’Lago, na zona oeste, além de Embu das Artes e Taboão da Serra, ambas na grande São Paulo.

Em julho, mais de 13.160 marmitas foram entregues para as organizações parceiras e, ao todo, 300 mil pessoas já foram beneficiadas desde o começo do projeto.

“Como organização social que trabalha com a gastronomia, entendemos que temos a obrigação de fazer a tarefa mais importante para um cozinheiro e para um chef, que é a de alimentar e matar a fome. É um projeto que veio para ser temporário, mas que vai se perpetuar”, conta Luccio.

Cozinha sustentável

As quentinhas são feitas 100% com base nutricional e pautadas na sustentabilidade. O instituto compra os ingredientes e também recebe doações semanais de vegetais e legumes que seriam jogados fora por não se adequarem a certos formatos do mercado.

“É como se a batata-doce estivesse com uma manchinha ou fora do tamanho”, exemplifica Luccio. Mesmo fora do esperado, são alimentos próprios para o consumo.

Arroz, farofa de beterraba e feijão-branco com linguiça é um dos exemplos de marmitinha montada pelo projeto. Mas as quentinhas vegetarianas também entram na conta.

“Cerca de 50% das nossas quentinhas são vegetarianas, que também é um dos conceitos que a gente quer pregar. Usamos as quentinhas como uma ferramenta de educação para a população. Uma das maneiras é mostrar que a comida pode ser gostosa, saudável, nutricional e que, mesmo assim, não precisa ter proteína animal. É aumentar o repertório da população carente”, explica o presidente do instituto.

A bandeira da sustentabilidade não para por aí: há o respeito à sazonalidade e as caixinhas são feitas de materiais biodegradáveis.

Círculo completo

A cozinha do projeto fica na Zona Leste da capital paulista, que utiliza a estrutura de uma das ONGs beneficiadas. Hoje, uma equipe de cinco alunos formados pelo Instituto Capim Santo dão conta de produzir diariamente as mais de 800 marmitas.

“Os funcionários que temos hoje são ex-alunos do instituto, então empregamos quem formamos. É um círculo completo: o ex-aluno se torna funcionário para fazer quentinha para as pessoas em vulnerabilidade”, resume Luccio.

Funcionários do projeto são ex-alunos do instituto, capacitados profissionalmente e remunerados / Divulgação

Toda a equipe de cozinha e de gestão é remunerada. O instituto oferece uma formação gratuita em gastronomia sustentável para pessoas de baixa renda, que aprendem desde técnicas de corte e temperos até questões sobre desperdício de alimentos.

O curso visa o empoderamento pessoal e a possibilidade de obtenção de renda por meio da cozinha. “Para gente é muito mais importante que eles sejam bons cidadãos do que bons cozinheiros”, enfatiza Luccio Oliveira.

Além de doações de alimentos, o instituto também recebe doações financeiras por pessoas físicas. Segundo o presidente do instituto, cerca de 80% dos recursos disponibilizados vão para a ponta do projeto, e não para o Instituto Capim Santo como um todo.

Outros projetos

Criado pela chef Morena Leite, do restaurante paulistano Capim Santo, o curso Cozinha do Amanhã deu as bases para o nascimento do Instituto há 13 anos, em Trancoso, na Bahia.

Desde o começo, o objetivo é a capacitação profissional de jovens em vulnerabilidade para iniciar um trabalho em uma cozinha formal. Mais de 2.500 alunos foram formados desde 2010 nas cinco unidades do projeto em São Paulo, no Rio e na Bahia.

Já o projeto Cozinha Escola dá ênfase na geração de renda por meio de qualificações gratuitas voltadas ao mundo da gastronomia. Ele ocorre em 16 cozinhas-escola situadas dentro dos C.E.Us, Centros Educacionais Unificados da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo.

Agora, um quarto estado está no horizonte: em agosto, o Instituto Capim Santo foi um dos selecionados pela Petrobras para desenvolver em 2024 um projeto em Pernambuco voltado ao empreendedorismo e formação de mão de obra na gastronomia. No total, 31 projetos socioambientais foram aprovados, em que o valor destinado ao chamamento público atinge R$ 432 milhões.