“Chef dos chefs”, Laurent Suaudeau tem trajetória e receitas contadas em livro
"O Toque do Chef" revisita a infância na França do célebre profissional até sua chegada no Rio de Janeiro na década de 1980; hoje, Laurent acredita que o Brasil deve conquistar mais espaço diante do cenário internacional
Já se passaram mais de quatro décadas desde que Laurent Suaudeau cravou os pés no Brasil e nunca mais foi embora. Com mais tempo em solo nacional do que na França, sua terra natal, ele fez nome e carreira aqui, sendo lembrado como um dos grandes chefs no panteão da alta gastronomia brasileira.
Mas Laurent, que formou gerações de outros grandes chefs com sua Escola e Instituto, quase enveredou para outro campo: o da bola. Incentivado pelo pai ainda muito jovem a jogar futebol, chegou a ser sondado por times juniores na França. Se hoje ele veste o dólmã, saiba que ele poderia ter calçado as chuteiras.
Essa e outras histórias que pouca gente conhece estão contadas no livro “O Toque do Chef”, lançado durante a pandemia, em 2021, mas que ganhou evento especial de divulgação com direito a sessão de autógrafos em São Paulo somente nesta última quinta-feira (16).
Com texto de Carlos Eduardo Oliveira, que dá liberdade de voz para o chef pelas mais de 220 páginas, as histórias contadas foram reunidas em um processo quase que natural, dada a proximidade dos dois. Com os planos do livro em mãos, foram até a França em agosto de 2019 para revisitar as raízes de Laurent, com direito a refeições na casa da mãe do chef com carnes feitas na lareira.
O resultado é uma obra com 50 receitas célebres e que percorre desde os primórdios de Laurent em Cholet, no oeste francês, assim como seus sonhos antigos, os primeiros aprendizados na cozinha até esbarrar com a alta gastronomia e se formar ao lado do reverenciado Paul Bocuse, chef que “lapidou o diamante bruto”, como diz Carlos.
As mudanças de lá para cá
Foi Bocuse, expressão máxima da culinária francesa, que mandou Laurent para o Rio de Janeiro para chefiar a cozinha do Le Saint-Honoré, restaurante no antigo Hotel Méridien, ainda no comecinho da década de 1980 – tudo isso com apenas 23 anos.
Hoje, décadas mais tarde e com trajetória aclamada, o chef enxerga uma evolução na gastronomia brasileira com “E” maiúsculo, mas faz ressalvas.
“Acho que ainda vai evoluir muito. Hoje há eventos de premiações internacionais que acho ótimos, mas você percebe que o Brasil ainda tem um posicionamento pequeno dentro deles. Acho que o Brasil tem que conquistar mais espaço, pois tem uma diversidade muito maior que todos os outros países da América Latina e tem potencial de consumidor maior por conta da população”, revela.
Segundo Laurent, um grupo de jovens cozinheiros brasileiros com muita competência já se formou – fato que ele mesmo ajudou a consolidar ao longo dos anos com a prestigiada Escola Laurent Suaudeau, em São Paulo, que desde 2000 ajuda na missão do chef em formar novos profissionais. Mas falta “calcificar”, como ele mesmo diz. E como fazer isso?
“Deve-se ter apoios institucionais muito mais fortes, que podem ser tanto privados quanto públicos, que entendem que vender a imagem do país para fora está relacionado com sua alimentação e gastronomia. Isso tem que ser trabalhado com alguns chefs, como a Espanha fez em tempos passados e como a França fez nas décadas de 70 e 80, por exemplo. Acho que esse movimento tem que se fortificar. A bola está na mão dessa turma, que tem que se virar para fazer acontecer”, aposta.
Ciência x Arte
Depois de décadas de trabalho, em que continua a se destacar pela mistura da clássica cozinha francesa com ingredientes típicos brasileiros, Laurent não arreda o pé ao defender que cozinhar é uma ciência, e não uma arte.
Notabilizado pela delicadeza, sabor e textura que aplicou em seus pratos, seja nos antigos Le Saint-Honoré e nas unidades do restaurante Laurent no Rio e em São Paulo, o chef “deu status a produtos e modos de preparos regionais até então desconhecidos ou desprezados”, como lembra o publicitário e gourmand Washington Olivetto no prefácio de “O Toque do Chef”. Ele foi um dos primeiros a preconizar a mandioquinha, por exemplo, ou a falar no tucupi lá na década de 1980.
Os pratos vão – e foram – de encontro com uma questão de ciência aplicada, se aproximando mais da engenharia do que do lado artístico, como defende. Quanto à nova geração de chefs, ele pontua que uma parte ainda se sente atraída pela questão artística.
“Obviamente que as redes sociais não ajudaram muito nesse sentido, pois se foca na figura do chef e não no conteúdo que ele apresenta. Eu defendo o conteúdo, o que vale é a competência. Falta ao mercado ainda avaliar as competências individuais, e isso é um papel da imprensa e do consumidor. Hoje em dia ainda prevalece o olhar de quem é a pessoa para definir depois se é ou não é bom”, expressa.
E se o chef é bom ou não, o trabalho fica evidente pelas mãos. Em referência ao título do livro, fica a pergunta: qual é então o toque do chef? “É a reflexão profunda do trabalho que você vai expressar pela mão. É aí que você sente a finesse da pessoa que está por trás da panela. Eu pessoalmente consigo sentir isso com alguém e até com suas equipes, o que demonstra que a pessoa sabe passar o toque”, arremata.
“O Toque do Chef”
Laurent Suaudeau, Carlos Eduardo Oliveira
Fotografias: Sérgio Coimbra
Preço sugerido: R$ 190
Editora Melhoramentos (240 páginas)