Da Itália ao mundo: a história e como o panetone se tornou um ícone natalino
Da corte de Milão para as prateleiras do mundo, o panetone passou de uma receita lendária a um clássico indispensável das festas de fim de ano; marca brasileira é a maior produtora do doce no mundo
Você piscou e uma das datas mais esperadas do ano chegou novamente! O Natal, celebrado por milhões de pessoas em 25 de dezembro, ultrapassou barreiras religiosas para tornar-se um momento culturalmente querido e recheado de símbolos, tradições e, claro, sabores inesquecíveis, daqueles que te fazem viajar diretamente para essa época do ano. E, entre tantas receitas, há um protagonista indiscutível que reina absoluto nesta festa: o panetone.
Com frutas cristalizadas ou na versão de chocolate, o item é presença certa nas prateleiras de mercados e lojas, quase servindo como um aviso direto de que o fim do ano se aproxima. Mas de onde veio o panetone e como conquistou seu lugar especial nas mesas de Natal e mercados ao redor do mundo?
As lendas sobre a criação do panetone
São muitas lendas sobre a história do panetone. A mais famosa delas remonta ao século 15, na corte de Ludovico il Moro, Senhor de Milão. Conta-se que, na véspera de Natal, durante um banquete, o cozinheiro da nobre família Sforza acidentalmente queimou uma sobremesa. Para salvar a situação, um dos ajudantes da cozinha, chamado Toni, pegou um pão de fermentação que havia reservado para as festividades e, com criatividade, adicionou farinha, ovos, passas, frutas cristalizadas e açúcar, criando uma massa leve e macia.
A receita foi um sucesso e agradou tanto à família Sforza que decidiram batizar o bolo de “pan di Toni”, nome que com o tempo se transformou em “panetone”.
Outra história contada sobre sua criação envolve Ughetto degli Atellani, um jovem milanês apaixonado por Adalgisa, filha de um padeiro. Para conquistar o coração dela e ajudar o pai dela a salvar a padaria da falência, Ughetto teria criado um pão enriquecido com manteiga, mel e frutas. Sua receita se tornou um sucesso e trouxe prosperidade à padaria, além de assegurar seu lugar no coração de Adalgisa. O pão especial passou a ser vendido todos anos durante o Natal, ganhando popularidade e se tornando o panetone que conhecemos hoje.
Ainda há quem diga que o panetone foi criado por uma freira chamada Irmã Ughetta, que morava em um convento pobre nos arredores de Milão e quis fazer a alegria das irmãs em um natal com uma receita nova de pão, com frutas e mel.
A prova de amor de Atellani, o desespero do jovem Toni em salvar o jantar da realeza ou a intenção de agradar da Irmã Ughetta são apenas lendas que ganharam força ao longo dos anos. O que se sabe com certeza é que o panetone tem raízes na Idade Média, quando era comum preparar pães mais elaborados para o Natal, servidos pelo chefe da família como símbolo de celebração.
A primeira referência documental ao panetone aparece em 1606, no Dicionário Milanês-Italiano, onde ele é descrito como “panaton de danedaa”, uma versão baixa e simples, semelhante ao pandolce de Gênova.
A receita foi se aprimorando ao longo dos séculos, e em 19, o doce começou a ser chamado de “panatão” ou “panatton de Natal”. A forma alta e macia que conhecemos hoje só foi alcançada na década de 1920, quando o confeiteiro Angelo Motta, inspirado no kulic (um bolo de Páscoa ortodoxo), adicionou manteiga à receita e envolveu o panetone em papel especial, dando-lhe a forma que se tornou um ícone do Natal.
O panetone pelo mundo
O panetone começou sua jornada mundial graças à imigração italiana e também à expansão comercial do século 20. Muitos italianos saíram do país em busca de oportunidades tanto da Europa, em lugares como França, Alemanha e Suíça, como nas Américas, principalmente na Argentina, Brasil e Estados Unidos. Com isso, levaram na bagagem muitos costumes e deliciosas receitas, entre elas, o panetone.
O desenvolvimento das redes de exportação no pós-guerra também ajudou o produto a chegar em diversas partes do mundo, inclusive na Ásia, onde marcas italianas tradicionais, como a Motta, por exemplo, conquistaram as prateleiras de supermercados
Na Europa, o pão doce sempre foi reconhecido como uma iguaria natalina e ganhou variações de sabores e recheios em diferentes lugares, que passaram a produzi-lo com ingredientes locais.
A chegada do panetone ao Brasil
No Brasil, o panetone ganhou destaque especialmente por meio da marca Bauducco, que em 1952 abriu as portas como “Doceira Bauducco”, no bairro do Brás, em São Paulo, um dos redutos da comunidade italiana no país.
Carlo Bauducco foi o grande responsável por toda essa história de sucesso. O italiano chegou a São Paulo em 1949 e trouxe na mala a receita do Panettone italiano original, escrita à mão, além do segredo da “massa madre”, um tipo de fermento natural, feito à base de farinha e água – ingrediente indispensável para o doce tradicional, tipicamente de Milão.
Sabendo do tamanho da forte comunidade de conterrâneos em São Paulo, e vislumbrando o sucesso que faria apostando na produção da iguaria natalina em terras brasileiras, resolveu empreender ao lado de sua esposa e seu filho. Abriu, assim, três anos após sua chegada, aquela que se tornaria uma das marcas mais valiosas do Brasil, além de líder de vendas do produto que tanto acreditou – e que abriu o mercado para bons concorrentes ao longo das décadas.
Foi a família Bauducco também que deu vida ao famoso “Chocottone”, desenvolvido muitos anos depois, com gotas de chocolate no lugar das frutinhas. Massimo Bauducco, neto de Carlo, percebeu que seus amigos adoravam o doce, mas sempre tiravam as frutas na hora de comê-lo. Assim, resolveu apostar na mudança, atendendo diferentes paladares, principalmente o dos mais jovens. O novo produto foi um grande sucesso. Vale destacar que ele é marca registrada e apenas a Bauducco tem o direito de chamá-lo de Chocottone.
Entretanto, é inegável como ele virou referência para outras criações, que também fazem grande sucesso no mercado.
Segundo dados fornecidos pela marca, atualmente a Bauducco produz 80 milhões de Panettones e Chocottones por ano. A empresa brasileira tipicamente italiana exporta seus produtos para mais de 50 países – e mesmo após tantos anos e criações de sucesso – estando presente em 80% dos lares do Brasil -, os seus panettones continuam sendo uma das grandes estrelas da casa. Ainda segundo a Bauducco, a marca é maior produtora do doce natalino do mundo.
De acordo com a Associação Brasileira das Indústrias de Biscoitos, Massas Alimentícias e Pães & Bolos Industrializados (Abimapi), entre novembro de 2022 e janeiro de 2023, foram consumidas aproximadamente 42,5 mil toneladas de panetone no país, resultando em um faturamento de R$ 725 milhões.
No período seguinte, de novembro de 2023 a janeiro de 2024, as vendas registraram um crescimento de 31,5% em faturamento, alcançando 37,6 milhões de lares brasileiros.
Os panetones artesanais e adaptação ao público brasileiro
A partir das portas abertas pela Bauducco, muitos confeiteiros e marcas passaram a executar diferentes receitas do doce natalino. Algumas incorporaram novos e generosos recheios; outras desenvolveram sabores locais em versões únicas, sempre com objetivo de agradar cada vez mais paladares.
Um exemplo notável é o Mocotone, o panetone com identidade brasileira do restaurante sertanejo Mocotó, em São Paulo, que tem como um dos conceitos centrais de sua cozinha a inclusão. O chef Rodrigo de Oliveira exalta que a comida do local é “feita com olhos no mundo, mas os pés sempre firmados no sertão”.
Com esta proposta central e levando em conta outros diversos valores do restaurante, ele e sua equipe de confeitaria, comandada pelo chef Ale Sotero, desenvolveram há três anos aquilo que se tornaria um produto quase obrigatório de fim de ano. Com base tradicional do panetone italiano, mas com uso de ingredientes nativos brasileiros, o panetone do Mocotó buscou trazer uma nova experiência de sabor e aroma para os fãs do doce natalino – e conseguiu.
Segundo Ale Sotero, a decisão de criar o Mocotone surgiu do desejo de desafiar a equipe a elaborar um panetone que refletisse a essência do Mocotó.
“O Panetone sempre foi um pão que a gente gostou muito… É um pão doce complexo e difícil de executar. Brincamos que foi feito para dar errado, supercomplexo e hidratado”, explica, ressaltando os desafios que enfrentaram nas primeiras tentativas de produção.
“Queríamos fazer um panetone com base tradicional italiana, mas com nossa identidade. Pensamos em usar frutas brasileiras e populares, como cupuaçu, goiabada, banana, caju e buriti — todas com a cara do Mocotó.”, completa.
O chef menciona que o processo foi uma verdadeira colaboração entre ele, o chef Rodrigo Oliveira, a padeira Raquel Lima, e toda sua equipe. Eles passaram meses testando e ajustando a receita até chegar ao equilíbrio perfeito entre tradição e brasilidade. “A alma do nosso panetone ficou com uma base tradicional, mas usamos ingredientes especiais como mel de abelhas nativas, cumaru e laranja selecionada”, comenta Sotero. O sucesso foi imediato, e o Mocotone se destacou em competições de degustação, sendo premiado e aclamado como um dos panetones favoritos no mercado.
Hoje, ele é produzido anualmente em lotes limitados, e cada nova fornada é celebrada pelo público, que aguarda o produto como uma tradição de final de ano. “Foi um trabalho conjunto, com ideias e mãos de muita gente. É um produto que carrega nossa identidade e é acessível ao nosso público. Este ano estamos finalizando o teste de um novo sabor” revela o chef, que recebe mensagens em suas redes sociais de fãs do produto desde o meio do ano.
Os segredos de um bom panetone milanese pelo chef Rogério Shimura
“O panetone não é uma receita, o panetone é uma filosofia”. É assim que o chef Rogério Shimura, fundador da L evain Escola de Panificação e Confeitaria, em São Paulo, classifica o doce natalino. Segundo Shimura, para fazê-lo é preciso respeitar cuidadosamente todos os processos de preparo. Em seu curso, os alunos têm aulas dedicadas à iguaria, e sob seus olhares atentos seguem à risca todos os passos para um panetone perfeito, tipicamente de Milão.
“É uma massa muito rica em açúcar e gordura. Não é simplesmente misturar os ingredientes. Para produção do panetone original milanês, todo o processo deve ser feito com fermentação natural e seguir processos até mesmo depois de pronto, quando ele deve descansar de “cabeça para baixo” durante pelo menos seis horas”, explica Shimura.
“Para o inicio da produção da massa, é preciso reforçar seu fermento natural (Lievito Madre). Depois que ele está forte o suficiente, você faz o primeiro impasto. O fermento tem de acostumar com a carga excessiva de açúcar e gordura. Após doze horas, você faz o segundo impasto com o restante dos ingredientes: restante da farinha, água, açúcar, gema, manteiga, leite em pó, fava de baunilha, mel e extrato de malte. A massa pronta deve descansar para só no dia seguinte ser assada e passar pelo processo de finalização”, completa.
As famosas “Frutinhas”, encontradas nos panetones industrializados, também são protagonistas na produção do panetone italiano original, mas de forma totalmente diferente. A laranja, limão siciliano e cidra são glaceados e adicionados na massa junto com a uva passa. O cheiro típico de panetone, que muitas vezes na indústria é resultado da aplicação de uma essência, também é feito de forma natural, por meio de uma imprevisível mistura que dá o aroma e sabor tão emblemáticos. Essa mistura é chamada de pasta cítrica, feita com laranja, tangerina, limão, mel e açúcar, incorporada no processo final da massa.
No ramo da panificação desde 1987, Rogério foi eleito o “Melhor Padeiro do Mundo” em 2019, pela UIBC – International Union of Bakers and Confectioners, e carrega outros títulos em sua carreira, que começou antes mesmo de nascer. Sua família foi a responsável por abrir a primeira padaria da cidade de Mairiporã, em 1946.
Autor do livro “Os Pães Que Mais Gosto”, formou-se na França em 1999, onde aprendeu técnicas de fermentação natural e longa, que foram aplicadas e adaptadas à padaria brasileira. Professor e consultor técnico para inúmeros empreendimentos do ramo, não à toa foi chamado para ser jurado da “Coppa Del Mondo Del Panettone”, que neste ano acontecerá de 8 a 10 de novembro, com três brasileiros na disputa. O lugar não poderia ser outro: Milão, onde tudo começou.
Coppa del Mundo del Panettone
Shimura foi o responsável por homologar e organizar a etapa nacional da “Coppa del Mondo del Panettone”, que é feita ano sim ano não em São Paulo e organizada pela Levain. Os vencedores desta disputa participam da grande final, que é realizada a cada dois anos na cidade de Milão, o berço da iguaria.
Às cegas, Shimura e outros jurados do mundo da alta confeitaria, comandados pelo patrono Giuseppe Piffaretti, grande mestre da panificação, avaliam aspectos como aparência externa; textura e cor interna; quantidade de frutas e sua distribuição; mastigabilidade; análise de fibra longa e/ou gorduroso; aroma e, claro, sabor. Há também a categoria de panetones de chocolate, que é feita de forma separada.
Em 2023, três brasileiros garantiram vaga para a competição, que acontecerá nesta semana, na Itália. Para isso, tiveram de mandar uma espécie de portfólio e a receita que executariam na seletiva nacional – vale destacar que a organização oferece uma lista de ingredientes que são permitidos. Caso o candidato não a siga, ele é desclassificado. Uma das proibições é o uso de fermentos comercial fresco ou seco; pré-misturas e essências artificiais.
Foram mais de 400 inscritos. Uma análise foi feita pela própria competição internacional e 20 entraram na disputa, que aconteceu em julho do ano passado na FIPAN (Feira Internacional de Panificação, Confeitaria e Food Service). Nomes como Toninho Laurenti, da Basilicata; Elias Alonso, professor da Levain Escola; Gunther Koerffer, presidente da UIBC e confeiteiro da rainha da Suécia; Alê Costa, da Cacau Show, entre outros, selecionaram os vencedores das categorias de fruta e chocolate. A seleção aconteceu também às cegas, seguindo os mesmos moldes da grande final.
Brunno Malheiros, da Cheiro do Pão, em Fortaleza (CE); Nilson Diniz, da Filone, em Embu das Artes (SP); e Débora Sartório, da Padaria Sartori, em Socorro (SP), já estão em solos italianos para a disputa junto com Shimura, que os acompanhará durante toda a estadia. A primeira parada foi a cidade de Parma, onde os panetones estão sendo feitos. De lá, a comitiva segue para Milão, onde os vencedores serão conhecidos. Enquanto Brunno disputará a categoria tradicional de frutas, Débora e Nilson serão avaliados pela de chocolate. Será que desta vez o título vem para o Brasil? No dia 10 de novembro descobriremos!
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Chocotone, panetone ou recheados: qual você prefere?
Com tantos tipos disponíveis, é natural que as pessoas tenham seus favoritos para o final do ano entre o clássico com frutas cristalizadas, o de chocolate ou os recheados com bastante brigadeiro.
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