Colaboração científica com a Rússia começa a se desfazer
Pesquisadores ucranianos estão pedindo boicote completo às instituições e acadêmicos russos
Cientistas russos estão se encontrando isolados enquanto a invasão da Ucrânia pela Rússia entra em seu segundo mês. O projeto do rover de Marte do país com a Agência Espacial Europeia está em espera.
As instituições russas foram suspensas do CERN, o maior laboratório de física de partículas do mundo, na Suíça. Uma prestigiosa conferência de matemática foi transferida de São Petersburgo para uma reunião virtual, e as revistas científicas russas estão sendo excluídas dos principais bancos de dados internacionais.
Periódicos científicos de alto nível, como Science e Nature, não estão rejeitando pesquisas enviadas por cientistas russos, mas as sanções financeiras impostas à Rússia podem dificultar o pagamento de taxas de processamento de periódicos.
Pesquisadores ucranianos estão pedindo um boicote completo às instituições e acadêmicos russos.
Mas ao mesmo tempo em que acolhem a manifestação de apoio aos cientistas ucranianos em todo o Ocidente, alguns acadêmicos acham que evitar todos os cientistas russos pode ser contraproducente.
“Encerrar todas as interações com cientistas russos seria um sério revés para uma variedade de interesses e valores ocidentais e globais, que incluem fazer progressos rápidos em desafios globais relacionados à ciência e tecnologia, manter linhas não ideológicas de comunicação através das fronteiras nacionais e opondo-se aos estereótipos ideológicos e à perseguição indiscriminada”, disse uma carta publicada na quinta-feira na revista Science, de autoria de cinco cientistas proeminentes dos Estados Unidos, Canadá e Reino Unido.
John Holdren, professor pesquisador em ciência e política ambiental na Harvard Kennedy School e consultor científico do ex-presidente dos EUA, Barack Obama, foi um dos autores. Ele disse que queria ter certeza de que havia equilíbrio nas medidas tomadas para punir o presidente russo Vladimir Putin e seu regime.
“Atribuo um valor muito alto à cooperação em ciência e tecnologia”, disse Holdren.
“Meus colegas e eu, que escrevemos essa carta juntos, ficamos alarmados com os relatos de que o que estava acontecendo era uma demonização e isolamento em massa de cientistas russos”.
‘Arrependimento profundo’
A Alemanha tomou uma das posições mais rápidas e fortes. Em 25 de fevereiro, a Aliança de Organizações Científicas na Alemanha recomendou que toda a cooperação acadêmica com instituições estatais e empresas na Rússia fosse congelada com efeito imediato e os fundos de pesquisa alemães não beneficiassem mais a Rússia.
Um telescópio espacial construído na Alemanha, que faz o maior mapa de buracos negros, do universo foi desligado.
O telescópio caçador de buracos negros, chamado eROSITA, abreviação de Extended ROentgen Survey with an Imaging Telescope Array, lançado em 2019 do Cosmódromo de Baikonur, no Cazaquistão, a bordo do satélite Spectrum-Roentgen-Gamma, uma missão científica conjunta russo-alemã apoiada pela Roscosmos, a agência espacial russa.
A Fundação Alemã de Pesquisa (DFG, em ingês), que financiou mais de 300 projetos de pesquisa germano-russos com um volume total de mais de 110 milhões de euros nos últimos três anos, suspendeu todos os seus projetos de pesquisa com a Rússia.
A editora científica Clarivate disse no início de março que cessou todas as atividades comerciais na Rússia, fechando seu escritório lá.
Seu influente banco de dados de publicações da Web of Science não incluirá novos periódicos baseados na Rússia ou na Bielorrússia, que apoiaram a invasão russa. O banco de dados rastreia as citações — um critério importante de sucesso científico — que ajuda os cientistas a serem notados.
Nos Estados Unidos, o MIT encerrou a relação que mantinha com o Instituto Skolkovo de Ciência e Tecnologia (Skoltech) em Moscou, embora tenha enfatizado que estava orgulhoso da pesquisa que a colaboração produziu na última década.
A Nature, uma das principais editoras de revistas científicas do Reino Unido, disse que os pedidos por um boicote abrangente e mundial de todas as pesquisas russas e que as revistas científicas se recusem a considerar artigos de pesquisadores da Rússia são “compreensíveis”. Mas disse que continuará a considerar manuscritos de todo o mundo.
“Isso porque pensamos neste momento que tal boicote faria mais mal do que bem. Isso dividiria a comunidade global de pesquisa e restringiria a troca de conhecimento acadêmico — ambos com potencial para prejudicar a saúde e o bem-estar da humanidade e do planeta.”
A Nasa disse que ainda está trabalhando em estreita colaboração com a agência espacial russa na Estação Espacial Internacional, apesar das crescentes tensões políticas. Na quarta-feira, o astronauta da Nasa Mark Vande Hei deve retornar à Terra ao lado dos cosmonautas russos Anton Shkaplerov e Pyotr Dubrov.
“Este passo é uma rejeição das ações do governo russo na Ucrânia. Nós o tomamos com profundo pesar por causa de nosso grande respeito pelo povo russo e nosso profundo apreço pelas contribuições de muitos colegas russos extraordinários com quem trabalhamos.”