Por trás do dólmã: conheça Rubens Salfer, o Catarina, chef executivo do Grupo D.O.M

Do cachorro-quente com molho de pimentão para as principais cozinhas estreladas; descubra quem é o chef que é figura requisitada em palestras e eventos gastronômicos no Brasil e no mundo

Tina Binido Viagem & Gastronomia , São Paulo, SP

Se você é antenado nas novidades e eventos gastronômicos pelo país e pelo mundo, com certeza, já ouviu esse nome: Rubens Salfer ou Rubens “Catarina” para os íntimos e fãs do chef nas mídias.

Apesar de ter “estourado” recentemente nas redes e de sua pouca idade, 34 anos, seu currículo é invejável e esse boom de “estar em todos os lugares” não é de hoje, mas só é exposto atualmente; já que até pouco mais de um ano atrás ele era avesso às redes sociais.

Braço direito do icônico Alex Atala, Rubens é o chef executivo do Grupo D.O.M., ariano determinado, gosta de fugir do convencional. Seja nas receitas, onde mistura com maestria costela num pudim de leite ou bala de menta num prato requintado com rabada e cará, seja na sua relação com a gastronomia que não começou com o clássico “minha avó me ensinou a cozinhar aos domingos”.

Alex Atala e Rubens Catarina / Acervo pessoal

Aprendeu a lidar com as panelas na adolescência, quando viajava com os amigos e ficava responsável pela alimentação do grupo. Dessas viagens surgiu seu cachorro-quente com molho caseiro de pimentão que ganhou fama para além do círculo de amizade. Como ele diz, as coisas “foram acontecendo e quando percebi estava comandando panelões do lanche em eventos pela cidade”.

De lá para cá sua vida mudou completamente. Entrou na faculdade de gastronomia em Santa Catarina, seu estado natal e de onde vem o carinhoso apelido, mas rapidamente conseguiu um estágio em Portugal no restaurante do hotel 5 estrelas Vila Vita Parc; esse foi só o empurrão para uma longa temporada na Europa.

Trabalhou na cozinha de Michel Guérard, dono de 3 estrelas Michelin, na França, mas foi numa visita no Arzak, também 3 estrelas Michelin, na Espanha, que seu coração bateu mais forte.

Saiu de lá com um objetivo: trabalhar ao lado do chef Juan Mari Arzak. Feito realizado em 2010, quando conseguiu sua sonhada vaga. Permaneceu como cozinheiro da casa até 2013 e, no meio disso, se especializou em Gestão e Administração de restaurantes na prestigiada Basque Culinary Center, em San Sebastián.

Em 2013, antes de voltar ao seu país de origem, colocou como meta conhecer todos os restaurantes com 2 e 3 estrelas Michelin da Espanha. Queria ter mais referências e, novamente, o feito foi realizado.

Experiências infinitas e diploma na mala, chegou ao Brasil em 2014 e logo começou a estagiar no D.O.M, casa com duas estrelas Michelin e na 33ª posição na renomada lista 50 Best Restaurants Latin America 2022.

Pudim de leite com costela, criação do chef Catarina para o evento de 10 anos do restaurante Osso no Peru e inauguração da casa no Brasil / Rubens Salfer

Além de ser um dos nomes à frente do renomado grupo de São Paulo, Rubens realiza palestras ao redor do mundo e dá aulas na Escola de Gestão em Negócios da Gastronomia, onde gosta de dizer que ensina muito mais do que gerir o estabelecimento, mas que “ser chef é passar conhecimento, liderar, ajudar os funcionários a crescerem e se desenvolverem cada vez mais. Ser chef vai muito além de criar boas receitas”.

CNN V&G: Qual é o papel do chef executivo? Qual a sua função dentro do Grupo D.O.M?

Catarina: Eu escuto bastante essa pergunta! Mas, de forma resumida, o chef executivo é quem cuida da parte burocrática da coisa. Para o grupo funcionar é necessário algumas planilhas de Excel, levantamento de custos, elaboração de cardápios, planejamentos, eventos, parte de criação e tudo que permeia os restaurantes e marcas do grupo. E o mais importante, cuidar da parte humana. Embora seja muito difícil conseguir motivar a todos, é fazer a roda girar sem esquecer também de olhar os colaboradores.

CNN V&G: Quais as delícias e as dores de estar à frente de um grupo com tanto peso na gastronomia brasileira e mundial como o D.O.M?

Sinceramente, são as mesmas dores de estar à frente de qualquer outra operação. Como praticamente todo o mercado, sofremos com mão de obra, ainda estamos “pagando as contas” da pandemia, tentamos diariamente entender o cliente, as novas maneiras de comer e quais as tendências. Por outro lado, aprendo constantemente num grupo que é referência e tenho liberdade para fazer meus eventos, dar aulas, viajar e conhecer gente incrível.

CNN V&G: Você já cozinhou em 39 países em 5 continentes. Quais as principais diferenças entre as cozinhas de fora e as nossas? O que falta no setor gastronômico brasileiro?

Em regra geral, cozinhar em outro país, estado ou cidade, nos faz entender sobre a cultura daquele lugar. Os produtos, a maneira de fazer, servir e até mesmo de comer são marcas de cada lugar. Impossível viajar/ cozinhar para outro local e não voltar com algo a mais de conhecimento na bagagem.

A principal dificuldade no setor de gastronomia no Brasil e no mundo é a mão de obra. A nossa relação com o tempo x ganho x trabalho vem mudando há muitos anos, a pandemia foi apenas um catalizador disso. Dizer o que falta para o setor é difícil, mas, por anos, promovemos pessoas por serem bons cozinheiros. Porém, quando a pessoa se torna “chef” (apenas um cargo dentro da sua carreira), ela precisa de muitas outras habilidades, como saber montar uma planilha de folgas, cuidar de horas extras, ter ideia de compras, motivar, ser exemplo, isso tudo não é dito e poucas vezes é ensinado ou falado entre os profissionais.

Temos que tentar, por mais difícil e árduo que seja, ensinar os profissionais e, claro, oferecer boas condições de trabalho num setor que nem sempre é assim. Acredito que isso já é um grande passo para o mercado brasileiro caminhar em passos largos.

Arquivo dos desenhos dos pratos que o chef fazia no início da carreira / Acervo pessoal

CNN V&G: Quais as suas principais fontes de inspiração? Como nasce um prato tão diferente como o seu famoso pudim de costela, por exemplo?

O pudim foi uma brincadeira nos 10 anos do restaurante Osso. Resolvi que deveria me jogar no tema da casa- que são as carnes – e me arrisquei criando uma sobremesa. A referência era clara. Depois disso, da ideia na minha cabeça, testes e mais testes. Gosto de envolver a equipe nesse passo, pois assim eles também criam referências. E depois de provar umas “gororobas”, a coisa andou e surgiu um prato que ficou marcado.

Quando eu comecei na cozinha, fazia questão de desenhar os pratos que eu imaginava ou montava, escrever do lado o que eram, detalhar os ingredientes, os sabores…. Além disso, buscava e ainda busco referências. Viajar, ler, ser curioso, provar de tudo, conhecer mercadões, comidas de rua e restaurantes estrelados. Tudo é bagagem, tudo ajuda na hora de criar um prato.

Quando fui morar na Europa, bem no início da minha carreira, eu tirava fotos de absolutamente todos os restaurantes que visitava e guardava os menus. Na verdade, ainda faço bastante isso!

CNN V&G: Você vive ao lado dos principais e mais premiados chefs do mundo. Qual uma grande lição que algum deles já te ensinou?

Nossa, poderia ficar dias falando….Aprendi muito e ainda aprendo com muitos chefs daqui e de fora. Muitos me ensinaram pessoalmente e de forma acolhedora, outros na força do ódio, outros com exemplos, alguns cometendo erros e vários outros através de livros. Porém, recentemente, tive uma aula de empatia e profissionalismo com Ricard Camarena, chef com 2 estrelas Michelin em Valência, na Espanha.

Rubens Salfer e o chef Ricard Camarena / Acervo pessoal

O Alex Atala foi cozinhar com ele e eu o acompanhei na viagem. No dia do evento, durante uma conversa descontraída no almoço, ele deixou claro o quanto aposta, apoia e ajuda os cozinheiros que estão em volta dele e eu comprovei na prática.

Na hora do briefing (reunião de toda a equipe que sempre tem antes do evento), o chef disse o que esperava de cada um e acalmou toda a equipe com poucas palavras. Resumindo, a tensão que todos  estavam em executar um serviço completamente novo foi se desfazendo, o clima na cozinha ficou ótimo, tudo fluiu com muita atenção e foco, mas sem gritos ou qualquer outro tipo de estresse. Isso só comprova mais uma vez o quanto as pessoas da nossa profissão são peças fundamentais e que o bom exemplo segue sendo a melhor maneira de liderar.

CNN V&G: Nas suas palestras você sempre fala sobre “não deixar de ver o mundo com os olhos de uma criança”. O que isso significa?

Isso veio da minha principal referência, do Arzak. Juan Mari, sempre dizia: “não deixa de olhar o mundo com olhos de criança”. Pois uma criança não tem “pré conceitos”. Não sabe o que deve ou não comer, se atreve, se diverte com pouco, sente alegria genuína nas coisas mais simples da vida. Até hoje aplico isso na minha vida, fazendo saltar esse atrevimento e criatividade num pudim de costela, por exemplo. Pois quando a gente vive isso, as coisas param de ter tantos limites.

CNN V&G: Muitas vezes você é o representante do Alex Atala pelo mundo. Como você lida com esse “peso de ser o representante” de um dos principais nomes da gastronomia brasileira?

Acho que na verdade não represento o Alex Atala. Depois desses anos de carreira, hoje, sou parte do Grupo D.O.M., que é do Alex. O D.O.M vai completar 25 anos, sinceramente, não considero isso só um restaurante. Depois desses anos já acho que é uma instituição. Então, fico feliz em estar ali dentro e levar o nome desse lugar por eventos e palestras. Mas o Alex fez muito pela gastronomia, não precisa de representantes. Talvez um dia eu esteja “na mesma prateleira que ele”.

CNN V&G: Muito se fala sobre o fim do “fine dining”. Qual a sua opinião sobre isso?

Acho super difícil colocar rótulo em qualquer tipo de refeição ou comida. Mas, se for no caso de “menu-degustação”, tenho que dizer que é um privilégio comer um menu-degustação. Pois ali o ato de se alimentar muda para um ato de “prazer em comer”.

O que eu acredito é que poucas casas ficarão com os menus gigantes, que demoram 3 ou 4 horas a refeição. Leia-se: poucas ficarão, mas não creio que vá acabar. Porém, buscaremos essas casas para datas especiais, talvez uma ou duas vezes no ano.

Gosto de pensar que o menu é como se fosse um filme. Alguém assistiu “O Irlandês” (filme da Netflix de 3 horas e 29min) sem tocar no telefone, levantar ou receber qualquer “interferência” do mundo externo? Dificilmente. O mesmo, acredito, acontece no menu-degustação. Estamos conectados, vendo as notícias, esperando a mensagem ou o “like”, fazendo o post, muita gente diz inclusive que o Instagram come antes. Isso faz com que a coisa se arraste e que distrações aconteçam no meio do menu. Mudou o perfil, mas acabar o fine dining acho impossível.


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