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    Perda de membros em lagartos e serpentes ocorreu por evolução distinta, diz estudo

    Sequenciamento do genoma realizado por pesquisadores do Brasil e da Alemanha aponta que não existe um único caminho evolutivo para a perda dos membros nas espécies

    André Juliãoda Agência Fapesp

    Adaptado às dunas do rio São Francisco, no Norte da Bahia, o pequeno lagarto Calyptommatus sinebrachiatus se destaca pela agilidade com que captura as presas e foge dos predadores. Curiosamente, é possível que essa habilidade se dê por uma característica não muito comum entre lagartos: ele não possui patas. A espécie pertence a um dos 26 grupos de animais que possuem membros reduzidos ou ausentes, entre eles o das serpentes.

    Poderia-se imaginar que a perda dos membros ocorreu da mesma forma tanto nos lagartos como nas cobras, uma vez que esses grupos se diferenciaram cerca de 100 milhões de anos atrás. Porém, em artigo publicado na revista Cell Reports, pesquisadores da Alemanha e do Brasil mostram que a história é um tanto mais complexa.

    “Em um trabalho anterior, em que analisamos apenas as serpentes, encontramos uma assinatura muito clara de mudanças genômicas associadas a genes envolvidos no desenvolvimento de membros. Nos lagartos, essa assinatura não é tão clara assim”, relata Juliana Gusson Roscito, coordenadora científica do Dresden-Concept Genome Center, na Alemanha, que liderou os dois estudos.

    No trabalho mais recente, o grupo de pesquisadores sequenciou o genoma do C. sinebrachiatus e de outro lagarto sul-americano aparentado, porém com patas, o Tretioscincus oriximinensis.

    A fim de encontrar diferenças que pudessem explicar a ausência de patas nos lagartos, os genomas foram alinhados com sequências completas de outro lagarto sem patas (o asiático Dopasia gracilis), além de cinco espécies de serpentes, sete lagartos com patas e, além disso, mamíferos, aves e peixes, representando os outros vertebrados.

    “Em vez de focar a análise nos genes que controlam a formação dos membros – que estão todos presentes e intactos tanto nos lagartos sem membros quanto nas cobras – buscamos mudanças em regiões que regulam o padrão temporal ou espacial de expressão desses genes. Observamos que regiões regulatórias que são conservadas entre os vertebrados com membros sofreram várias mutações nas espécies sem membros. Essas regiões são vizinhas aos genes envolvidos com a formação dos membros, indicando que mudanças na regulação da expressão dos genes, e não os genes em si, podem estar associadas à perda dos membros nessas espécies”, explica Roscito.

    A pesquisadora avalia ter sido interessante observar que diferentes mecanismos podem contribuir para a perda de membros. Nos lagartos, provavelmente, múltiplos caminhos evolutivos levaram a esse fenômeno.

    Nas três linhagens de répteis sem membros analisadas, o conjunto de regiões regulatórias que sofreram mutações é relativamente diferente, indicando que não existe um único caminho evolutivo para a perda dos membros.

    Tanto o trabalho atual como o anterior, sobre as serpentes, integram um projeto apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) no âmbito do Programa Biota e coordenado por Miguel Trefaut Urbano Rodrigues, professor do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP) e coautor do artigo.

    Parte da pesquisa foi realizada durante o pós-doutorado de Roscito, na USP, e em estágio de pesquisa que ela realizou no Instituto Max Planck de Biologia Molecular Celular e Genética, também em Dresden.

    Diferenças

    As análises genômicas das serpentes e dos lagartos revelaram três das 26 vezes em que os membros foram perdidos ou reduzidos durante a evolução da ordem Squamata, composta por esses dois grupos de répteis.

    “Não se trata das mesmas regiões regulatórias. Nas serpentes, as mutações são bastante evidentes, uma vez que elas perderam os membros cerca de 100 milhões de anos atrás. É tempo suficiente para acumular muitas mutações no genoma. Nesses lagartos, que perderam os membros entre 30 e 40 milhões de anos, as alterações são mais ‘diluídas’, mostrando que não houve tempo evolutivo suficiente para um acúmulo de mutações que permitiria identificar o possível mecanismo molecular envolvido com a ausência de patas”, conta.

    Ainda por cima, completa Roscito, as mutações não estavam predominantemente nas mesmas regiões dos genomas das serpentes. Os pesquisadores observaram que os elementos que regulam a ausência de membros são específicos de cada linhagem de réptil, mais um exemplo da chamada convergência evolutiva, quando características semelhantes podem ocorrer por caminhos evolutivos diferentes.

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