Passar 1 mês no espaço faz coração envelhecer rápido, aponta estudo
Experimento de 30 dias na ISS revelou impacto da permanência no espaço sobre o tecido cardiovascular humano
Um astronauta da Nasa que passou quase oito meses no espaço, pela missão Crew-8, e voltou à Terra no início desta sexta-feira (25) foi hospitalizado, segundo a agência espacial americana. Apesar de detalhes do quadro de saúde não terem sido divulgados, experimentos científicos apontam os efeitos negativo no corpo humano da permanência no espaço.
Em outro caso, os astronautas americanos Sunita Williams e Butch Wilmore, retidos há mais de quatro meses na Estação Espacial Internacional (ISS), por um mau funcionamento da nave Boeing Starliner, também já começaram a enfrentar problemas de saúde, relacionados, principalmente, à exposição prolongada à microgravidade e a níveis mais altos de radiação cósmica.
Um desses graves problemas, a forma pela qual a microgravidade afeta o funcionamento do coração, foi testada recentemente por pesquisadores da Johns Hopkins Medicine, dos EUA. Eles enviaram 48 amostras de tecido cardíaco humano bioengenheirado para permanecer 30 dias na ISS.
Em um artigo publicado recentemente na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences, os autores relatam indícios de que as condições de baixa gravidade no espaço enfraqueceram os tecidos cardíacos, a ponto de afetar os seus batimentos rítmicos normais, quando comparados com amostras da mesma fonte coletada na Terra.
Fabricando as células cardíacas
Para criar tecidos cardíacos artificiais capazes de se contrair de maneira semelhante ao coração humano, os autores usaram um processo chamado reprogramação celular para criar células-tronco pluripotentes induzidas (iPSCs, na sigla em inglês). Elas têm a capacidade de dar origem à grande maioria dos tipos celulares do corpo humano.
Em seguida, os autores induziram as iPSCs a se transformarem em células do músculo cardíaco (cardiomiócitos) por meio de um processo chamado diferenciação direcionada.
Batizado de coração em chip, esse sistema foi alojado em câmaras da metade do tamanho de um celular, depois enviada à ISS.
A ideia foi comparar o comportamento dos tecidos cardíacos artificiais em dois ambientes distintos: um grupo de controle na Terra, nas mesmas condições do grupo experimental enviado ao espaço, exceto pela gravidade.
No pequeno chip bioengenheirado (pois interage com o material biológico), os tecidos cardíacos foram esticados entre dois pontos de apoio (postes). A configuração permite que as batidas, no caso contrações, possam ser medidas de forma precisa.
O que aconteceu com os tecidos de coração no espaço?
Levados a bordo da ISS pela missão SpaceX CRS-20, em março de 2020, os tecidos tinham seus nutrientes líquidos trocados uma vez por semana pela astronauta Jessica Meir, que também os preservou para posterior leitura de genes.
Dados sobre as forças de contração das células foram transmitidos para a Terra em tempo real por dez segundos a cada 30 minutos.
Quando os tecidos retornaram à Terra, foram comparados com o grupo controle, que foi desenvolvido da mesma forma que o do espaço, e alojado no mesmo tipo de câmara.
Depois de 12 dias na ISS, a força dos tecidos musculares cardíacos caiu pela metade, enquanto as amostras aqui na Terra permaneceram relativamente estáveis.
No espaço, começaram a ocorrer batimentos irregulares (arritmias), com o período normal de um segundo se estendendo a até cinco segundos. Os sarcômeros, feixes de proteínas que ajudam as células musculares a se contrair, ficaram mais curtos e mais desordenados no espaço.
Além das questões físicas, os tecidos do coração em chip revelaram algumas mudanças genéticas, como nas mitocôndrias, as chamadas “usinas de energia” das células, que se mostraram inchadas e fragmentadas.
O sequenciamento do RNA dos tecidos mostrou aumento na expressão de genes ligados a inflamações e distúrbios cardíacos, e redução naqueles essenciais à contração cardíaca. Essas mudanças são normalmente relacionadas ao envelhecimento humano.
Os resultados do estudo sugerem que, além de problemas como alteração na visão, redução da massa muscular e exposição à radiação, Sunita Williams e Butch Wilmore provavelmente estão passando, neste momento, por algum tipo de estresse cardiovascular.
A boa notícia, dizem os autores do estudo, é que, terminado o período de um mês em órbita, os tecidos cardíacos recuperaram suas atividades de batimento normal.