Enguias escapam de peixes predadores mesmo depois de engolidas, revela estudo
Cientistas registram a fuga de uma espécie que, depois de engolida, é capaz de se contorcer de volta pelo trato digestivo e para fora do estômago de seu predador
Quando você é um peixe predador, às vezes, o almoço que você engoliu não faz bem. Em vez de aceitar seu destino, a refeição ainda viva escapa do seu estômago e foge pelo orifício mais próximo.
A espécie Odontobutis obscura pode engolir enguias japonesas jovens (Anguilla japonica) inteiras, mas as enguias engolidas podem se contorcer de volta pelo trato digestivo e para fora do estômago, nadando para a liberdade através das guelras do peixe maior, segundo recentes descobertas de um grupo de cientistas.
Essa façanha pode ser difícil de imaginar, mas os pesquisadores registraram as ousadas fugas das enguias usando um sistema de vídeo de raio-X e descreveram a descoberta em um estudo publicado na última semana no periódico Current Biology.
“Antes de capturar a primeira filmagem de raio-X, nunca imaginamos que enguias pudessem escapar do estômago de um peixe predador”, disse a autora principal do estudo, Yuha Hasegawa, professora assistente na Escola de Pós-Graduação em Pesca e Ciências Ambientais da Universidade de Nagasaki, no Japão.
“Testemunhar a fuga desesperada das enguias do estômago do predador pelas guelras foi realmente surpreendente para nós.”
De maneira geral, não se sabe o que acontece quando um peixe é engolido inteiro por outro peixe, o que torna a revelação “super surpreendente e informativa”, na opinião do ictiólogo Kory Evans, professor assistente de biociências na Universidade Rice em Houston.
“Sabemos que muitos peixes têm um segundo conjunto de mandíbulas na garganta que eles usam para esmagar, rasgar ou moer a presa antes de engolir. Então, a ideia de qualquer coisa escapar dessas mandíbulas não apenas intacta, mas viva é bem impressionante”, disse Evans, por e-mail.
Rotas de fuga
Hasegawa e dois de seus coautores — Kazuki Yokouchi, pesquisador da Agência de Pesquisa e Educação Pesqueira do Japão, e Yuuki Kawabata, professor associado da Universidade de Nagasaki — descreveram esse comportamento anteriormente em um estudo de dezembro de 2021.
Mas enquanto observavam enguias engolidas se contorcendo de cauda para fora das guelras dos peixes maiores, “não tínhamos conhecimento de suas rotas de fuga e padrões comportamentais durante a fuga, porque isso ocorria dentro do corpo do predador”, acrescentou Hasegawa, por e-mail.
Os cientistas levantaram a hipótese de que talvez as enguias acessassem as guelras diretamente da boca dos predadores. Só havia uma maneira de ter certeza: usando um vídeo de raio-X para espiar dentro de um peixe que tinha acabado de comer uma enguia.
Para fazer isso, os pesquisadores reuniram peixes em aquários de laboratório. Os predadores mediam cerca de 14,5 centímetros de comprimento — cerca de duas vezes o comprimento das enguias A. japonica juvenis.
Para tornar as enguias mais visíveis ao raio-X, os cientistas injetaram nelas um meio inofensivo de alto contraste de sulfato de bário. Uma vez que um predador engolia uma enguia, o peixe saciado era rapidamente movido para um tanque especial onde a câmera de vídeo de raio-X estava pronta para rodar.
“Devido ao campo de visão muito estreito da câmera de vídeo de raio-X, tivemos que criar tanques experimentais de um tamanho que pudesse limitar o movimento dos peixes predadores”, disse Hasegawa.
Após cerca de seis meses de tentativa e erro, eles capturaram as primeiras visões do que as enguias dentro dos predadores estavam fazendo. Para escapar do intestino de um peixe, uma enguia inseria sua cauda no esôfago e, então, se contorcia para trás.
Uma vez livre do estômago, a enguia colocava sua cauda para fora das guelras e ondulava até que o resto de seu corpo emergisse. Em média, levou cerca de três minutos e meio para uma enguia engolida reaparecer e nadar para longe.
“O vídeo de raio-X das enguias circulando no estômago, procurando uma saída, é particularmente impressionante e mostra que, para alguns animais de presa, a luta pela sobrevivência não termina depois de serem comidos. Isso é meio inspirador, na verdade”, disse Evans.
Enguias japonesas encontram uma saída
Das 32 enguias que foram comidas, 13 conseguiram alcançar as guelras de seus captores e colocar suas caudas para fora, com apenas nove enguias saindo completamente.
Peixes que engolem suas presas inteiras tendem a devorá-las de cabeça, e para a sinuosa A. japonica, conforme a cabeça e a parte superior do corpo deslizam para o estômago de um predador, sua cauda frequentemente permanece no esôfago. Essa manobra pode desempenhar um papel que ajuda determinadas enguias a se contorcer de volta para fora, de acordo com o estudo.
Para Prosanta Chakrabarty, professor da Louisiana State University (LSU) e curador de peixes no Museu de Ciências Naturais da LSU, as imagens das fugas pelas guelras das enguias trazem à mente a aparência assustadora dos xenomorfos nos filmes “Alien”. Chakrabarty não estava envolvido no novo estudo.
Embora esse comportamento de fuga em peixes tenha sido documentado até agora apenas em enguias japonesas, a descoberta pode lançar luz sobre os hábitos peculiares de outra espécie de enguia que o professor da LSU estudou: a enguia de nariz arrebitado (Simenchelys parasitica), que pode habitar “e presumivelmente escapar dos corações de tubarões vivos“, escreveu Chakrabarty em um e-mail.
Enguias A. japonica maiores e mais musculosas, que podem tolerar o ambiente ácido e pobre em oxigênio de um estômago, podem ter uma melhor taxa de sobrevivência após serem engolidas, mas mais pesquisas seriam necessárias para saber com certeza, segundo os autores do estudo.
“Mais experimentos envolvendo interações presa-predador com vários tamanhos de enguias, enquanto medem seu desempenho locomotor e tolerância a ambientes severos, são necessários para identificar os fatores específicos que permitem uma fuga bem-sucedida”, disse Hasegawa.
* Mindy Weisberger é uma escritora científica e produtora de mídia cujo trabalho apareceu na Live Science, Scientific American e na revista How It Works