Alex Atala e o D.O.M. de valorizar e exaltar os sabores brasileiros

Ele revolucionou a alta gastronomia brasileira, colocou ingredientes como tucupi e mandioca no radar mundial e usa a cozinha para transformar o país

Daniela Filomeno e Alex Atala na cozinha do estrelado D.O.M., com ambiente recheado de artefatos da cultura brasileira
Daniela Filomeno e Alex Atala na cozinha do estrelado D.O.M., com ambiente recheado de artefatos da cultura brasileira CNN Viagem & Gastronomia

Daniela Filomenodo Viagem & Gastronomia

São Paulo, SP

Um dos pioneiros da alta gastronomia brasileira, ele ajudou a colocar a cozinha nacional no radar gastronômico mundial, assim como a desvendar potentes ingredientes da nossa terra antes usados apenas por povos locais ou pela indústria.

Ano após ano eleito um dos melhores chefs do mundo, Alex Atala continua a missão que iniciou no fim da década de 1990: conhecer mais o nosso território e os nossos produtores para colocar o Brasil à mesa – do mundo.

É esse o trabalho que desenvolve desde 1999 no D.O.M., seu estrelado restaurante na rua Barão de Capanema, nos Jardins, na capital paulista. Além do grande lustre que ilumina o salão central, a cozinha aberta também chama a atenção, principalmente aos olhos mais atentos: aos fundos, o quadro que representa um cocar é apenas um dos artefatos que sinalizam que o Brasil guia o ambiente, tanto nas paredes quanto nas panelas.

A história do D.O.M. é toda construída em cima de sabores brasileiros, mas o que o leva a um patamar diferente é um trabalho de pesquisa, sobretudo de simplicidade

Alex Atala

Foi ainda na infância que Alex teve contato com a Amazônia, em que anos mais tarde ajudaria a jogar luz ao bioma e aos ingredientes da rica região. Iniciou a carreira de chef na Bélgica, depois foi à França e partiu para desafios em cozinhas de Montpellier e Milão. Em 1994, já em São Paulo, esteve à frente dos restaurantes Filomena e 72.

A casa própria veio em 1999 com o Namesa e, no mesmo ano, nascia sua aposta autoral de uma cozinha contemporânea brasileira, o D.O.M. Mas os projetos não pararam por aí: em 2009 o chef deu vida ao Dalva e Dito, com um conceito mais informal de comida afetiva e, claro, bem brasileira.

Ambiente interno do D.O.M, nos Jardins, em SP / Ricardo D’Angelo

Isso sem falar na partilha dos conhecimentos através de livros publicados nos últimos anos com foco na gastronomia brasileira. São eles: “Alex Atala – Por uma Gastronomia Brasileira”; “Com Unhas, Dentes e Cuca – Prática Culinária e Papo Cabeça ao Alcance de Todos”, com o sociólogo Carlos Alberto Dória; “Escoffianas Brasileiras”, com a jornalista Carolina Chagas, e “D.O.M. – Redescobrindo Ingredientes Brasileiros”.

“A Mandioca é a rainha do Brasil”

Figurinha carimbada entre os melhores restaurantes da América Latina, o D.O.M mira na simplicidade e acerta em obras de arte. Tome por exemplo seu suflado de mandioca: são apenas dois ingredientes, água e farinha de mandioca, mas que saem das mãos do chef com uma delicadeza ímpar. O alimento é para ser quebrado e apreciado junto de seus elaborados e saborosos pratos.

Além do suflado, Alex me recebeu por uma tarde no restaurante com algumas de suas inventividades para as gravações do segundo episódio da temporada especial do CNN Viagem & Gastronomia.

Ele tem desenvolvido uma mandioca com a mesma textura e que passa pelos mesmos processos do queijo brie. Já cozida, ele leva a matéria-prima para uma câmara e cria o mesmo mofo do brie, resultando em uma iguaria com o sabor e textura semelhantes ao do laticínio.

E não termina por aí: a água do cozimento é colocada em um sifão, então emulsionada e congelada, fazendo com que o líquido vire uma “neve”. Na boca, deixa um aspecto amanteigado. Em um prato ele junta o “queijo” de mandioca, a “neve” e finaliza com mel de jataí. Extraordinário e, ao mesmo tempo, simples.

“A mandioca vai ser a espinha dorsal da cozinha brasileira, o único ingrediente que já estava no Brasil antes do Brasil ser chamado assim. É o ingrediente que atravessa todas as fases do país e está presente hoje em todas as mesas, de todos os lares. A mandioca é a rainha do Brasil”, categoriza o chef.

Daniela Filomeno ao lado de Alez Atala na cozinha do D.O.M
Daniela Filomeno aprecia criações de Alex Atala na cozinha do D.O.M. / CNN Viagem & Gastronomia

Para arrematar minha visita, ele ainda preparou uma sobremesa com farofinha de mandioca, só que doce. O dulçor que sentimos não é de açúcar, mas sim da cebola caramelizada. Uma bolinha de sorvete com gota de chocolate finaliza o prato, pronto para ser apreciado e relembrado.

É lindo ver um dos principais chefs do mundo valorizar e difundir algo tão essencial para a vida no Brasil. Segundo o livro “Gastronomia Brasileira: da tradição à cozinha de fusão”, recém-lançado pela Le Cordon Bleu Brasil, a planta nativa da América tem fortes indícios de naturalidade brasileira, e era o principal produto agrícola das nações indígenas quando chegaram os primeiros colonizadores; o padre jesuíta José de Anchieta a chamava de “pão da terra”.

Até hoje a mandioca é processada em uma série de produtos alimentares que estão profundamente enraizados na tradição culinária do país, em especial nas regiões Norte e Nordeste. A mandioca é um patrimônio alimentar da cultura tradicional!

E no D.O.M. é assim: viajamos o Brasil inteiro através de pratos e conhecimentos. O trabalho de Atala pode ser resumido nas palavras do próprio chef: “Mostrar para as pessoas o quão diverso, o quão bonito e o quanto essa cozinha gera valor ao ingrediente, à cultura e à nossa marca que é o Brasil”.

Como experimentar o D.O.M.

Daniela Filomeno experimenta criação de Alex Atala no salão do D.O.M, em São Paulo
Daniela Filomeno experimenta preparos de Atala no D.O.M.; chef tem apostado em criações com mandioca / CNN Viagem & Gastronomia

Atualmente corre no restaurante o menu-degustação de 12 passos (R$ 690), um dos melhores caminhos para experimentar o trabalho autoral e contemporâneo que Atala quer nos comunicar.

Açaí, tucupi, jambu, mandioca, pirarucu, formiga saúva amazônica e diferentes méis são alguns dos ingredientes nacionais que podem estar no prato e que inclui ainda frutos do mar, carne e peixe. Vale destacar que, pelo mesmo valor, há o Reino Vegetal, versão vegetariana do menu.

Na toada dos ingredientes acima, o chef é também conhecido por difundir alguns alimentos antes não valorizados pela gastronomia. A pimenta baniwa, o miniarroz do Vale do Paraíba, os cogumelos yanomami, a priprioca e a baunilha do cerrado são alguns exemplos trabalhados a partir de pesquisas desenvolvidas no Instituto ATÁ, criado em 2013 pelo chef junto de uma equipe multidisciplinar com foco em fortalecer a cadeia produtiva e valorizar os pequenos produtores do país.

Em cartaz de segunda a sexta na casa, o menu executivo é também uma maneira de experimentar a comida de Atala gastando R$ 98. Há entradinha, prato principal com escolha de peixe do dia, frango ou carne e acompanhamentos servidos à vontade, dos tradicionais arroz e feijão bem feitinhos até banana, farofa e batatas.

“A gente se reconhece através do arroz e feijão. O brasileiro é um expert nessa combinação. Acho que um restaurante brasileiro tinha por obrigação fazer um arroz e feijão”, destaca Atala.

D.O.M.
Rua Barão de Capanema, 549 – Jardins, São Paulo – Brasil / Tel.: (11) 3088-0761 e (11) 3081-4599 / Horário de funcionamento: segunda a sexta-feira, das 12h às 15h e das 19h às 23h; sábado, das 19h às 23h; fechado aos domingos.