10 anos do chef Sei Shiroma no Brasil: o caminho até o sucesso do Ferro e Farinha, no Rio

Com o lema "trabalhe duro e reze muito", chef nova-iorquino que vendia suas redondas no subúrbio da cidade em forno móvel comemora trajetória e abre planos para novo restaurante no Rio de Janeiro

Chef nova-iorquino Sei Shiroma completa 10 anos de Brasil com quatro unidades do Ferro e Farinha
Chef nova-iorquino Sei Shiroma completa 10 anos de Brasil com quatro unidades do Ferro e Farinha Divulgação

Daniela Caravaggido Viagem & Gastronomia

Por trás das elogiadas pizzas de fermentação natural, entradinhas e drinques da famosa e badalada casa do Rio de Janeiro existe uma trajetória que muita gente não imagina.

Prestes a completar 10 anos do seu início, a história do Ferro e Farinha é resultado de uma aposta de um americano, nascido em Nova York, filho de mãe chinesa e pai japonês. O chef Sei Shiroma completa uma década de Brasil em 2023 e trouxe em sua bagagem apenas a determinação e a vontade de viver em um país diferente após se apaixonar por uma carioca.

De pizzas vendidas em um forno a lenha móvel, feito de ferro, em bairros nada turísticos para um estrangeiro – e sem falar uma palavra em português – chegou a abertura de quatro unidades da marca que hoje estão localizadas nos badalados Leblon, Ipanema, Botafogo e Barra da Tijuca. O caminho para o sucesso, entretanto, começa após planos frustrados ao desembarcar no Rio.

Unidade do Ferro e Farinha em Ipanema abriu há 1 ano, na Maria Quitéria / Reprodução Instagram

Leia Mais:

 

A história do chef Sei Shihoma 

Após deixar para trás clientes renomados na área de publicidade na Big Apple, Sei chegou à Cidade Maravilhosa apenas com uma reserva de sua poupança. Achava que logo conseguiria um emprego na área, mas brinca que ganhou o total de “zero reais ou dólares” no marketing brasileiro.

Sem falar o idioma, viu que teria de tomar uma atitude para conseguir se manter no novo país. “Voltar para a casa da minha mãe, nos Estados Unidos, e falar que não deu certo definitivamente não era uma opção”, ressalta.

Seus pais, imigrantes, foram donos de um dos primeiros restaurantes japoneses de Nova York, o SUIBI Japanese Restaurant, que ficou aberto de 1983 a 2009. O chef, que nasceu em 1986, cresceu nas dependências do estabelecimento e traz suas melhores memórias de lá.

“Passei parte da minha vida no restaurante, fazendo lição de casa do escritório, observando como os entregadores preparavam as embalagens de papelão e como o meu pai e minha mãe administravam tudo. Lembro muito da câmara fria, da contagem dos ovos e de todos os setores. Aquilo era muito natural para mim,”, lembra ele, que ajudou os pais a traduzir o cardápio para o inglês.

Sei e seu pai, no sushi bar do restaurante japonês da família em Nova York, nos Estados Unidos / Arquivo pessoal

Quando chegou a idade de entrar em uma faculdade, optou por fazer Literatura Inglesa. Gostava de escrever e achava que a comunicação era seu futuro. Para pagar as mensalidades, arrumou trabalhos em restaurantes da cidade. Na cozinha, mesmo sem nenhum curso específico de gastronomia, se destacava por onde passava.

“Fiz um pouco de tudo em diferentes tipos de restaurantes, mas me encontrei na cozinha. Era onde os imigrantes recém-chegados do mundo inteiro estavam. Nunca estudei, mas vivi muito a rotina do negócio dos meus pais e já sabia de coisas básicas. Também sempre comi muito bem. Minha programação com meu pai era conhecer e frequentar restaurantes maravilhosos da cidade, então, replicava muitas coisas que conhecia”, ressalta.

“Um dia que me marcou muito foi quando eu pedi ao chef para criar o prato especial do dia. Ele deixou e fiz um à base de alcachofras, que foi o mais vendido e comentado. Nos raros momentos que tinha de criatividade, eu percebia que eu tinha talento”, lembra.

Sei em um dia de trabalho no SUIBI Japanase Restaurant, restaurante de seus pais em Nova York / Arquivo pessoal

Apesar disso, a cozinha não era o cenário protagonista da sua vida. Ele conseguiu bons trabalhos como redator freelancer para grandes empresas publicitárias. Morava no bairro do Brooklyn e no começo do Airbnb, em que os anfitriões recebiam os hóspedes em suas próprias casas, teve oportunidade de conhecer pessoas do mundo inteiro. Entre eles, um brasileiro, carioca, do bairro do Andaraí, subúrbio da cidade.

“Tive muita vontade de conhecer o Brasil e fui recebido por ele e sua família com um churrasco. Adorei o país”, conta.

Coincidência – ou não – meses depois Sei se apaixonou por uma brasileira que estava estudando em Nova York. Quem ela era? Uma carioca. De qual bairro? Do Andaraí, mesmo do único brasileiro que conhecia. Ele, que, apesar da carreira bem sucedida, já não queria morar nos Estados Unidos tomou coragem e embarcou para o país que se tornaria sua casa até hoje.

Do forno a lenha, de ferro, pelas ruas do Rio à primeira unidade

Após não conseguir emprego na área de marketing, pensou em possibilidades para empreender. Logo sua história com a cozinha veio como uma das soluções. Não tinha dinheiro para abrir um restaurante e pensou em explorar a comida de rua, forte em sua cidade natal. “Mas o que eu venderia?”, questionava.

“Via muitos carrinhos vendendo cachorro-quente e yakissoba. Cheguei a cogitar vender Lamen, mas o Rio de Janeiro é muito quente, não daria certo. Pensei: por que não pizza?”, relembra.

Ficou obcecado pela ideia de ter um forno móvel e levá-lo para as ruas do Rio. Foi, então, atrás de um serralheiro que desenvolveu a ideia. “Eu falava e amigos traduziam para o serralheiro. Precisávamos de um forno que aguentasse o impacto da rua e a solução foi construí-lo com ferro. Nasceu, então, o Ferro e Farinha”.

Chef em uma de suas primeiras saídas na rua com seu forno a lenha móvel, feito com ferro / Arquivo pessoal

O segredo que muita gente não sabe: o chef não sabia fazer pizza! Entendia a teoria, mas nunca havia feito uma do começo ao fim, muito menos em um forno a lenha – e de ferro. Começou suas pesquisas na internet e seus primeiros experimentos foram um fracasso. O clima quente do Rio atrapalhava o desenvolvimento de muitas receitas que pesquisava.

“Resolvi que faria uma massa exclusivamente carioca e foi a que deu certo. Não é uma receita fixa. De acordo com as estações são necessários ajustes. Cheguei a um ponto que estava ligeiramente crocante e que dava para comer com a mão, respeitando uma das minhas maiores crenças: que o cliente pode comer como ele quiser”, aponta.

O primeiro sabor desenvolvido foi a Domenico, que até hoje está no cardápio do restaurante. Ela foi inspirada no tradicional sabor marguerita, com queijo e tomate. Entre a construção do forno e o teste foram seis meses. O desafio maior agora era: como conseguiria vender as pizzas?

Começou estacionando seu carro em alguns lugares, mas vendia pouquíssimas. A burocracia de ter uma licença também bateu à porta, até porque sua atividade não se enquadrava em nenhuma das categorias disponíveis.

Com a ajuda da família e amigos, começou a divulgar os lugares que estaria previamente. “Fazia umas promoções malucas. Falava para as pessoas indicarem para mais 10, que ganhariam desconto na pizza, que era vendida a R$ 15”, conta.

O formato deu certo. Quando Sei chegou em um dos destinos anunciados pela primeira vez, já havia 20 clientes o esperando. O negócio foi ficando cada vez melhor a ponto de muitos saírem bravos porque em suas vezes as pizzas tinham acabado.

“Muitos influenciadores da época e chefs passaram a me conhecer e gostaram do que eu oferecia. Acho que a história também chamou atenção. Um americano, chinês, japonês, que não falava português, vendendo pizzas no subúrbio do Rio de Janeiro”, relembra rindo. Outra coisa que eu sempre digo para quem tem negócio é: trabalhe duro e reze muito!”, completa.

A pizza Domenico foi o primeiro sabor oferecido pelo chef e está até hoje no cardápio; lembra a tradicional marguerita / Reprodução Instagram

As quatro unidades e o cardápio

Tendo em vista o potencial que tinha em mãos, passou a buscar pontos para abrir sua loja física. Apesar do sucesso, o valor que ganhava era suficiente apenas para comprar mais ingredientes para as próximas fornadas. Foi então que encontrou um ponto no bairro do Catete, de 25m² e resolveu apostar suas economias no espaço.

“Fiz um rascunho de como eu queria e montei uma planta com meu próprio punho. Sabia onde eu queria que ficasse o forno, o balcão e um banheiro. Abri as portas no fim daquele ano. Alguns jornalistas começaram a visitar e saiu uma matéria muito bacana em um veículo da cidade. No dia seguinte desta publicação, às 18h30, já tinha gente na fila esperando a Ferro e Farinha abrir”, lembra.

Com apenas três funcionários, 10 lugares no balcão e algumas mesas na calçada, o lugar bombou. Era ponto certo de atores, chefs e jornalistas do Rio de Janeiro. Chegava a vender mais de 100 pizzas por noite. Começou a sonhar mais alto, mas só em 2019 abriu sua segunda unidade no Leblon, que iniciou em um formato diferente. Sei propôs sociedade ao dono do ponto, que fica na badalada Dias Ferreira. Moderna e com um bar dando boas vindas aos clientes, além das pizzas, as entradas e drinques começaram a fazer muito sucesso nesta unidade.

Tudo estava indo muito bem até que a pandemia chegou. Assim como muitos empreendedores, ele resolveu apostar no delivery, que até então não tinha. Mais uma vez foi um sucesso. Isso proporcionou não só a continuidade das unidades, como a abertura de novas. A do Catete fechou para abrir em Botafogo, e hoje, além delas, as filhas mais novas estão em Ipanema e na Barra da Tijuca.

Hoje, Sei soma em todas as lojas e escritório cerca de 100 funcionários. São mais de 10 mil pizzas vendidas e 2.500kg de farinha usadas por mês. E claro, um ponto que não pode deixar de ser destacado: aprendeu a falar português perfeitamente neste tempo.

Drinques clássicos e autorais, entradas e 13 sabores de pizza estão à disposição no cardápio / Reprodução Instagram

O cardápio

As unidades do Ferro e Farinha oferecem mais do que pizzas. Elas trazem no cardápio entradas, drinques e sobremesas. No bar, a carta traz uma mescla de autorais com clássicos. O mais vendido é o Sexo ao Sul, com Gin Gordons, tônica, mix de tangerina, morango e mel picate (R$ 35).

Das entradas, o chef indica como imperdíveis o Pão de alho, feito na lenha com grana padano, mussarela e salsinha (R$ 44) e o Carpaccio de polvo, com vinagrete de tomate, maionese de ostras, rúcula e queijo servido com torradas (R$ 52). Além deles, a Flor de Burrata, feita com burrata na crosta assada, tomate, basílico e grana padano (R$ 56) e o Tartare de filé mignon (R$ 52) fazem sucesso.

Burrata assada é uma das opções de entrada do restaurante Ferro e Farinha / Divulgação

Entre as redondas são 13 opções autorais, os destaque são: a Domenico, com molho de tomate, fior de latte, grana padano, manjericão assado e azeite (R$ 50); a Adobo Verde, que leva couve marinada em shoyo e gengibre, mel picante e alho confit (R$ 55) e a Picnic Apimentado, com ricota, grana padano, gorgonzola e mel picante (R$ 59). Elas são oferecidas no tamanho individual, mas sua porção é generosa e muitas vezes acaba servindo duas pessoas.

No cardápio, há sugestão de complementos à parte para serem comidos com a borda, como tomates marinados (R$ 6); creme de alho com queijo (R$ 7); mel picante (R$ 7) e pesto de agrião (R$ 6). Há também a opção de uma degustação com um pouco de cada (R$ 19).

Para finalizar, seis opções de sobremesa, sendo apenas uma pizza doce. Torta de maçã caramelizada em massa folhada assada também no forno a lenha (R$ 37) e “Tinder Ovo”, uma sobremesa com um “ovo surpresa” (R$ 41) prometem surpreender na despedida do local.

A novidade: SUIBI Japanese Restaurant, de Nova York para o Rio de Janeiro 

Para coroar os seus dez anos de Brasil, Sei tem novos planos. Depois de entrar como sócio do bar Stuzzi, quer abrir o restaurante que seus pais tinham em Nova York no Rio de Janeiro. Se tudo der certo, os cariocas e visitantes da cidade poderão conhecer um pouco sobre as raízes do chef no novo SUIBI Japanese Restaurant ainda neste ano.

Sei na frente do SUIBI Japanese Restaurant, restaurante do seus pais que pretende abrir no Rio de Janeiro até o fim do ano / Acervo Pessoal