Restaurar florestas pode gerar crescimento econômico, aponta estudo
Publicado na revista Sustainability Science, artigo discute como conciliar a recuperação de áreas degradadas – considerada uma das estratégias mais viáveis de combate à mudança do clima – com a bioeconomia
A bioeconomia é uma prática que busca a utilização dos recursos biológicos para impulsionar o desenvolvimento econômico, social e ambiental de maneira sustentável. Quando associada a princípios bioeconômicos, a restauração florestal pode gerar novas oportunidades tanto para a recuperação do meio ambiente quanto para o crescimento da economia.
Essa é a conclusão de um artigo publicado recentemente na revista Sustainability Science.
“A restauração florestal é entendida hoje como uma das maneiras mais viáveis e eficazes de enfrentar as mudanças climáticas antropogênicas”, diz Pedro Krainovic, primeiro autor do estudo e bolsista de pós-doutorado da Fapesp no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP).
“Quando feita com espécies nativas, traz múltiplas externalidades positivas [efeitos indiretos de uma atividade], com alta capacidade de impacto socioeconômico. E, o melhor, com a oferta dessas externalidades por um longo prazo.”
Segundo os autores, uma das maneiras pelas quais a restauração florestal pode trazer retorno financeiro é por meio de florestas multifuncionais.
Quando os serviços de regulação e manutenção são bem providos nessas florestas, é possível promover a comercialização de créditos de carbono ou de outros bens, como madeira nativa.
Também é possível obter produtos biotecnológicos para fármacos e cosméticos, além de outros produtos florestais não madeireiros.
No estudo, conduzido no âmbito do Núcleo de Análise e Síntese de Soluções Baseadas na Natureza (Biota Síntese), os autores apresentam alguns exemplos que quantificam financeiramente os benefícios de projetos mais alinhados com a restauração de florestas.
Em certas partes da floresta amazônica brasileira, os sistemas agroflorestais podem ser mais lucrativos que a pecuária ou o cultivo de soja ao mesmo tempo em que recuperam funções ecossistêmicas em áreas subutilizadas e degradadas.
Ao comparar os lucros, um hectare de pasto gera entre US$ 60 (cerca de R$ 347) e US$ 120 (cerca de R4 695) por ano, enquanto o cultivo de soja tem seus ganhos sofrendo flutuações entre US$ 104 (cerca de R$ 603) e US$ 135 (cerca de R$ 782) (às vezes tendo resultados negativos).
Por outro lado, dados da pesquisa indicam que a colheita de produtos não madeireiros em sistemas agroflorestais pode gerar um lucro anual que varia entre US$ 300 (cerca de R$ 1.739) e US$ 650 (cerca de R$ 3.767) por hectare.
Mas os autores alertam que, quando se levanta a possibilidade de explorar áreas restauradas, é preciso estudar maneiras para que essa exploração não faça com que o trabalho de restauro volte à estaca zero.
Ainda não há um coeficiente técnico que indique como atingir o equilíbrio entre a exploração e o restauro. Por isso, os pesquisadores defendem a necessidade da regulação do processo produtivo.
O manejo de espécies nativas e de serviços ecossistêmicos específicos oferecidos por essas espécies em ambientes biodiversos ainda precisa ser mais bem estudado.
“É difícil medir a quantidade exata dos benefícios que essas florestas restauradas podem trazer na regulação do clima, preservação do solo e no provisionamento de outros serviços, o que não tem entrado na equação hoje”, pondera Krainovic.
Outro desafio apontado pelo autor é o próprio mercado de produtos naturais que, atualmente, tem como sua principal base algumas espécies exóticas e não arbóreas consideradas commodities, isto é, são produzidas em larga escala, comercializadas internacionalmente e envolvem processos técnicos e tecnológicos de produção já muito conhecidos.
“Isso diminui a competitividade, por exemplo, de um produto florestal de uma árvore nativa da restauração frente aos produtos de madeiras exóticas já estabelecidas no mercado”, exemplifica o pesquisador.
“Outro aspecto a ser considerado é a aceitação do novo produto por consumidores já habituados com a oferta existente. Por isso é preciso pensar em incentivos e regulamentações que aumentem o potencial de competição desses novos produtos com os que já são comumente produzidos.”
Por fim, os autores reforçam que estão apontando mais uma alternativa para se pensar a restauração florestal.
“Lançamos o termo restauração florestal bioeconômica com o objetivo de ressaltar que, mesmo com a necessidade urgente de adicionar valor à floresta em pé, a biodiversidade e o uso de espécies nativas são essenciais, sem esquecer do relacionamento com os povos que ocupam os territórios e da necessidade de incentivo público e privado numa conjunção de fatores necessários para a adaptação climática”, pontua Krainovic.
O artigo enfatiza que a restauração bioeconômica é um caminho promissor e urgente, mas requer a colaboração entre os setores público e privado, ao lado das comunidades locais, além de um comprometimento com a biodiversidade e o uso de espécies nativas.
“Esse estudo fornece um guia claro de como a restauração florestal pode contribuir tanto para o desenvolvimento socioecológico quanto para as soluções baseadas na natureza de forma a mitigar os impactos das mudanças climáticas globais”, explica Sergio de Miguel, autor correspondente do artigo e chefe do grupo global de pesquisas sobre ecossistemas do Centro Tecnológico Florestal da Catalunha (CTFC).