Na boca do povo: shitake, shimeji, champignon… brasileiro nunca pesquisou tanto sobre cogumelos
Entenda o universo – de onde vem, como preparar e até caçar! - desses fungos que têm despertado o interesse de quem ama gastronomia
Foi em 2008 que a história do cogumelo no Brasil começou a tomar um novo rumo. Sem querer entrar no juridiquês da coisa, mas dando um rápido resumo para entendermos melhor a história desse ingrediente que nunca esteve tão na moda, foi esse o ano em que chegou ao fim a Lei antidumping.
Como? Vamos lá: essa lei tem como objetivo evitar que os produtos nacionais sejam prejudicados por importações realizadas a preços muito inferiores aos praticados. Ou seja, até então, os produtores de cogumelos brasileiros – que em sua maioria produzia o champignon de Paris para conserva – se viram diante de uma concorrência desleal, principalmente com a entrada dos champignons vindos da Ásia.
Se o brasileiro até então só tinha intimidade com o champignon – aquele vendido nos vidrinhos ou em baldinhos – indispensável na receita de um bom estrogonofe, a realidade mudou. Os fungicultores nacionais foram obrigados a se reinventar.
Muitos passaram a focar na produção e comercialização de cogumelos frescos. Bingo! E de repente, nas gôndolas dos mercados começaram a aparecer umas bandejinhas com uns cogumelos diferentões, coloridos e com sabores variados. E a turma da gastronomia gostou.
A partir daí, o cogumelo fresco ganhou o mercado, pois além das características nutricionais e nutracêuticas (rico em nutrientes), o produto in natura tem um alto valor agregado.
“A resposta foi muito rápida. De repente você sai do picles, daquele champignon ácido, para um mundo cheio de sabores e texturas. É uma outra história, uma mudança de paradigma”, explica Daniel Gomes, pesquisador da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA) e presidente da Associação Nacional dos Produtores de Cogumelos (ANPC).
Outro fator importante para a disseminação do ingrediente Brasil afora é a cozinha oriental, muito apreciada pelos brasileiros.
“Em qualquer menu de um japonês, tem no mínimo um prato com shimeji”, diz Daniel. “É alta a relevância dos cogumelos na gastronomia japonesa. Fazem um importante papel no aporte de umami e de camadas de sabor, sobretudo o shitake. No dia a dia, também são usados na culinária caseira, no preparo do dashi”, completa Gérard Barberan, do Kuro, de São Paulo.
O veganismo e o vegetarianismo entram nessa escalada pela busca dos cogumelos, que servem como importante suporte proteico na alimentação de quem abre mão do consumo de carne.
“Os reality shows de gastronomia também contribuíram. Além da pandemia, que fez com que muitas pessoas se voltassem para uma alimentação mais saudável, buscando a origem dos alimentos e abraçando os pequenos produtores locais”, diz dr. Marcelo Sulzbacher, um dos maiores especialistas de fungos comestíveis do Brasil e proprietário da Terroir Sul.
Na boca do povo
O cogumelo, então, chegou ao prato do brasileiro. E de lá parece não querer mais sair. Tanto que o Brasil é o país da América do Sul com mais interesse de busca por cogumelos nos últimos 12 meses, segundo os dados do Google Trends.
As pesquisas subiram 70% na comparação dos últimos 5 anos. Além disso, shimeji, shitake e champignon são, em ordem, os tipos de cogumelos mais buscados no país desde o início da série história do Google, em 2004.
E tem mais: “Como fazer cogumelos” é a pergunta mais buscada sobre o assunto nos últimos 12 meses. A boa notícia é que estamos trazendo receitas de quatro grandes chefs no final dessa matéria. Anota aí no seu caderninho!
Silvestres e cultivados
Segundo Daniel Gomes, existem cerca de 20 tipos de cogumelos sendo comercializados no país. O mais cultivado é o Champignon de Paris ou Portobello. Entretanto, tem-se registrado um aumento significativo de pleurotus, vulgarmente chamado de shimeji brasileiro.
“A espécie passou por modificações para se adaptar ao clima tropical”, explica Daniel. Na sequência, aparecem outros como shitake, foliota, ostra, enoki, eringi, juba-de-leão, sajor-caju e orelha- de-pau. Todos esses são cultivados, ou seja, o fungo é adicionado a um substrato pasteurizado em camas de crescimento. O ciclo de cultivo é bem rápido e oscila entre 45 e 180 dias.
Já os cogumelos silvestres são aqueles que surgem de forma espontânea na natureza. É o caso do Porcini, que apesar da origem italiana, hoje já pode ser encontrado no Brasil, principalmente na região Sul.
O chef Willian Vieira, d’O Guará Cozinha, em Joinville, Santa Catarina, é um entusiasta do ingrediente. Tanto que ele criou até mesmo um festival, que acontece anualmente por lá. Ele convida alguns chefs de outras regiões para a caça do cogumelo e depois para prepará-los de diversas maneiras.
“Meu primeiro contato com o Porcini aconteceu há quase uma década. É um ingrediente incrível, com um sabor amendoado”, diz ele, que esse ano conseguiu coletar cerca de 300 quilos.
Entre os cozinheiros convidados na edição de 2023, estava Claudia Krauspenhar, do K.sa, em Curitiba. “O nosso Porcini é muito saboroso e rico em umami. Além de ser muito versátil, dá para fazer vários preparos, desde um creme, uma massa, um caldo. É uma iguaria e uma sorte a gente ter isso aqui por perto”, afirma Claudia.
Prontos para a caça!
Hoje, os interessados pelo assunto já podem ter a experiência de caçar seus próprios cogumelos. Existem empresas e especialistas que realizam o trabalho de guia em várias regiões, principalmente no Sul e Sudeste.
A coleta acontece de maio a julho, tendo seu ponto máximo em junho. Marcelo Sulzbacher é um dos leva os visitantes para ver de perto os fungos em seu habitat em lugares como a Serra Gaúcha.
“É um mercado que só vem crescendo. Já passaram pelas nossas mãos cerca de 2 mil pessoas. Os hotéis também começaram a encarar essa experiência como um atrativo turístico, assim como acontece em outros lugares do mundo”, diz.
Trufas brasileiras
Marcelo Sulzbacher também tem aberto essas expedições para quem quer conhecer o mundo mágico dos mais valiosos fungos do mundo, os chamados diamantes da gastronomia. Foi ele, inclusive, quem descobriu as primeiras trufas brasileiras, em 2016, na região de Santa Maria e Cachoeira do Sul, no Rio Grande do Sul.
“Os esporos que cresceram aqui vieram junto às raízes das mudas de nogueiras-pecãs vindas de fora”, explica.
Diferente dos cogumelos, as trufas crescem embaixo do solo e são difíceis de serem encontradas. Além disso, seu tempo de crescimento é lento, entre 6 e 8 anos. A primeira trufa brasileira foi batizada de Sapucay e, no ano passado, foram coletados cerca de 50 quilos.
“Trinta quilos foram comercializados. Muitos chefs já utilizam em seus cardápios. Mas é um trabalho de apresentar um novo mundo para o mercado. Costumo dizer que não é uma trufa de Alba, é uma trufa tupiniquim, com todas as suas qualidades. Que são muitas”, diz.
O valor do quilo da Sapucay – que significa o último grito em Guarani – custa R$ 8 mil o quilo. De lá para cá, Marcelo também acompanhou a descoberta de outras espécies como uma versão da Tuber borchii, conhecida como Bianchetto na Itália, no interior de São Paulo; e a Maniba, em Minas Gerais.
O que andam perguntando para o Google
Pedimos ao chef Willian Vieira, d’O Guará, de Joinville, para tirar algumas dúvidas sobre o universo do cogumelo na gastronomia.
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Pode lavar?
Não se lava nenhum tipo cogumelo. Ele é uma esponja, então quanto mais água ele absorver, mais enxarcado ele ficará. O ideal é limpá-lo com um paninho ou pincel. Se a haste tiver muita terra, pode cortá-la para evitar que a isso vá parar no prato.
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Como conservar?
Na geladeira. Depois de limpos, coloque em uma caixa, que pode ser de plástico, alumínio ou inox, e cubra com um pano. Dependendo de como foi colhido, ele dura de 5 a 7 dias.
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Como saber se o cogumelo não está estragado?
A primeira coisa, é sentir o cheiro. Se você sentir um odor ácido, ferroso é sinal de que ele está em decomposição. Também é importante ver se ele não está muito mole, murcho ou com manchas escurecidas.
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Dá para congelar?
É até possível, se for a vácuo, mas o correto é não congelar. O cogumelo tem mais de 90% de água, então quando descongelar vai ficar bem molenga, sem textura.
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Qual a diferença entre cogumelo e trufa?
Os cogumelos nascem fora do nível da terra e as trufas estão abaixo, grudadas nas raízes das árvores. A trufa é rara. Para se desenvolver precisa de condições de solo e clima muito peculiares. Sua colheita é trabalhosa, muitas vezes sendo feita com a ajuda de cachorros treinados que farejam o fungo debaixo da terra.
História
Os cogumelos são conhecidos e usados pelos povos orientais há pelo menos 3 mil anos. O mercado de cogumelos movimenta US$ 35 bilhões (aproximadamente R$ 170 bilhões) ao ano no mundo.
A China lidera a produção mundial de cogumelos, seguida pela Itália, Estados Unidos e Holanda. São Paulo é o principal produtor, com quase 87% da produção nacional, sendo grande parte concentrada na região de Mogi das Cruzes.
A produção no Brasil é de 14 mil toneladas por ano. Entre 2015 e 2022, a importação do produto em conserva saiu de 7 mil para mais de 18 mil toneladas/ano.
O consumo per capita na China é de 8 quilos anuais, enquanto a Alemanha, França e Itália consumem 4 quilos, 2 quilos e 1,3 quilo, respectivamente. No Brasil, em 2006, esse consumo não passava de 30 gramas por pessoa. Atualmente, a média de consumo anual brasileira é de 160 gramas.
Receitas com cogumelos para todos os gostos
Vieira grelhada com creme de Porcini fresco – por Claudia Krauspenhar, restaurante K.sa, Curitiba
Ingredientes:
- 300 g de porcini fresco
- 50 g de manteiga
- 20 g de cebola bem picadinha
- 1 litro de creme de leite fresco
- 6 vieiras
- Sal e pimenta-do-reino a gosto
- 20 g de manteiga clarificada
Modo de preparo:
Em uma frigideira funda, refogue a cebola na manteiga até ficar bem douradinha, junte o Porcini picado e refogue em fogo baixo. O cogumelo solta água então refogue baixinho até a sua água secar. Junte o creme de leite, cozinhe em fogo baixo até reduzir pela metade. Bata no mixer ou liquidificador.
Grelhe as Vieiras em fogo alto bem rapidinho dos dois lados apenas para dourar. Elas têm que ficar malpassadas no meio, preservando a textura e sabor. Sirva com o creme de Porcini.
Risoto de porcini catarinense, entranha, fonduta de queijo serrano, demi glace e placa de milho branco – por Willian Vieira, O Guará Cozinha, Joinville
Ingredientes:
- Caldo de legumes
- 100 g de cebola
- 50 g de cenoura
- 100 g de alho-poró
- 1 litro de água filtrada
Leve tudo a uma panela e deixe ferver até reduzir 25% e desligue. Coe e reserve para o risoto.
- Risoto
- 20 g de Porcini desidratado
- 150 g de arroz pérola
- 100 g de parmesão
- 75 g de manteiga
- Para a fonduta
- 100 g de queijo serrano curado
- requeijão cremoso 200 g de requeijão cremoso
- 50 ml de demi glace (caldo escuro de ossos)
- Placa de milho branco
- 300 g de farinha de milho branco
- 200 g de goma de tapioca
- Sal
- 300 g de entranha (corte bovino
Modo de fazer:
Começando pelas placas de milho branco, cozinhe a farinha e a goma de tapioca com água até ficar bem cremosa, isso deve levar 25 minutos. Corrija o sal, espalhe em um tapete de silicone não muito fino, leve ao forno a 75 graus por cinco horas, até virar uma placa. Depois corte em pedaços e frite em óleo a 200 graus. Reserve para a decoração.
Limpe a carne, os excessos de gordura, tempere com sal e pimenta, deixe descansar cinco minutos.
Comece o risoto com os Porcinis desidratados e cortados bem fininhos, refogue em um pouco de azeite, e acrescente o arroz. Vá colocando o caldo aos poucos, até chegar ao ponto.
Desligue e misture muito bem com a manteiga e o parmesão. Enquanto isso, esquente bem uma frigideira e grelhe os dois lados da entranha. Para a fonduta, misture o requeijão e o queijo serrano, até dar ponto e derreter completamente o queijo.
Para montagem do prato, disponha o risoto, os pedaços de carne, espalhe os molhos por cima e decore com as placas já fritas previamente.
Nametake com vieira e pó aonori – por Gérard Barberan, do Kuro, São Paulo
Ingredientes:
- Para o Nametake
- 400g cogumelos enoki (sem a base)
- 120g mirin (saquê licoroso) flambado
- 50g vinagre de arroz importado
- 130g shoyu da casa
- 2un vieira
- 60g Nametake
- aonori (ou pó de nori)
Modo de fazer:
Flambamos o mirin, uma vez evaporado ao máximo o álcool, acrescentamos o restante dos líquidos da receita. Cozinhamos por 1 min e acrescentamos os cogumelos. Tampamos e deixamos esfriar.
Cortamos as vieiras em 2 ou 3 pedaços. Num prato fundo colocamos uma cama de nametake e as vieiras por cima. Terminamos com flor de sal e aonori.
Cozido de cogumelos com pinhão – por Raphael Vieira, do 31 Restaurante, em São Paulo
Ingredientes:
- 150 g de pinhão pré-cozido
- 200 g de cogumelo lactarius
- 30g de manteiga
- 45 ml de vinho branco
- 50g de quinoa cozida
- Sal
- Pimenta do Reino
- 300ml de óleo
Modo de fazer:
Coloque o óleo em uma panela e junte a quinoa cozida. Deixe em fogo médio, sempre mexendo para fritar até ficar crocante. Depois de crocante, tire a quinoa do óleo e deixe sobre papel toalha até secar bem. Tempere com sal.
Derreta a manteiga em frigideira em fogo médio e adicione o pinhão. Deixe ficar bem dourado e adicione o cogumelo lactarius. Quando o lactarius ganhar cor, tempere tudo com sal e pimenta e adicione o vinho. Mexa sempre a panela para emulsionar bem a manteiga com o vinho. Sirva em prato fundo e coloque a quinoa frita por cima.
(Com informações do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços; Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios; Associação Nacional dos Produtores de Cogumelos; Governo do Estado de São Paulo; e Embrapa).