Conheça americana que se tornou 1ª mulher rabina da Itália

Barbara Aiello, da Pensilvânia, mudou para Milão em 2004 e, dois anos depois, foi para o vilarejo Serrastretta

Maureen O'Hareda CNN

Quando visitou a Itália pela primeira vez com seu pai, em 1975, a rabina Barbara Aiello, dos Estados Unidos, pensou: “Um dia vou morar aqui.” Três décadas depois, foi exatamente o que aconteceu.

Hoje, aos 77 anos, Aiello, natural de Pittsburgh, na Pensilvânia, se mudou para Milão em 2004 e, dois anos depois, foi para Serrastretta, um vilarejo na região da Calábria, no sul da Itália, de onde seu pai veio.

Lá, casou-se com seu primo de segundo grau, Enrico, e fundou “a primeira e única sinagoga da Calábria” na pequena vila da província de Catanzaro.

Destino traçado

Barbara Aiello
Ela visitou a vila italiana pela primeira vez em 1975 e teve a certeza de que um dia moraria lá • Rabbi Barbara Aiello

“Parece coisa de outro mundo”, diz Aiello — conhecida como Rabina Barbara — ao falar sobre sua vida em Serrastretta. Para ela, sempre esteve escrito que esse seria seu destino. “Existe uma palavra em iídiche, beshert… Significa ‘era para ser’.”

Crescendo em Pittsburgh, Aiello — a primeira da família a cursar uma faculdade — não costumava ir muito longe, mas adorava ouvir as histórias do pai sobre sua vida na Itália.

“Fui para uma pequena faculdade de formação de professores no oeste da Pensilvânia. Foi a primeira vez que saí de Pittsburgh”, lembra. “Era só 100 quilômetros de distância, mas para mim parecia uma viagem enorme.”

Naquela primeira visita a Serrastretta nos anos 1970, o objetivo principal era levar o pai de volta à cidade natal pela primeira vez desde que ele havia emigrado para os Estados Unidos, nos anos 1920. Mas Aiello logo percebeu que sentia uma conexão especial com o lugar.

“A primeira vez que vi a vila, fiquei encantada com sua beleza e a hospitalidade das pessoas”, conta ao CNN Travel.

De volta aos EUA, Aiello se dedicou à carreira como professora e, depois, se tornou marionetista profissional. “Fiz isso por 17 anos”, diz.

Por muito tempo, sonhou em se tornar rabina, mas com o passar dos anos, começou a achar que já estava “velha demais” para isso.

“Sempre acreditei que é uma vocação, uma espécie de chamado divino”, reflete. Na época em que crescia, não conhecia nenhuma rabina mulher — a primeira nos EUA foi ordenada apenas em 1972.

“Me formei em 1968, e não existiam rabinas mulheres. Então, como essa ideia surgiu na minha cabeça? Acredito que foi guiada por Deus.”

Foi uma conversa com outro rabino que a convenceu a seguir seu sonho. “Ele me disse algo que ninguém mais tinha dito”, lembra. “Ele perguntou: ‘Quantos anos você tem?’ Eu respondi: ‘42.’”

Ela continuou: “Então ele disse: ‘E como você vai se sentir aos 52 anos, se ainda não tiver feito isso?’ E aquilo ficou martelando na minha cabeça.”

Nunca é tarde

Serrastretta
Ela visitou Serrastretta, na região da Calábria, pela primeira vez em 1975 e ficou imediatamente encantada • Barbara Aiello

Aos 47 anos, Aiello entrou no seminário e, quatro anos depois, foi ordenada rabina pelo movimento Reformista, que busca modernizar as tradições judaicas.

As autoridades do Judaísmo Ortodoxo não reconhecem rabinas mulheres, mesmo que tenham sido ordenadas por outras correntes judaicas. “No ano passado, completei 25 anos como rabina”, diz.

Durante muitos anos, trabalhou em sinagogas na Flórida e também foi professora de hebraico em uma sinagoga nas Ilhas Virgens. Mas como acabou se mudando para Milão?

“Acho que as circunstâncias me encontraram mais do que eu as criei”, admite Aiello. Quando estava terminando um contrato na Flórida, surgiu a oportunidade de se tornar rabina da primeira sinagoga progressista da Itália, e ela agarrou a chance.

Em 2004, deixou os EUA para começar uma nova vida na Itália. “Fui a primeira mulher rabina da Itália”, afirma. “E, até hoje, ainda sou a única.”

Mas, apesar de estar feliz por finalmente viver no país de seu pai, logo percebeu que ser rabina nos EUA e na Europa eram experiências muito diferentes.

“O Judaísmo na Itália é muito mais tradicional do que nos Estados Unidos”, explica. “Nos EUA, o movimento Reformista é o maior.

“Já na Itália, a corrente predominante é a Ortodoxa. Então foi realmente um desafio.”

E esse não foi o único obstáculo. Embora Aiello achasse que dominava bem o italiano por causa de sua origem, logo viu que ainda tinha muito a aprender.

“Eu achava que era fluente”, conta. “Mas tive um choque de realidade, porque além de comida, família, viagens e clima, meu vocabulário era quase nulo. Tive que me esforçar bastante.”

Para superar isso, começou a estudar com um tutor especializado em psicologia e teologia, o que a ajudou muito.

“Quando cheguei a Milão, não conseguia fazer um sermão em italiano”, lembra. “Eu conseguia manter uma conversa, mas falar sobre temas profundos era difícil.

“Então, o primeiro ano foi complicado. O segundo, um pouco melhor.”

Desacelerando

A rabina Barbara é casada há 14 anos com Enrico, a quem conheceu pela primeira vez em 1975. Na imagem, eles aparecem celebrando a festividade judaica de Hanukkah. • Rabbi Barbara Aiello

Embora gostasse da vida em Milão, Aiello sempre se sentiu atraída por Serrastretta e costumava visitar seus parentes no vilarejo.

Após dois anos na cidade, surgiu outra grande oportunidade: uma fundação ligada a um casal cujo casamento ela havia celebrado decidiu financiar a criação de uma sinagoga na Calábria.

“Muita gente me pergunta: ‘Por que você escolheu Serrastretta para abrir uma sinagoga na Calábria?’”, conta. Na verdade, havia várias cidades onde poderia ter fundado uma comunidade judaica.

“Mas, mais uma vez, acho que foi Serrastretta que me escolheu. Afinal, foi aqui que meu pai e meus antepassados viveram. Então já existia um vínculo natural.”

A sinagoga foi inaugurada há 18 anos e, para a alegria de Aiello, muitos moradores começaram a visitá-la.

“Fiz questão de passear pela praça todos os dias e cumprimentar todo mundo”, conta, lembrando do carinho com que foi recebida.

Conforme se integrava à comunidade local, um morador em especial chamou sua atenção: Enrico, seu primo de segundo grau, que também é judeu. Os dois se casaram há 14 anos.

“Agora, entre nós dois, provavelmente somos parentes de quase todo mundo na cidade”, brinca.

Aiello acredita que seu pai, falecido em 1980, teria ficado feliz com essa união. Na verdade, ele pode até ter previsto isso.

“A primeira vez que conheci Enrico foi em 1975, e meu pai disse: ‘Você devia casar com esse rapaz’”, relembra. “Eu respondi: ‘Ah, papai…’ E, anos depois, ele estava certo.”

Após quase duas décadas em Serrastretta, Aiello se sente completamente em casa e não se imagina vivendo em outro lugar.

“Há um calor humano, um senso de companheirismo e de acolhimento”, diz ela, destacando que, embora haja desvantagens em morar na cidade, como a acessibilidade — o aeroporto mais próximo fica a 25 quilômetros —, os pontos positivos superam em muito os negativos.

“Todos esses fatores são importantes, mas o mais importante foi a sensação de estar de volta para casa.”

Aiello conta que, desde que deixou os Estados Unidos, aprendeu a levar a vida com mais calma e passou a valorizar “aquilo que nós, americanos, chamamos de valores antiquados”.

“Há uma expressão aqui na Calábria: se você é extremamente organizado, pontual e trabalha duro, dizem que ‘você trabalha como um americano’”, explica, enfatizando que isso não é, de forma alguma, um insulto.

“O tempo aqui, no sul da Itália, é vivido ao redor da mesa, em família, com os filhos e amigos.”

Ela reconhece que ter raízes italianas e ser casada com um italiano tornou sua adaptação ao país um pouco mais fácil, e admira aqueles que se mudam sem qualquer conexão prévia com a Itália.

“Dou muito crédito a quem consegue se integrar à comunidade, porque isso torna tudo bem mais difícil. Esse não foi o meu caso”, admite.

“Meu marido é muito conhecido em várias dessas pequenas cidades, e isso me ajudou bastante.”

Como muitos estrangeiros que escolhem viver na Itália, Aiello confessa que teve dificuldades para lidar com a famosa burocracia do país.

“Reclamam muito da burocracia, e com razão”, diz. “Pode ser extremamente frustrante. Então, se você se irrita fácil e espera que tudo aconteça rapidamente…

Se está comprando uma casa, abrindo um negócio ou viajando e quer que tudo funcione de maneira ágil e organizada, como nos EUA, vai se sentir muito frustrado por aqui.”

Para quem pensa em se mudar para a Itália, Aiello aconselha “fazer o dever de casa” e dedicar tempo ao aprendizado do idioma.

Ela também sugere visitar o local escolhido “fora da alta temporada”.

Comunidade acolhedora

Serrastretta
“Há um calor humano, um senso de companheirismo e de acolhimento”, diz a rabina Barbara sobre Serrastretta • Rabbi Barbara Aiello

“Vir para a Calábria em julho é completamente diferente de estar aqui agora, quando as casas estão frias e cheias de corrente de ar”, explica.

Ela ressalta que estar aberto ao novo e ter um “espírito aventureiro” são fundamentais para uma mudança como essa.

“Mudar nunca é fácil, mesmo quando a mudança é positiva”, diz. “Os desafios são reais.

Mas você não pode simplesmente chegar e esperar que tudo seja como nas suas últimas férias na Itália.”

Sobre o custo de vida, Aiello considera a Calábria um lugar mais barato para morar. Ela destaca que é possível ir ao mercado e comprar “duas sacolas cheias, principalmente de frutas e verduras”, por cerca de 40 euros.

“Nos EUA, a mesma compra custaria quase 100 dólares”, compara.

Por outro lado, observa que a gasolina é mais cara do que nos Estados Unidos, mas que as pessoas na Itália são bem mais cautelosas com o uso do carro.

“Hoje, seria um grande desafio financeiro viver nos EUA”, acrescenta, comentando o choque de preços que teve em sua última visita. “Os aluguéis são mais baixos, os preços dos imóveis também.”

Embora seu pai tenha nascido na Itália, Aiello não pôde solicitar a cidadania italiana, pois perdeu o direito quando ele entrou para o exército dos EUA.

Mesmo assim, está lutando para obter a cidadania por descendência e transmiti-la à filha, que vive nos Estados Unidos.

“Já tenho a residência permanente praticamente garantida, por estar casada há 14 anos”, diz.

“Mas quero a cidadania pelo sangue para minha filha, então sigo tentando. É um processo complicado, mas o governo tem se esforçado para torná-lo mais ágil.”

Aiello se orgulha de estar na linha de frente da comunidade judaica moderna em Serrastretta e sente que está dando continuidade ao legado do pai, que sempre falava sobre “a história da Calábria, especialmente sobre a forte presença judaica que um dia prosperou aqui”.

Ela trabalha em parceria com o padre da cidade para “promover aceitação e respeito entre as religiões”, o que inclui celebrar juntos feriados comuns ao judaísmo e ao cristianismo.

“Digo algo que ainda é controverso: acredito que os casamentos inter-religiosos são a esperança para o judaísmo.”

Aiello visita os Estados Unidos regularmente para ver a filha em Chicago, mas não pretende voltar a morar lá.

“Quando vou para os EUA, me preparo para tudo o que preciso resolver”, diz. “Mas quando volto, sinto que estou em casa. É uma sensação completamente diferente.”

No entanto, admite que há algo que poderia fazê-la reconsiderar: a saúde. “Tenho 77 anos, meu marido tem 84, e o maior problema aqui é o atendimento médico”, afirma, destacando que o sul da Itália “não é exatamente conhecido por seus serviços médicos de excelência para idosos”.

“O Medicare nos EUA é muito mais organizado e eficiente”, completa.

Duas vezes sobrevivente do câncer, Aiello conta que voltou aos Estados Unidos para fazer uma cirurgia, “principalmente porque o atendimento é melhor”.

“E também porque é minha língua materna. Eu precisava entender exatamente o que estava acontecendo”, acrescenta.

“Se algo me fizesse voltar para os Estados Unidos, seria a saúde. Mas, por enquanto, estou aqui… e estou feliz aqui.”

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