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    WebSummit Rio: o purgatório da beleza – da inovação – e do caos

    Evento sintetizou os anseios e metas de um mercado dinâmico e em forte expansão com o espírito criativo e exuberante do carioca, resultando em um grande sucesso

    Evento reuniu 21.367 participantes e 974 startups de 42 países
    Evento reuniu 21.367 participantes e 974 startups de 42 países CNN

    Stéphanie Fleuryespecial para a CNN*

    Rio de Janeiro

    Se tinha um lugar para onde os amigos irlandeses poderiam levar o WebSummit para fora da Europa, definitivamente era o Brasil. E de todas as potenciais cidades que poderiam ser anfitriãs, também não resta dúvida que a capital carioca é o lugar certo.

    Com a licença poética de quem foi criada na Cidade Maravilhosa, me considero carioca e sei das mazelas locais. E é por isso mesmo que sabendo de todo o caos que uma primeira edição de um evento dessa magnitude pode encontrar aqui, no final do dia, entre idas e vindas, a gente está sempre cercado de paisagens, da malemolência do carioca e da certeza de que no final tudo dá certo, e o que fica são aprendizados para todos os envolvidos.

    O caos do lado de dentro ficou por conta de falhas nos equipamentos audiovisuais na noite de abertura, que se estendeu em alguns dos outros palcos ao longo dos dias e causou um certo inconformismo no público, afinal em um evento dessa magnitude e de tecnologia, esse tipo de experiência deveria passar longe.

    Do lado de fora, o inconveniente ficou por conta da alimentação e do transporte, ambos demorados e insuficientes para a quantidade de pessoas circulando. Apesar de ter letreiros WebSummit Rio instagramáveis espalhados por vários pontos turísticos da cidade, os taxis e motoristas de Uber estavam totalmente fora do radar e não sabiam do acontecimento do evento. Para uma cidade que já sediou as Olimpíadas e bienalmente recebe o Rock in Rio, a prefeitura podia ter preparado melhor a cidade.

    O brasileiro é exigente e esse foi o falatório das mais de 21 mil pessoas presentes, e que também foi parar nas redes sociais, naquele termômetro impaciente da internet e o receio do impacto que poderia causar na reputação do evento, que já chegou ao Rio com 6 edições confirmadas, no esforço do prefeito Eduardo Paes em transformar a cidade em um polo global de inovação, para além da beleza e do caos.

    Uma crítica geral, inclusive para os mais fluentes, foi a exigência de o conteúdo ter sido todo passado em inglês, para um público predominantemente brasileiro, tanto no palco como na plateia. Quando se fala em inclusão, em um país em que apenas 1% da população fala inglês fluente, é um ponto que a organização deve reconsiderar. Deixar a tradução simultânea para o inglês para a minoria que não fala português, pode ser o caminho para extrair o maior potencial local em transmitir o conteúdo, exercer a criatividade e encorajar perguntas da plateia. Afinal, se o evento se propõe a discutir o futuro da tecnologia e para onde a indústria deve se direcionar, e o Brasil desponta como o país latino-americano como o mais propicio para abrigar essa inovação e construir sua narrativa, ter seu encontro global da comunidade de tecnologia em sua própria língua, ganha mais do que perde.

    Mas nada disso apagou o brilho do evento. Ao todo foram 21.367 participantes, 974 startups, 173 parceiros e patrocinadores, 743 profissionais de mídia, 506 investidores presentes e 400 palestrantes, representando 28 indústrias, de 42 países. A presença feminina também foi destaque no evento: 40% dos participantes são mulheres, que também representam 37% dos palestrantes e são fundadoras de 209 das startups expostas do evento.

    Evento reuniu a síntese do que é ser brasileiro e carioca em um evento único / CNN

    Segundo o fundador do evento, Paddy Cosgrave, o plano é aumentar a capacidade de 20 mil para 30 mil pessoas já na edição do ano que vem. A ambição é que, em dois ou três anos, o Web Summit Rio se torne a conferência de negócios mais importante da América Latina, não apenas sobre tecnologia.

    E a opinião da maioria presente no evento é uníssona: o evento foi um sucesso e veio para ficar. Quem foi quer voltar, e quem não foi, já está se programando para estar no Rio entre os dias 15-18 de abril de 2024. Tanto que os ingressos colocados à venda no dia seguinte ao encerramento, com desconto de 50%, esgotaram em poucos minutos. Ver e ser visto tem preço. Conteúdo, troca de conhecimento, negócios e networking, também.

    E o entreouvido foi que as empresas que não patrocinaram ou montaram estandes se viram arrependidas. O arrependimento se justifica, afinal pessoas executivas ligadas ao mercado de tecnologia e ao ecossistema de inovação discutiram pautas dos mais variados temas: inteligência artificial, bancos e fintechs, cripto, dados, marketing, mudanças climáticas, educação, urbanismo, saúde e bem-estar.

    Na entrevista que conduzi com o CEO do Itaú, Milton Maluhy, sobre a construção do banco do futuro, o resultado valeu para qualquer empresa que queira chegar viva ao futuro:

    – O papel das empresas daqui pra frente é gerar valor a nível individual, “customer centric-data driven” e a principal fronteira vai ser incorporar inteligência artificial a esse processo;

    – Atrair e reter talentos em especial das próximas gerações é um grande desafio ainda para as empresas tradicionais.

    – Como a aquisição de startups pode ajudar a renovar a cultura das grandes empresas de fora pra dentro, desde que a parte compradora dê autonomia e independência à comprada. “Dont put the acquired founder in a box”

    – Assumir responsabilidade sobre mudanças climáticas e a renovação da matriz energética, dentre outras transformações rumo à descarbonização, é prioridade estratégica de grandes bancos e empresas.

    No painel que mediei com grandes nomes do mundo de Venture Capital (como Tim Draper), uma das provocações que fiz foi o quão responsável os próprios VCs eram pelo “inverno” que estamos passando, ao investir em fundadores mais malucos do que o “exigido” para causar disrupção. E embora eu tenha sentido falta de uma maior responsabilização por parte de todos, a entrelinha ficou clara de que daqui para frente deve haver um equilíbrio entre o FOMO (Fear Of Missing Out) dos investidores e a autoconfiança dos empreendedores.

    Uma super masterclass que consegui assistir foi sobre “O futuro dos jovens e o presente dos idosos”, apresentado por Morris Lit da Sou Maturi e Paula Englert da Box1824. Em uma troca rica de dados, uma coisa ficou clara de ser consenso coletivo entre todas as gerações que convivem hoje: vamos viver muito e precisamos repensar todos os sistemas que estamos envolvidos – saúde, educação, finanças, carreira e até – quem sabe – a monogamia.

    O destaque de conteúdo durante todo o evento ficou para como a inteligência artificial vai impactar nossa vida pessoal e profissional. Os mais pessimistas acham que vão perder o emprego. Os realistas estão aprendendo a dominar a nova tecnologia antes de ser dominada por ela.

    Uma das poucas pessoas que falou realmente o que pensa, Meredith Whittaker, CEO do app Signal – concorrente do Whatsapp e Telegram – acredita que devemos frear ou regular desenvolvimento das AIs, pois há muito poder nas mãos das big techs e não temos tanta certeza de suas intenções, e acrescentou ainda que sempre haverá uma moderação humana nas redes sociais, porque a AI não tem como capturar as nuances humanas. Ao ser perguntada sobre o que achava do Chat-GPT, foi categórica: “bullshit”.

    E falando nisso, eu pedi ao chat-GPT que me entregasse uma frase para concluir este artigo, e embora não tenha sido no primeiro “prompt”, em algumas interações nossas, chegamos a essa conclusão sobre o WebSummit Rio:

    “É a mistura perfeita entre o ‘jeitinho brasileiro’ e o maior evento de inovação do mundo”.  E eu não poderia concordar mais (sorry, Meredith!).

    Nos vemos no WebSummit Rio 2024! Mas até lá, ainda vamos falar muito sobre inovação por aqui.

     

    * Stéphanie Fleury apresentou as duas primeiras temporadas do Projeto Upload, na CNN Brasil