Micróbios terrestres podem sobreviver temporariamente em Marte, segundo pesquisa
A estratosfera do nosso planeta é bastante parecida com a do planeta vermelho, o que permitiria a sobrevivência de seres semelhantes nos dois locais


A superfície de Marte é um deserto gelado, mas alguns micróbios da Terra podem sobreviver temporariamente lá, de acordo com um novo estudo. E os pesquisadores nem precisaram enviar micróbios a Marte para descobrir.
Os dois planetas podem não parecer muito semelhantes, mas nossa estratosfera (uma camada da atmosfera 30 quilômetros acima da superfície da Terra) tem algumas características em comum com Marte. A estratosfera do nosso planeta experimenta baixa pressão do ar e altos níveis de radiação, além de ser seca e fria, o que a torna muito parecida com a do planeta vermelho.
Usando o MARSBOx (sigla para Experiência de Radiação, Sobrevivência e Resultados Biológicos em Micróbios na Atmosfera), cientistas da Nasa e do Centro Aeroespacial Alemão colaboraram para enviar quatro tipos de micróbios para a estratosfera em um balão. O estudo foi publicado segunda-feira (22) na revista Frontiers in Microbiology.
“Se um micróbio conseguisse chegar lá, acima de grande parte da camada protetora de ozônio, ele poderia sobreviver, mesmo que brevemente, em uma viagem à superfície de Marte”, disse o coautor do estudo David J. Smith, investigador principal do MARSBOx e pesquisador do Ames Research Center da NASA.
Micróbios ou micro-organismos têm um alcance amplo na Terra. Estima-se que haja 1 trilhão de espécies desses minúsculos seres em nosso planeta, vivendo inclusive em ambientes hostis, sob condições extremas.
Os cientistas da NASA querem saber se esses micróbios poderiam sobreviver em Marte, por isso as equipes que enviam rovers para lá – como o Perseverance, que pousou recentemente no planeta vermelho – levam a limpeza dessas máquinas muito a sério antes de lançá-las.

O Perseverance é o objeto mais limpo lançado até agora ao espaço. Ele está procurando por sinais de vida antiga em Marte, e micróbios da Terra podem apresentar um falso positivo durante essa pesquisa, além de contaminar nosso vizinho planetário.
Para testar a probabilidade de sobrevivência dos micróbios terrestres em Marte, a equipe de pesquisa colocou milhões deles, incluindo fungos secos e dormentes e esporos de bactérias representando quatro espécies de micro-organismos, em discos de quartzo. Os discos foram colocados dentro de caixas de alumínio projetadas pelos colaboradores do estudo no Centro Aeroespacial Alemão.
Uma mistura de gases semelhantes aos da atmosfera marciana, que é dominada por dióxido de carbono, foi bombeada para as caixas. Um grande balão científico carregando o experimento foi lançado em Fort Sumner, Novo México, em 23 de setembro de 2019.
Persianas foram usadas para ajudar a proteger os micróbios do Sol durante a subida e a descida. Mas, assim que eles alcançaram a estratosfera da Terra, a 32 quilômetros da superfície, as venezianas se abriram e os expuseram à forte radiação dessa camada atmosférica. Os micróbios ficaram expostos por mais de cinco horas a temperaturas médias de -280°C.
Na estratosfera, há mil vezes menos pressão do que experimentamos ao nível do mar, bem como ar muito seco. Quando o experimento voltou ao solo, os cientistas determinaram que duas das quatro espécies sobreviveram à viagem, provando que elas poderiam suportar temporariamente as duras condições da estratosfera da Terra e, potencialmente, da superfície marciana.
“A pesquisa nos dá uma melhor compreensão de quais micróbios podem permanecer em ambientes antes considerados letais, como a superfície de Marte, e nos dá pistas sobre como evitar acidentalmente transportar alguns deles”, disse coautor Ralf Moeller, coinvestigador do MARSBOx e chefe do Grupo de Pesquisa em Microbiologia Aerospacial do Centro Aeroespacial Alemão.
As espécies sobreviventes incluíram Staphylococcus capitis e Salinisphaera shabanensis. A primeira é uma bactéria associada à pele humana e a segunda uma bactéria que pode ser encontrada em depósitos de salmoura no fundo do mar. O Aspergillus niger, fungo usado na produção de antibióticos, foi seco antes de ser enviado para o experimento e também pôde ser revivido ao retornar da estratosfera terrestre.
“Os esporos do fungo A. niger são incrivelmente resistentes (ao calor, produtos químicos agressivos e outros estressores), mas ninguém nunca havia estudado se eles poderiam sobreviver expostos no espaço ou sob intensa radiação como a que existe em Marte”, disse a coautora Marta Cortesão, doutoranda do Grupo de Pesquisa em Microbiologia Aeroespacial do Centro Aeroespacial Alemão. “O fato de conseguirmos revivê-los depois do voo no MARSBOx demonstra que eles são fortes o suficiente para suportar ambientes extremos fora do planeta”, afirmou.
É possível que o Aspergillus niger tenha uma pigmentação semelhante a um filtro solar ou uma estrutura celular que se protege. “O experimento levanta muitas questões sobre quais são os mecanismos genéticos fundamentais para tornar os micróbios capazes de sobreviver”, explicou Cortesão. “Eles carregam traços evolutivos antigos que lhes fornecem a capacidade de resistir a condições adversas, ou então a adaptação ao ambiente atual oferece proteção para muitos outros desafios ambientais”, ponderou.

Pesquisas futuras podem ajudar os cientistas a determinar melhor por que esses micróbios sobreviveram. Um voo de acompanhamento está sendo planejado para o MARSBOx na Antártica, onde a radiação do sol e os raios cósmicos galáticos são ainda mais semelhantes aos de Marte.
“Os experimentos de aerobiologia com balão nos permitem estudar a resiliência do micróbio em situações impossíveis de reproduzir em laboratório”, disse Smith. “O MARSBOx oferece uma oportunidade de prever resultados de sobrevivência em Marte e ajudar a estabelecer os limites da vida como a conhecemos”.
Enquanto isso, essas descobertas podem ajudar no planejamento de futuras missões a Marte. “O foco renovado na exploração robótica e humana de Marte amplia a necessidade de estudos analógicos adicionais de Marte nos próximos anos”, escreveram. “Com missões tripuladas de longo prazo a Marte, precisamos saber como os micro-organismos associados aos humanos sobreviveriam no planeta vermelho, já que alguns podem representar um risco à saúde dos astronautas”, observou a coautora Katharina Siems, doutoranda do Grupo de Pesquisa de Microbiologia Aeroespacial do Centro Aeroespacial Alemão.
“Além disso” – continuou Siems –, “alguns micróbios podem ser inestimáveis para a exploração espacial. Eles podem nos ajudar a produzir alimentos e suprimentos materiais de forma independente da Terra, o que será crucial quando estivermos longe de casa. Os micro-organismos estão intimamente ligados a nós; nosso corpo, nossa comida, nosso ambiente. Portanto, é impossível excluí-los das viagens espaciais”.
(Texto traduzido, clique aqui para ler o original em inglês).