De Paraty ao Ártico norueguês, chef sai em busca de restaurantes isolados pelo mundo

Norte-americana Kristen Kish estrela série "Restaurantes no Fim do Mundo", em que colhe ingredientes na Mata Atlântica ao lado da chef Gisela Schmitt e experimenta até licor feito com partes de uma ave na Noruega

Kristen Kish ao lado da chef Gisela Schmitt na cozinha da embarcação Sem Pressa, que sai pelas águas de Paraty (RJ)
Kristen Kish ao lado da chef Gisela Schmitt na cozinha da embarcação Sem Pressa, que sai pelas águas de Paraty (RJ) ©National Geographic

Saulo Tafarelodo Viagem & Gastronomia

Entrar na Mata Atlântica e se deparar com uma planta venenosa. Sair pelas águas do Ártico e coletar pesados blocos de gelo para usá-los em coquetéis enquanto morsas cercam o bote. Escalar uma cachoeira para pegar uma planta e também cozinhar em uma fazenda remota aos pés de um vulcão. O quão longe você iria para preparar uma refeição?

Esta é a pergunta que norteou a chef norte-americana Kristen Kish nos últimos meses, quando visitou alguns dos restaurantes mais remotos do mundo para descobrir como chefs de diferentes nacionalidades e culturas coletam seus insumos e, a partir disso, criam cardápios que mudam diariamente.

A saga está documentada em “Restaurants at the End of the World” (“Restaurantes no Fim do Mundo”, na versão brasileira), série de quatro episódios da “National Geographic” e disponível no “Disney+” no Brasil a partir desta quarta-feira (12)

Do extremo da Noruega ao sopé do Vulcão Barú, a montanha mais alta do Panamá com 3.474 metros, Kristen também conheceu a Mata Atlântica no entorno de Paraty, a histórica cidade na Costa Verde do Rio de Janeiro, para cozinhar ao lado da chef Gisela Schmitt em seu barco, o Sem Pressa, e ficar surpresa com os alimentos e os sabores que o mar e a mata dão.

Capiçoba, coco selvagem, cogumelo orelha-de-pau e cana do brejo foram algumas espécies encontradas pelo caminho, assim como sururu direto do manguezal e algas marinhas que Gisela adquiriu da maneira mais fresca possível: pulando no mar.

“Por mais que eu tenha aprendido sobre comida, aprendi mais sobre as pessoas. Por isso, sempre disse que conhecer a comida de alguém é saber quem esta pessoa é e de onde ela veio, mesmo muito antes de se tornar um chef”, diz Kristen Kish ao CNN Viagem & Gastronomia.

Sem pressa

Ganhadora da 10ª temporada do reality americano “Top Chef” e coapresentadora do “Iron Chef” estadunidense, disponível na Netflix, Kristen Kish não começou na gastronomia, mas sim no mundo dos negócios e da economia. Inspirada por programas culinários, logo abandonou este lado mais burocrático para adentrar cozinhas profissionais.

Hoje, nome por trás do restaurante Arlo Grey, na cidade de Austin, que usa ingredientes texanos em pratos influenciados por tradições francesas e italianas, Kristen deu um tempo em suas tarefas diárias entre 2021 e 2022 para embarcar nas gravações da nova série, que, para além de um compromisso profissional, serviu como uma rica jornada pessoal.

Os aprendizados e experiências mais importantes foram passar tempo com as pessoas

Kristen Kish

“Não precisávamos estar cozinhando, podíamos apenas passar o tempo em trânsito ou em um barco, do ponto A ao ponto B, enquanto conversávamos sobre suas famílias, sobre como cresceram. As conversas aconteceram fora das câmeras”, conta Kristen, que relembra que sua mulher a acompanhou na viagem a Paraty e esboçou encantamento na chegada ao centro. “Ela disse: ‘acho que poderia morar aqui’, e eu concordei”.

Para chegar até as ruas de pedra do “esplêndido” centro histórico, Kristen desembarcou em São Paulo e enfrentou 4h30 em um ônibus não muito confortável até chegar na cidade fluminense para se encontrar com Gisela.

Kristen Kish no Sem Pressa, traineira palco para refeições da chef Gisela Schmitt em Paraty / ©National Geographic

“Não fiz nenhuma pesquisa antes de chegar lá, não quis. Como não posso atuar, precisei desenvolver uma experiência real diante da câmera enquanto tudo estava acontecendo”, afirma Kristen, que, no episódio, entrou na mata trajada com roupas compridas, boné e uma grossa tela no rosto contra mosquitos e insetos.

Os ingredientes coletados na mata, no mangue e no mar foram parar à mesa no almoço preparado pelas duas chefs, em que um sururu com banana-da-terra e leite de coco também foi estrela.

O resultado espelha o que Gisela faz no dia a dia: uma cozinha de produto que prioriza ingredientes locais e orgânicos, usados tanto no Gastromar, restaurante em terra firme na Marina Porto Imperial, quanto no Sem Pressa, traineira de 50 pés feita por artesãos locais e equipada com cozinha que é palco para experiências gastronômicas em alto-mar.

“Vi que ela é incrivelmente apaixonada por sua comunidade e pelo seu senso de local, e também por garantir que o que é cultivado e colhido em seu quintal é compartilhado com as pessoas em volta”, enfatiza Kristen, que diz ter se sentido acolhida na cidade e notado que, desde o motorista que a levava para o porto diariamente, todos são orgulhosos de onde são, do que fazem e como querem compartilhar isso. “Foi contagiante”, arremata.

Detalhes do interior do Sem Pressa; sururu com banana-da-terra e leite de coco foi servido à bordo / ©National Geographic

Pelas redes sociais, Gisela compartilhou algumas palavras sobre a experiência. “No episódio, levo a Kristen para conhecer nossos fornecedores locais e buscar ingredientes para nossa cozinha e criar juntas um almoço. Nós estamos cheios de alegria em mostrar ao mundo o nosso mundo”, escreveu em um post.

Pelo mundo

A jornada na telinha ainda vai da Hacienda Mamecillo, do chef Rolando Chamorro, no Panamá, passa pelo Ártico e ainda aterrissa em uma fazenda de ostras em uma comunidade de cerca de 400 habitantes em North Haven, ilha no estado norte-americano do Maine.

Durante alguns dias, Kristen mergulha na experiência cotidiana destes chefs, enfrenta junto deles os muitos desafios diários para preparar um menu criativo hiperlocal e termina a aventura com o preparo de uma refeição.

“Há muita criação e invenção acontecendo. Quando abri um restaurante, foi-me proposto, na verdade, abrir um restaurante. Para estes chefs, muitas vezes, o restaurante era secundário, já que eles tinham de descobrir como viver em primeiro lugar”, explica a chef.

Ela toma como exemplo o Basecamp Explorer em Svalbard, território ártico da Noruega em que o chef Rogier Jansen cria pratos com ingredientes deste local isolado – e congelante – para o Isfjord Radio Adventure Hotel.

Kristen ao lado do chef Rogier Jansen na cozinha do hotel no Ártico / ©National Geographic

“A estrutura foi transformada em um destino para ser um ponto intermediário de parada para aventureiros passando pelo Ártico. Quando paramos ali para dormir também temos que comer. Rogier então teve que construir uma casa para viver e decidiu começar a cozinhar para outras pessoas”, disse.

Em meio às geleiras do extremo norte da Terra, os dois saem de bote procurando blocos de gelo para serem servidos junto aos coquetéis do restaurante.

Um dos ingredientes mais “surpreendentes” que a chef experimentou saiu da região: Rogier usa partes de um “ptarmigan”, ave típica das regiões frias do Hemisfério Norte, para fazer uma infusão em um licor local chamado de genever.

“Embora não tenha gostado do sabor e não tenha gostado particularmente do coquetel em si, definitivamente encontrei muita alegria apenas em descobrir alguém fazendo isso”, confessa Kristen.

“Restaurantes no Fim do Mundo”
Episódios disponíveis no streaming Disney+ a partir desta quarta (12).