Pistache, uma das sementes mais caras do mundo, conquista o paladar brasileiro
Uma das oito especiarias mais caras do mundo, a semente de origem no Oriente Médio caiu de vez no gosto dos brasileiros e tem feito bonito nas cozinhas e confeitarias. Uma verdadeira alegria para os pistachemaníacos
Era uma vez, em um reino muito distante, uma rainha apaixonada por pistache. Diz a lenda que a Rainha de Sabá, conhecida como Makeda, exigia toda a produção da semente para seu próprio uso e de seus admiradores. A monarca etíope sabia das coisas ou, pelo menos, tinha um gosto bastante sofisticado.
Assim também foi com Adão que, ao ser expulso do Éden, levou consigo um punhado das sementes. O pistache, inclusive, é frequentemente citado na Bíblia. Evidências arqueológicas na Turquia e na Síria mostram que o alimento já era consumido desde os anos 7000 a.C. Talvez venha daí, da mistura do sagrado com nobreza, essa aura de ingrediente luxuoso.
Seu preço também contribui para tal fama. O pesteh, de origem iraniana, está entre as oito especiarias mais caras do mundo, ao lado do açafrão, cardamomo e fava de baunilha. Ou seja, pode sustentar sem modéstia o título de iguaria.
A história do pistache começa no Oriente Médio, mais precisamente na Síria e na antiga Mesopotâmia. Foi quando chegou à Itália, no entanto, que o pistache ganhou fama pelo mundo. A paixão dos italianos pelo pistacchio fez com que eles elevassem a qualidade do insumo a um patamar ainda mais alto. Tanto que os cultivados na cidade de Bronte, região da Sicília, têm selo de denominação protegida (DOP) e foram batizados de ouro verde.
No Brasil, não há produção de pistache. O Ceará vem alguns anos ensaiando testes, mas o negócio ainda não foi para frente. Então, a origem de todo pistache comido pelas bandas de cá vem de fora. Lembrando: é extremamente importante separar o joio do trigo, ou melhor, o pistache verdadeiro de emulsões saborizadas totalmente artificiais. Essas nem devem ser levadas em conta.
De cor verde amarronzada e sabor docemente amendoado, as sementes são encontradas em países como Líbano, Turquia, Índia, Irã e Afeganistão. Além da Itália, tem sido cultivado comercialmente na Austrália, Novo México e Estados Unidos, principalmente na Califórnia, onde foi introduzido em 1854. Rico em betacaroteno, vitamina E e luteína, antioxidantes que retardam o envelhecimento, é também utilizado na indústria cosmética.
Pistache: de entrada a sobremesa
Mas é na gastronomia que ele faz bonito. E já tem algum tempo que o ingrediente está em alta. Em 2019, ele foi eleito pela rede Starbucks para ser o protagonista de uma “família” de produtos – latte, iced e frappuccino. Até chegaram a dar as caras por aqui no verão de 2023. Isso era só um indício de que o ingrediente viraria um dos queridinhos dos brasileiros. De repente, o pistache estava em tudo: da entrada ao prato principal.
Em funcionamento há 10 meses, a Fofo de Belas, uma mistura de café, padaria e confeitaria, em Belo Horizonte, percebeu logo o poder de encantamento do “ouro verde”. “Começamos com um mil-folhas de pistache e frutas vermelhas e ele simplesmente não parava na vitrine. Era o primeiro a acabar”, explica o sócio Igor Teixeira. Aí vieram os outros produtos: croissant, pão, bolinho, éclair, torta, sorvete, bolo de belas (docinho português, que lembra um bem-casado mais macio) e até cruffin, uma mistura de croissant e muffin que faz o maior sucesso nas redes sociais. “É uma febre real, que a gente não consegue explicar. Costumo dizer que se colocarmos um saquinho com pistache na bancada é capaz de vender”, ri. A casa compra, mas também faz sua própria pasta de pistache. Para um quilo de pasta, o investimento é de pelo menos R$ 1 mil.
O chef Pepo Figueiredo, do Clan BBQ, casa especializada em fogo no Rio de Janeiro, usa pistache na medida certa – muito pelo preço também. “É um ingrediente caro, me surpreende ele estar na moda. Mas, indiscutivelmente, é maravilhoso”, afirma. A semente aparece na categoria Entradas em forma de uma farofa servida por cima de uma couve-flor cozida e grelhada com fonduta de queijo de cabra. Segundo Pepo, a semente entra como um elemento de gordura e salinidade na receita, trazendo um equilíbrio para o amargor da brasa da couve-flor e a acidez e cremosidade do queijo de cabra.
Marcelo Petrarca, dono e chef dos restaurantes Bloco C, o Reverso e Lago, em Brasília, fez um prato que é uma verdadeira declaração de amor. O À la Marcela é uma homenagem a sua mulher, a confeiteira Marcella Pinho. “Um dia cheguei em casa e ela tinha preparado essa receita para mim. Acabei fazendo algumas adaptações para trazer para os clientes.” Na versão final assinada por Petrarca, o rigatoni é servido com creme de grana padano, funghi e praliné de pistache.
Combina com tudo
O chef italiano Antonio Maiolica, do Temperani Cucina e MII Rooftop, em São Paulo, conta que a primeira coisa que uma criança aprende a comer em seu país é sorvete. “O de pistache e o de chocolate são os preferidos”, diz ele, que até hoje é fã dos dois sabores. Para o chef, a história do pistache no Brasil está apenas começando. “Essa onda já aconteceu na Itália. Tudo levava pistache! Foi quase como a Nutella”, completa. A semente vai bem com tudo. Ele é da teoria que se bem usado, na medida e de maneira correta, qualquer ingrediente pode ser combinado.
Durante o período que morou em Nova York, de 2010 a 2014, servia um carré de cordeiro em crosta de pistache no restaurante Gradisca. Evidentemente, existem alguns clássicos como sua utilização junto com chocolate ou dentro da tradicional mortadela de Bologna. Foi, inclusive, o tradicional sanduíche de mortadela do Mercadão que o inspirou a criar a sua famosa maionese de pistache (receita no final da matéria). “Na Itália, a gente come pão com mortadela e uma colher de maionese. Um dia, tinha sobrado um tanto de pasta de pistache de um doce que estava fazendo. Resolvi testar e ficou ótimo”, diz. Hoje, nos restaurantes, ele usa pistache em alguns pratos como no crudo de atum com pistache e o cannoli de ricota com pistache.
Conquistou de vez os cardápios
Em agosto, a Bacio di Latte, gelateria que nasceu em São Paulo em 2011 e hoje conta com mais de 160 unidades espalhadas pelo Brasil, lançou o Festival do Pistacchio. Como o nome mesmo indica, a estrela de todos os produtos era, claro, o pistache. Criadas pelo chef Olivier Kirkham, o Il Pistacchio encantou imediatamente os pistachomaníacos. Também pudera: gelato de pistache na casquinha recheada de creme de pistache, crocante e cobertura de pistache. A turma aceitou tanto as novas receitas, que o festival acabou e algumas das receitas entraram de vez para o cardápio. Atualmente, a marca oferece sete produtos que levam o ingrediente.
Além dos gelatos de pistache e mousse de pistacchio, tem milkshake, waffle, crepe, creme e chocolate. Ah, e sabem qual é o sorvete mais vendido pela Bacio em todo o Brasil? Pois é. Ele mesmo! Parece mesmo que o pistache não foi só amor de verão para os brasileiros. Veio para ficar.
Receita fácil com pistache
Maionese de pistache por Antonio Maiolica
300g de óleo
2g de sal
30g de vinagre
1 ovo
20 g de pasta de pistache ou 50 g de pistache in natura e três folhas de salsinha
Modo de fazer
Coloque o azeite, o sal, o vinagre e o ovo no copo do mixer. Coloque o mixer bem no fundo e vá batendo até a mistura emulsionar. Depois é só colocar a pasta de pistache e bater mais um pouco.