A importância do The World’s 50 Best Restaurants está também nas entrelinhas: o mundo quer mais diversidade
No dia 28 de novembro de 2023 será a grande premiação do Latin America’s 50 Best Restaurants, maior evento gastronômico da região. Pela primeira vez, acontecerá no Brasil, no Rio de Janeiro, e a presidente da Academia do The World’s 50 Best Restaurants e do Latin America’s 50 Best Restaurants para o Brasil, Rosa Moraes, compartilha sua visão sobre a importância do prêmio e como funciona os bastidores do ranking que é considerado o "Oscar" do setor
Agora é oficial: a cerimônia de premiação do Latin America’s 50 Best Restaurants de 2023 será no Rio de Janeiro, em 28 de novembro. O anúncio foi feito hoje, 31 de maio, pelo CEO Charles Reed, na companhia do prefeito da capital carioca, Eduardo Paes. Sinto um orgulho imenso de sermos escolhidos por essa entidade da gastronomia mundial para abrigar a premiação, tão importante. Uma das diversas listas que derivaram do ranking máximo – o The World’s 50 Best Restaurants -, o Latin America’s 50 Best cobre cinco regiões do gigante continente latino-americano, indo do México ao extremo meridional da América do Sul.
Mas afinal, como funcionam os bastidores do ranking que se tornou a menina dos olhos de chefs e restaurantes mundo afora e o que o diferencia de outras listas que classificam os negócios do setor?
O ranking The World’s 50 Best Restaurants nasceu com um conceito diferente de guias como o Michelin, que tem um olhar mais técnico, com inspetores contratados e treinados para fazer uma avaliação de cada quesito: qualidade dos produtos usados pelo estabelecimento, domínio do sabor e técnicas culinárias, a personalidade do chef na sua cozinha, relação entre qualidade e preço e consistência entre as visitas. No caso do 50 Best, a ideia é fazer uma seleção sob o ponto de vista do público, do consumidor, de quem frequenta os restaurantes.
Para isso, o ranking conta com um corpo de 1.080 jurados em 27 regiões do planeta. São pessoas gabaritadas, especialistas na arte de comer e beber, entre profissionais da gastronomia, como chefs e proprietários de restaurantes (34%), jornalistas e críticos (33%) e foodies – aqueles amantes da gastronomia que viajam o mundo para comer e beber bem (33%).
A ideia é mostrar, sob a ótica desse time com diferentes expertises, vivências e origens, o que está acontecendo de mais relevante à mesa do mundo. Isso traz duas características ao ranking que eu acho importantes. A primeira é a diversidade: entre os votantes, há o perfeito equilíbrio entre mulheres e homens (exatos 50% de cada), com a mesmíssima quantidade de jurados por região, todos anônimos. Além disso, 25% desse time de experts é renovado a cada edição, para evitar votos viciados – somos humanos, afinal.
Esse cuidado todo permite jogar uma lente de aumento em cada pedacinho do globo, do ponto de vista de pessoas que compreendem a gastronomia local, dando chance de visibilidade internacional a estabelecimentos e cozinheiros de lugares antes marginalizados ou ignorados pelo meio gastronômico global. É essencial abordar este assunto porque bem sabemos que, assim como na literatura e nas artes, sempre houve uma visão muito eurocêntrica da alta gastronomia como matéria. Décadas atrás, muito se sabia sobre chefs estrelados da França, da Espanha, da Itália. Mas e no resto do mundo, não se cozinhavam ideias e técnicas, não havia uma cultura gastronômica de relevância?
Claro que sim. E a missão do ranking é justamente garantir essa cobertura equilibrada entre regiões tão diversas como Áustria, Suíça, Hungria e Eslovênia, Oriente Médio, América do Sul, Estados Unidos e Canadá, Sudeste da África e Oceania, por exemplo. Até para evitar vieses limitantes ao tratar de uma experiência tão sensorial como é o comer.
Pensem comigo: se eu nasci na França e cresci com a referência daquela cozinha, inclusive em termos afetivos, tenho em mim todos os critérios e repertório para avaliar se um tacacá amazonense é bom, por mais profissional que eu seja? Farei um julgamento justo na hora de escolher entre minha cozinha de afeto e uma cozinha que me é totalmente estrangeira, à primeira ou à segunda vista? Difícil saber. Não se trata de ciência exata. Por isso a diversidade de olhares que compõem o ranking se faz tão necessária. O resultado fica claro na lista de 2022, onde a gente vê restaurantes de países como Peru, Brasil, México, Tailândia e Singapura dividindo espaço entre os 50 melhores do mundo com tradicionais representantes da alta mesa, como Espanha, França, Itália e Inglaterra.
A outra característica que marca o 50 Best, ao meu ver, é a fluidez. O ranking é traçado por tendências. É uma espécie de retrato instantâneo, uma Polaroid do cenário gastronômico daquele momento. É natural, por exemplo, que em tempos de grande preocupação global com questões socioambientais, casas e profissionais que prezam por trabalhar com produtos e produtores locais, fazem o resgate e a preservação de ingredientes nativos e nutrem o trabalho em suas comunidades ganhem destaque.
Isso não significa que grandes clássicos ou expoentes exemplares e de outros movimentos gastronômicos deixam de ocupar seus lugares de maestria, mas que o mundo – e a gastronomia com ele – está direcionando um olhar àqueles que buscam diretrizes regenerativas. Assim como a própria gastronomia, o resultado que o ranking aponta, ano após ano, é também um reflexo da sociedade. E mais: ao indicar o que julga haver de melhor na cena mundial do momento, a lista estimula o turismo e o trânsito gastronômico, o que acaba beneficiando os negócios do setor como um todo. Quando um restaurante como A Casa do Porco, localizado no “centrão” de São Paulo, conquista a posição de quarto melhor da América Latina e sétimo melhor do mundo, a vitória não é solitária: a gastronomia brasileira inteira ganha seu merecido lugar ao sol.