Produtos sem glúten e sem lactose ganham espaço na gastronomia
Com a alta demanda e diagnósticos mais precisos, celíacos, alérgicos e sensíveis a glúten e lactose agora têm mais produtos e restaurantes disponíveis - conheça alguns deles
Daniele Chiavenato, de 31 anos, sempre foi fã de massas, pizzas, pães e biscoitos. A base de sua alimentação era basicamente essa, segundo ela, que brinca que poderia facilmente comer pão francês em todas as refeições.
Até 2019, Daniele vivia tranquilamente sem desconfiar que alguns sinais que seu corpo dava podiam ser mais sérios do que imaginava. Na época, morando na Bélgica, para fazer um mestrado, praticamente comia sanduíche e macarrão – bem no clima de vida de estudante fora do país.
Depois de um certo tempo, a economista começou a sentir frequentes dores abdominais e a conclusão foi de que o desconforto vinha justamente após a ingestão de pães e massas. De volta ao Brasil, passou pelo episódio fatídico que a levou para um pronto-socorro, após comer pão de calabresa e tomar uma cerveja numa pizzaria com as amigas.
A partir de então começou a investigação, e depois de diferentes exames e profissionais recebeu o diagnóstico que mudaria todos os seus hábitos alimentares: era celíaca. Ou seja, não podia comer mais absolutamente nada que levasse glúten, proteína encontrada no trigo, cevada e centeio.
“Meu processo de adaptação foi difícil. Imagine só uma pessoa que só comia este tipo de alimento ter de mudar todos os hábitos? Com o tempo, fui me acostumando, buscando truques para me virar no dia a dia. No começo, parece que você perde o chão, mas tudo é um processo. Você aprende a dar mais valor para as coisas que você come. Hoje já consegui achar substitutos perfeitos das minhas comidas preferidas. Só o pão francês, que realmente ainda é um grande desafio”, brinca.
Daniele faz parte de 1% da população mundial que tem doença celíaca, segundo centros de pesquisa especializados, que indicam ainda que apenas 15% dos pacientes celíacos sabem que têm a doença. O diagnóstico não é algo tão simples.
Segundo o gastroenterologista, nutrólogo e membro da Sociedade Internacional para o Estudo da Doença Celíaca, Fernando Valério, a doença celíaca é autoimune e estima-se que 2 milhões de brasileiros sofram do problema.
Por conta de um erro genético, a ingestão do glúten pelo celíaco faz com que o seu sistema imunológico reaja de forma intolerante ao glúten, substância esta encontrada no trigo, aveia, cevada, centeio e seus derivados.
O corpo dessa pessoa gera anticorpos contra os próprios tecidos, que acabam provocando uma inflamação inicialmente no intestino. A longo prazo, caso não sejam tomadas as medidas de exclusão do glúten da rotina do celíaco, complicações e desenvolvimento de outras enfermidades podem acontecer.
“Costumo dizer que é uma doença ‘camaleão’: se apresenta de diferentes formas, inclusive, de forma nenhuma, sendo assintomática em cerca de 5% dos casos. O diagnóstico é feito com exames específicos de anticorpos e biópsia após endoscopia digestiva, em que a inflamação e a atrofia do intestino é percebida. Importante ressaltar que os celíacos precisam ter uma pré-disposição genética à doença e que ainda não há remédios para combatê-la. A única medida eficiente atual é a exclusão total do glúten da rotina”, ressalta o médico.
Excluir o pãozinho e outros alimentos à base de farinha de trigo soa como um verdadeiro pesadelo para algumas pessoas. Com o tempo, entretanto, substituições e versões voltadas para celíacos, sensíveis a glúten, alérgicos a trigo e intolerantes à lactose ganharam as prateleiras dos mercados.
A sociedade como um todo foi entendendo que isso não era “frescura”, mas sim, uma necessidade. A intolerância à lactose, por exemplo, atinge 70% dos brasileiros em algum grau, segundo o Ministério da Saúde. O diagnóstico é feito por meio de um teste, em que o paciente ingere uma quantidade de lactose e uma curva de glicose sanguínea é feita para avaliar a sua absorção, como explica o médico Fernando Valério.
“No caso da intolerância à lactose, a pessoa não produz uma enzima que a digere, que é a Lactase. Então, ao consumirem produtos com lactose, os pacientes sentem uma série de desconfortos. Para isso, entretanto, já há medicação e sintomas podem ser aliviados. Em casos mais severos, esses remédios ainda não funcionam, mas é uma situação diferente da doença celíaca, pois não é autoimune, e sim uma intolerância alimentar”, complementa.
Restaurantes para diferentes sensibilidades e intolerâncias estão em alta, e grandes marcas voltaram seus olhares para esta demanda, desenvolvendo produtos para todos os tipos de consumidores.
Para os que não dispensam a cerveja, hoje já é possível encontrar opções glúten free, como Stella Artois, da Ambev. Já a Dolce Gusto, da Nestlé, desenvolveu a cápsula ZeroLac, dedicada aos intolerantes à lactose e também para aqueles que querem retirá-la ou diminuí-la da rotina. O produto foi desenvolvido por um time de nutricionistas e pesquisadores da Nestlé e atendeu uma demanda pedida pelos consumidores, como explica Tiago Buischi, Gerente Executivo de Marketing de Nescafé Dolce Gusto. “A cápsula de leite zero lactose era um dos produtos mais pedidos no nosso SAC”, conta.
Comida árabe, italiana, americana, pães, bolos, tortas e uma infinita variedade de alimentos pode ser encontrada em versões para as diferentes necessidades – seja doença celíaca, alergias ou intolerâncias. É importante ressaltar, entretanto, que o consumo do alimento nestas formas não necessariamente são mais saudáveis.
“É preciso tomar cuidado com os rótulos dos produtos do mercado, ser sem glúten não quer dizer que é saudável. Precisa estar atento ao que é colocado no lugar dele e, com acompanhamento profissional, criar uma dieta para uma vida equilibrada e nutritiva”, completa Fernando.
Ester Benatti, da Federação Nacional das Associações de Celíacos do Brasil (FENACELBRA) e vice-presidente da Associação de Celíacos do RS (Acelbra), foi diagnosticada há 26 anos com a doença celíaca. Ester é assintomática e descobriu ter a doença por conta do diagnóstico de sua irmã gêmea – ao todo são em 7 irmãos: todos celíacos.
Como sabia que era uma doença genética, resolveu também fazer exames. Ela convive há anos com a doença em uma casa totalmente isenta de glúten, e ressalta a importância da sociedade entender o problema e não tratar como “uma frescura”.
“Vivo em um ambiente que todos respeitam minha condição. Em casa todos se acostumaram com minha dieta. Meu marido e meus filhos só comem glúten quando estão fora de casa. Pelo histórico familiar, para mim, é mais fácil lidar com essa questão, mas sei que muito celíacos passam por situações bem difíceis em casa, no trabalho e na vida social. Ainda somos vistos como exagerados ou frescos. É preciso nos enxergar com responsabilidade e empatia. Tentar entender que não é frescura não usar a mesma panela para preparo das comidas com e sem glúten”, diz.
Segundo ela, receitas adaptadas começaram a surgir em função das mães de celíacos e alérgicos que viam seus filhos pequenos com vontade de comer alguns alimentos que não podiam. Hoje, há uma série de opções e também mais informações para quem precisa conviver neste cenário. “Me lembro em 2013, quando fui pela primeira vez à uma pizzaria especializada depois de 18 anos sem comer pizza fora de casa. Foi uma grande emoção! Então, é muito bom ver que o mercado está evoluindo”, completa.
Por outro lado, a jornalista Nathalia Abreu, de 32 anos, nem sempre teve a compreensão de todos à sua volta. Até encontrar um namorado compreensivo, que entendesse que não poderia comer glúten e beijá-la em seguida, foi um longo caminho, cheio de desconfianças e piadas veladas.
Nathalia foi diagnosticada com a doença em 2013, quando era repórter da área de turismo e viajava muito a trabalho. Aos fins de semana, quando a ingestão de glúten era maior, sofria de crises de vômito e sintomas neurológicos, como enxaqueca.
“Quando fui diagnosticada e retirei o glúten da alimentação, todos os sintomas melhoraram muito rápido. É muito difícil quando não há tempo para sentar e comer adequadamente. Viajava constantemente para lugares que não tinham restaurantes aptos”, conta ela, que decidiu escrever sobre o tema.
“Me perguntava: por que não escrever sobre comida para pessoas como eu, que têm restrições alimentares? Então, durante a pandemia, saí de um emprego, juntei um dinheirinho e coloquei meu projeto em prática, que é o “Prato Livre”. Lá, as pessoas encontram dicas de novos produtos, restaurantes e turismo voltados para pessoas com restrições alimentares.”
O tema, de fato, é complexo. Ouvir pessoas que estão dentro do universo, convivendo diariamente com a doença, e buscar a ajuda de profissionais especializados são caminhos para levar uma vida comum. Ser celíaco, ser sensível a glúten e intolerante à lactose não pode e não deve ser mais visto como um pesadelo, mas sim, apenas uma condição.
O CNN Viagem & Gastronomia foi atrás de indicações e separou uma lista de estabelecimentos voltados a estes diferentes públicos em São Paulo. Confira:
Pizzarias
Pizza For Fun
Na cozinha da Pizza For Fun não entra nenhum ingrediente que contenha glúten, por isso, segundo eles, é impossível acontecer a temida contaminação cruzada. Opções tradicionais, lights, veganas e doces fazem parte do cardápio. No site é possível conferir todas as opções disponíveis além de tirar todas suas dúvidas em uma parte dedicada a perguntas e resposta.
Rua Luís Góis, 1665 – Vila Clementino/Tel.: (11) 3360-8075
Jolly
Localizada no Jardim Paulista, o Jolly tem um conceito diferenciado de pizzas finas, leves e sem a tradicional farinha de trigo, com opções sem lactose, low carb e veganas. Além de também servir em seu restaurante entradas e sobremesas com as mesmas opções.
Rua José Maria Lisboa, 261 – Jardim Paulista/Telefone: (11) 3884-8464
Pandan
Aberta em 2017, a Pandan combina restaurante, confeitaria e padaria com opções sem glúten. A proprietária, Daniella Kobayashi, é intolerante e viu a necessidade de levar muito sabor para as receitas sem a substância. São pães, tortas salgadas, massas, quiches, e tradicionais pratos, como bife à milanesa.
Rua Ferreira de Araújo, 369/Telefone: (11) 2729-3922
Padoca do Bem
A Padoca do Bem foi inaugura em 2014, primeiramente como Cozinha do Bem. A executiva Vanessa Faria não queria mais trabalhar no mundo corporativo e transformou seu hobby de preparar comidas saudáveis em um empreendimento.
À época, o assunto glúten e lactose estava em alta. Provando as opções existentes no mercado, sentiu falta de composições nutritivas e com mais sabor. Hoje, com mais duas sócias, ampliou a Padoca, e o menu possui diversos tipos de pães, doces, biscoitos, bolos e tortas. Os celíacos podem ficar tranquilos: não há chance de contaminação cruzada. O bolo de natal da Padoca venceu a categoria de “panetones fit”, do CNN Viagem & Gastronomia deste ano.
Rua Graúna, 207/Telefone: (11) 99477-8856
Grão Fino
Com um cardápio extenso, a Grão Fino vence o desafio de criar pratos gostosos e saudáveis, livres de glúten e lácteos. As receitas são elaboradas com leites vegetais, alimentos frescos e preferencialmente sazonais. Referência neste mercado, utilizam farinhas, féculas e amidos nobres em tudo o que oferecem. Diferentes tipos de pães e a versão do amado pão de queijo são protagonistas no menu, que contém ainda sanduíches, bolos, tortas salgadas e sobremesas para apreciar no café da manhã almoço ou jantar.
Rua Pedroso Alvarenga, 672/Telefone: 11 3078 6062
Hamburgueria
Deli Burger
Aos celíacos que não dispensam hambúrguer e batatinha frita (sem o medo de ter sido frita em um óleo “contaminado”), o Deli Burger é feito para vocês. No cardápio, há ainda opções com queijo e ingredientes zero lactose aos intolerantes. A lanchonete foi aberta neste ano e atende por delivery.
Instagram: @deliburgersemgluten
True Food
Em uma casinha aconchegante na rua Haddock Lobo, no bairro Cerqueira Cesar, a True Food abriu as portas em 2018 com a proposta de oferecer o que há de mais saudável na cozinha atual. Bolos, iogurtes, granolas e pratos conhecidos e amados por todos ganham versões sem glúten e lactose -, vegetarianas e também veganas. Apesar de não terem o selo de garantia, Larissa Siqueira, proprietária da TF, ressalta que todos os cuidados são tomados e em sua cozinha não entra nada com glúten justamente para não haver a temida contaminação cruzada.
Rua Haddock Lobo, 25/Telefone: 11 4563-1069
Mandala
Com o slogan de incluir pessoa excluindo ingredientes, o Mandala Comidas Especiais desde 2015 produz comidas sem glúten, sem leite e sem cerca de 20 alergênicos. A empresa surgiu quando uma mãe se viu diante de um enorme desafio: amamentar seu bebê que nasceu alérgico severo.
Hoje, é reconhecido nacionalmente pela produção e distribuição de alimentos seguros para alérgicos e intolerantes alimentares, entregando para todo o Brasil. O cardápio é amplo e oferece desde comidinhas como salgados, sanduíches e doces, até refeições completas.
Instagram: @mandalacomidas