Cientistas descobrem origem dos espinhos das rosas e resolvem mistério botânico
Diversas espécies de plantas não relacionadas apresentam a defesa contra animais herbívoros
Além de ser um símbolo de amor e romance, as rosas também são conhecidas por serem afiadas — espinhos se projetam dos caules para afastar os animais que tentam mastigar os botões.
Elas não são as únicas plantas com esse mecanismo de defesa: a Bougainville, conhecida popularmente como primavera, a coroa-de-cristo, usada inclusive para proteger cercas, além dos arbustos floridos responsáveis por nos dar framboesas e amoras, diversas plantas apresentam pontas afiadas.
Mas por que todas essas espécies, muitas das quais evoluíram separadamente ao longo de milhões de anos, tem a mesma característica espinhosa? Uma equipe de pesquisadores internacionais descobriu que a resposta está em seu DNA, traçando a origem até uma antiga família de genes responsável pelos espinhos em todas essas variações, de acordo com um novo estudo publicado na quinta-feira (1º) no periódico Science.
As descobertas não apenas abrem as portas para cientistas que buscam criar variantes sem espinhos dessas espécies, mas também fornecem informações sobre a história evolutiva de um gênero extremamente diverso de plantas, dizem especialistas.
A evolução dos “espinhos”
Ao contrário das referências da cultura pop, as rosas não têm espinhos, que na verdade são as pontas afiadas, duras e secas de certos arbustos, árvores e, claro, dos cactos. As flores, em vez disso, têm acúleos, que se formam a partir da epiderme da planta, em um processo semelhante ao crescimento do cabelo.
Os acúleos existem há pelo menos 400 milhões de anos, aparecendo pela primeira vez nos caules das samambaias e seus parentes. Desde então, a característica apareceu — e desapareceu — em diferentes pontos do tempo evolutivo, explicou o coautor do estudo Zachary Lippman, biólogo vegetal, professor de genética no Cold Spring Harbor Laboratory em Long Island, Nova York, e pesquisador do Howard Hughes Medical Institute.
Um dos gêneros de plantas mais diversos, conhecido como Solanum — que inclui culturas como batatas, tomates e berinjelas — ganhou espinhos pela primeira vez há 6 milhões de anos. Hoje, o gênero tem mais de 1.000 espécies que aparecem em todo o mundo, com cerca de 400 delas com acúleos, de acordo com a Universidade de Utah.
Quando uma característica comum, como os acúleos, aparece independentemente em diferentes linhagens e espécies, é o que chamamos de evolução convergente. Isso ocorre quando as espécies se adaptam de forma semelhante para atender certas necessidades ambientais.
Asas são outro exemplo de uma característica que evoluiu dessa forma entre diferentes espécies de pássaros, bem como outros animais, como os morcegos e até mesmo alguns tipos de esquilos que têm uma estrutura semelhante a asas, disse Lippman.
Espinhos e acúleos são defesas que apareceram durante a evolução para proteger as espécies dos herbívoros — animais que comem plantas — e também podem auxiliar no crescimento, competição de plantas e retenção de água, de acordo com o estudo.
Não se sabia exatamente o que fazia com que samambaias e outras plantas não relacionadas desenvolvessem acúleos. Agora, os autores do estudo descobriram que uma antiga família de genes conhecida como Lonely Guy (Cara Solitário, em português), ou LOG, serviu como um guardião para a característica, fazendo com que ela aparecesse e desaparecesse em diferentes espécies ao longo de milhões de anos.
Genes espinhosos
Ao remover os acúleos de várias espécies, incluindo rosas e berinjelas, os autores descobriram que um gene LOG era responsável pelos espinhos em cerca de 20 tipos de plantas estudadas. Genes relacionados ao LOG são encontrados em todas as plantas, até mesmo nos musgos, que são considerados a primeira planta de terra seca, disse Lippman.
Os genes são responsáveis por ativar um hormônio conhecido como citocinina, que é importante para as funções básicas de uma planta a nível celular, incluindo divisão e expansão celular, o que por sua vez afeta o crescimento da planta.
“Não é que houvesse um ancestral comum que tinha acúleos, e eles se espalharam por mais de 400 milhões de anos para todas essas outras [plantas], e então eles foram perdidos esporadicamente. Na verdade, o que parece é que eles parecem aparecer facilmente em diferentes linhagens”, disse Lippman. “Agora, a questão é: com que frequência a evolução convergente não é apenas a característica que vemos, mas os genes por trás da característica?”
Ele acrescentou: “Nosso estudo é, creio eu, provavelmente o primeiro a realmente demonstrar o poder dessas ferramentas [sequenciamento genético e genômico] para abranger uma distância evolutiva tão ampla e fazer essa pergunta muito clássica sobre a evolução convergente em plantas ou animais.”
A descoberta acrescenta uma ferramenta valiosa para pesquisadores que buscam entender a extensão da proteção que os acúleos oferecem contra animais herbívoros. Esse nível de defesa tem sido desafiador de avaliar anteriormente, já que remover manualmente os espinhos de plantas já cultivadas — para testar se elas são mais vulneráveis sem eles — danifica o tecido e pode comprometer a saúde das plantas, disse Tyler Coverdale, professor assistente de ciências biológicas na Universidade de Notre Dame que não fez parte do novo estudo.
“Ao eliminar os acúleos com mutações genéticas direcionadas, podemos entender mais completamente o papel ecológico das defesas físicas das plantas”, disse Coverdale em um e-mail.
“Os acúleos são um desenvolvimento evolutivo essencial que permite que as plantas resistam à herbivoria, razão pela qual muitas das plantas com acúleos no gênero Solanum são encontradas em áreas com diversidade historicamente alta de grandes herbívoros. Sem essa inovação essencial, é possível que o gênero Solanum fosse muito mais restrito em seu alcance e diversidade”, acrescentou Coverdale.
Removendo acúleos geneticamente
Antes dessa descoberta, outro método usado para tentar remover os acúleos das plantas era tentar cruzar a planta com outra variação que tivesse perdido seus acúleos naturalmente, disse Lippman, e é por isso que hoje existem algumas espécies de rosas sem acúleos.
Mas agora que o gene responsável pelos acúleos foi identificado, os cientistas podem removê-los utilizando técnicas de edição de genoma como CRISPR, um método que os cientistas usam para modificação de DNA de organismos vivos.
A edição genética direcionada pode criar mais variações com facilidade e tem menos consequências no crescimento da planta e na produção de frutas, segundo Coverdale.
“Este estudo não apenas nos conta mais sobre a evolução dos acúleos especificamente, mas também nos fornece insights sobre a mecânica de como projetar caminhos de desenvolvimento de plantas para melhoria agrícola”, disse Vivian Irish, bióloga de plantas e professora do departamento de biologia molecular, celular e de desenvolvimento da Universidade de Yale. Irish não fez parte do novo estudo, mas foi a autora sênior de um estudo de 2020 que descobriu que espinhos crescem em plantas por meio da atividade de células-tronco.
“[Os genes LOG] foram repetidamente cooptados [uma mudança biológica na funcionalidade de uma característica] em diferentes espécies de plantas para a formação de acúleos, e também repetidamente perdidos em linhagens onde os acúleos são perdidos”, ela disse.
“Co-optação em muitos níveis diferentes pode ser a regra prática da natureza, e essa inovação em muitos casos pode muito bem refletir a reutilização de genes antigos de novas maneiras”, ela acrescentou em um e-mail.
Para fins agrícolas, a remoção dos espinhos pode facilitar a colheita e abrir caminho para que produtos menos conhecidos cheguem aos supermercados.
Um exemplo que os autores usam são as passas do deserto, que são frutas cultivadas em arbustos espinhosos nativos da Austrália. Com os espinhos removidos, a fruta poderia ser cultivada com muito mais facilidade e seria mais semelhante às frutas comuns de supermercado, como mirtilos e morangos, disse Lippman.
“É realmente sobre ter mais conhecimento… e entender o quão importantes as mutações foram para nos dar a comida que comemos na escala em que a comemos, e saber que há mais potencial lá fora”, disse Lippman. “Quanto mais entendermos os bastidores, mais teremos a chance de ajustar o sistema, ou o motor, se preferir, para fazê-lo funcionar ainda melhor.”