Os encantos da Serra Fluminense e sua natureza imperial, por Daniela Filomeno
Além do litoral e das fazendas de passado cafeicultor, o estado do Rio guarda uma porção de terra intermediária marcada por experiências encantadoras e pelo clima ameno
A Serra Fluminense é uma região com forte herança europeia que nos presenteia com cenários deslumbrantes, rica gastronomia, hospedagens rústicas aconchegantes e, claro, um mergulho por (muita) história.
Viajar pela região serrana do Rio, cujas altitudes variam entre 300 e 2.800 metros, é embarcar numa jornada que preserva o passado ao mesmo tempo em que rascunha o presente. É uma união muito bem-vinda entre uma parte da memória nacional com o turismo moderno.
Para o programa “Serra Fluminense: natureza imperial” do CNN Viagem & Gastronomia (assista à íntegra acima), percorri Petrópolis, Teresópolis, Guapimirim e alguns de seus mais emblemáticos distritos, como Itaipava, Araras e Secretário. Ao longo do caminho, museus, cervejarias, restaurantes, hotéis e até um parque nacional, o da Serra dos Órgãos, estiveram presentes em minhas andanças.
Fazer aula de yoga e um piquenique nos gramados da Casa Marambaia, me aventurar de mountain bike pelos arredores de Petrópolis, assim como visitar o Museu Imperial e descobrir paisagens naturais no Parque Nacional da Serra dos Órgãos foram algumas das experiências que tive o prazer de realizar em meio aos atrativos locais.
Como se não bastasse, provar comidas e bebidas tradicionais e me hospedar em locais históricos, como o Solar do Imperador – casarão de 1875 tombado pelo Iphan que é um atrativo por si só -, são mais evidências de que a Serra Fluminense tem muito a oferecer.
Petrópolis
Atrativos imperiais
A 66 km da capital, estar em Petrópolis é fazer uma verdadeira viagem à época de Dom Pedro II. Não é à toa que foi apelidada de Cidade Imperial: por conta do clima ameno, Petrópolis – hoje com mais de 300 mil habitantes – se tornou o refúgio predileto do monarca para períodos de descanso e lazer, em que ajudou no processo de fundação da cidade.
Mistura de latim com grego que significa Cidade de Pedro, Petrópolis concentra uma variedade de construções de época bem preservadas e, ao longo do tempo, se tornou um importante polo turístico do estado – imperdível de se visitar.
A começar, caminhar pela Avenida Koeler, no centro, é uma oportunidade ímpar de sentir a atmosfera histórica local. Ao longo de seus cerca de 300 metros, podemos contemplar a Casa da Princesa Isabel, o Solar Dom Afonso, o Palácio Rio Negro (residência oficial de verão dos presidentes da República durante décadas) e, em uma de suas pontas, a Catedral São Pedro de Alcântara.
A Catedral em estilo neogótico francês é tocante tanto por dentro quanto por fora e é um dos cartões postais da cidade. Dentro dela há um mausoléu, local onde estão os restos mortais da Família Imperial – de D. Pedro II, Dona Teresa Cristina e Princesa Isabel para citar alguns.
Não muito longe dali, outro cartão postal, talvez o mais conhecido deles, impõe-se no cenário regional: é o Museu Imperial. De corpo rosa neoclássico e acervo dedicado à memória da monarquia brasileira, é o Antigo Palácio de Verão de Dom Pedro II.
Já são quase 160 anos de história e mais de 300 mil itens ligados à família e ao passado imperial – um dos objetos mais impactantes é a coroa do D. Pedro II, confeccionada em ouro cinzelado, contando com 639 brilhantes, 77 pérolas e pesando quase 2 kg. É literalmente uma atração à parte.
E sabia que é proibido entrar de sapatos no museu? A fim de conservar os pisos em mármore Carrara e mármore preto da Bélgica, a equipe disponibiliza um sistema de pantufas, que são entregues logo na entrada. Do lado de fora, os jardins ainda guardam resquícios de canteiros históricos e espécies de vegetação trazidas de fora a mando de D.Pedro – bem agradável, é gostoso caminhar por ali e observar algumas esculturas espalhadas pelo local.
E a cidade ainda guarda outros pontos turísticos importantíssimos e igualmente interessantes. Um deles é o Palácio de Cristal: logo de cara sua estrutura em ferro fundido chama atenção, nos revelando um espaço bem fotogênico que foi inaugurado em 1884 para abrigar exposições de flores, pássaros e produtos agrícolas.
Foi ali que, em 1888, os últimos escravos de Petrópolis foram libertados com uma celebração que contou com a presença da Princesa Isabel. Interessante ressaltar que, neste ano, um trabalho de arqueologia nos jardins em frente ao Palácio desenterrou mais de dois mil objetos, entre louças finas, ferraduras e garrafas importadas da Europa, que agora estão expostos em uma das ruas do Centro Histórico.
Sem relação direta com a monarquia, Petrópolis também é lar da famosa Casa de Santos Dumont, ilustre figura brasileira que conquistou os céus e que deixou esta joia para os visitantes em terra. Conhecida popularmente como “A Encantada”, a casa serviu de residência de verão para o aeronauta. Peculiar, ela fica numa localização íngreme no centro, como num morrinho, onde podemos ver livros, cartas e objetos que pertenceram ao aviador.
Centenária, seu exterior é como um chalé francês, mas seu interior transmite uma racionalidade surpreendente. Pequena, a casa foi dividida em três pavimentos (onde todos os espaços são práticos), em que há invenções simples mas poderosas: o chuveiro já era aquecido a álcool e os degraus das escadas são recortados para facilitar os movimentos.
Experiências
Como contei brevemente acima, Petrópolis reserva uma rica vivacidade histórica em cada um de seus cantos. Mas algumas experiências, que não possuem tanto apelo pelo passado, também nos aguardam.
É o caso do Vale do Amor, um local diferente que une espiritualidade e natureza de maneira única. É um santuário a céu aberto que contempla várias religiões, fazendo com que os símbolos fiquem lado a lado, nos passando a mensagem de que, sim, elas podem coexistir em harmonia (e nós também).
Há cachoeira de umbanda, altar de pedra de Buda, símbolo Yin-Yang, cachoeira para batismo e altar de Ganesha, para citar alguns dos atrativos, assim como realização de eventos de meditação e yoga.
Além de tirar um tempinho para meditar e orar, o espaço também é ótimo para um passeio sem pressa com amigos e familiares com seus diversos jardins. É realmente para todos.
Também ideal para um passeio despreocupado é o Horto Brejal, na zona rural. É um grande espaço que reúne pequenos produtores, entre eles vários de itens orgânicos. Funcionando apenas de sábado e domingo, ali há uma extensa produção de bromélias, plantas ornamentais e árvores nativas rodeada por um cenário campestre.
Com alguns produtinhos locais em mãos, ali fiz um agradável piquenique nas imediações ao lado da chef Lydia Gonzalez, idealizadora do Angá Ateliê Culinário em Petrópolis – que não é um restaurante, como ela gosta de ressaltar, mas sim um ateliê gastronômico que funciona aos finais de semana sob reserva.
E uma das experiências mais bacanas que pude realizar foi o trajeto de mountain bike nos arredores da cidade, no distrito de Secretário. O passeio possui cerca de 30 km – uma bela pernada! – mas todo o visual entre Petrópolis e o distrito é repleto de trilhas e paisagens encantadoras.
Descendo a Serra, no meio do caminho, uma parada sugestiva: no distrito de Araras fica o Alambique Duvale, muito respeitado por quem passa por ali. A produção de cachaça é artesanal e a propriedade conta com todas as etapas de produção, desde máquinas de moer cana até o processo de destilação.
Entre uma pedalada e outra, uma curiosidade: durante o processamento da bebida, é retirada uma parte da composição do álcool que pode dar dor de cabeça nas pessoas que ingerem em excesso. Ivan Passos, dono do alambique, garante que sua cachaça não dá dor de cabeça no dia seguinte – talvez seja o melhor dos mundos!
Já no fim do caminho, no bairro de Secretário – um polo gastronômico e turístico de Petrópolis -, há o recém-inaugurado Galpão Caipira. Imperdível, o local funciona como um verdadeiro centro de apoio ao cicloturismo, que já possui uma outra unidade no Vale das Videiras, charmoso distrito com restaurantes, bares, e passeios.
A unidade do Galpão Caipira no Vale é uma bem-vinda mistura entre restaurante, spa, bikes para locação, armazém com produtos locais e objetos de decoração. Vale a visita!
E falando de mais um distrito, a ida para a famosa Itaipava é fortemente recomendada. Um dos destinos favoritos dos cariocas durante o inverno, o local é dono de bons restaurantes e de vistas deslumbrantes das montanhas – além do bem conhecido Castelo de Itaipava.
Ali, no distrito, fica o Empório Maria Maria, enorme espaço que reúne objetos garimpados de decoração, moda, carros e ainda funciona como bistrô e delicatessen – são vendidos pães de fermentação natural e a cozinha preconiza orgânicos da região. É super interessante.
Outro ponto famoso nas redondezas é a loja Cerâmica Luiz Salvador, que por mais de seis décadas produz cerâmicas com um time de colaboradores e artistas sediados na fábrica de 3.000m². Com mais de 30 mil peças produzidas mensalmente, a cerâmica tem seu showroom em Itaipava e é uma das paradas obrigatórias para quem visita a região.
Parque Nacional da Serra dos Órgãos
Como em minhas outras viagens, principalmente em destinos nacionais, sempre tento me conectar com a natureza de alguma forma. E os parques nacionais são ótimas amostras dessa intensa conexão com o verde. Com sede em três cidades da região serrana do Rio – Petrópolis, Teresópolis e Guapimirim -, o Parque Nacional da Serra dos Órgãos é o lugar ideal para os amantes de aventura e de cenários pitorescos.
Abreviado de Parnaso (como o monte no meio da Grécia), percorri as três sedes e, de quebra, pude contemplar cachoeiras, poços, picos, uma vegetação espetacular e fazer trilhas de acelerar o coração – e acalmar a mente. É, de fato, um dos melhores locais do país para a prática de esportes de montanha, entre escalada, caminhada e rapel.
Desta vez, fiquei mais com os pés no chão, e realizei algumas trilhas – são 200 quilômetros delas dentro dos limites do parque e em todos os níveis de dificuldade.
A partir de Teresópolis, recomendo a trilha do Cartão Postal, onde conseguimos ter uma visão 360 graus do parque e para as cadeias de montanhas – é tocante. Classificada de dificuldade moderada, no alto há um mirante com placas indicando os nomes das principais montanhas da serra.
Dali, é possível também avistar o Dedo de Deus, pico de mais de 1.600 metros de altitude que é um marco do parque, da história da escalada brasileira e também estampa com sua silhueta a bandeira do estado do Rio.
Já a partir de Petrópolis, fui de encontro à exuberante Cachoeira do Véu da Noiva, em que caminhei por cerca de uma hora por um caminho considerado moderado, com várias subidas. Chegando na cachoeira, pude comprovar sua beleza: são mais de 30 metros de queda d’água e foi uma das preferidas de Dom Pedro.
Uma das travessias mais famosas e considerada por muitos como a mais bela do país é a trilha entre Petrópolis e Teresópolis. Queridinha dos amantes de aventuras, são cerca de 30 quilômetros entre as localidades, que são marcados por subidas e descidas pela parte alta das montanhas. Um desafio e tanto que atrai muitos corajosos, que, com tanto esforço, são recompensados com vistas magistrais da cadeia de montanhas e picos pontiagudos do parque.
Por fim, da pequena sede de Guapimirim também encontramos maravilhas pelo caminho. É o caso da Trilha Circular e da Trilha das Ruínas, que conservam uma densa vegetação bonita de se ver e presenciar. Há também um circuito de poços e cachoeiras, como o Poço da Capela, da Preguiça e o Poço Verde e da Caninana, em que todos contam com as belezas das águas.
A dica é estar lado a lado com uma guia, como fiz em todo o percurso, para tomar os devidos cuidados e também escutar belas histórias sobre a região.