Bebês que ouvem mix de línguas no útero são mais sensíveis a variações da fala
Estudo aponta que pode haver um impasse entre eficiência e seletividade na aprendizagem de fetos
Um estudo demonstrou que bebês que são expostos a mais de um idioma enquanto ainda estão no útero percebem aspectos da fala de maneira diferente daqueles que ouvem apenas um idioma.
“Os recém-nascidos de mães bilíngues parecem mais sensíveis a uma gama mais ampla de variações acústicas da fala, enquanto os recém-nascidos de mães monolíngues parecem estar mais sintonizados seletivamente com o único idioma em que estiveram imersos”, explicou Natàlia Gorina-Careta, pesquisadora do Instituto de Neurociências da Universidade de Barcelona, e co-autora do estudo, publicado nesta quarta-feira (22) no periódico Frontiers in Human Neuroscience.
A pesquisa foi realizada na Catalunha, onde 12% da população fala catalão e espanhol em seu dia-a-dia.
Foram recrutadas como voluntárias 131 mães de recém-nascidos entre um e três dias de vida. Destas mães, 41% disseram que falaram exclusivamente um idioma — catalão (9%) ou espanhol (91%) — durante a gravidez, inclusive quando conversavam com o bebê crescendo em sua barriga.
As outras 51% falaram duas línguas — seja catalão e espanhol, ou um destes idiomas combinado com outro, como árabe, inglês ou português.
Usando eletrodos em suas testas, os pesquisadores mediram a “resposta de seguimento de frequência” (FFR na sigla em inglês) nos bebês recém-nascidos expondo-os à reprodução repetida de um estímulo sonoro cuidadosamente selecionado, com 250 milissegundos de duração e composto de quatro estágios: a vogal /o/, uma transição, a vogal /a/ em tom constante e /a/ aumentando em tom.
“As vogais contrastantes /o/ e /a/ pertencem ao repertório fonético do espanhol e do catalão, e é em parte por isso que as escolhemos”, explicou Sonia Arenillas-Alcón, do mesmo instituto e co-autora do estudo ao lado de Natàlia.
A FFR mede com que precisão os picos de ação produzidos pelos neurônios no córtex auditivo e no tronco cerebral imitam as características das ondas sonoras do estímulo.
Uma resposta mais precisa do cérebro evidencia que ele foi treinado de forma mais eficaz para captar precisamente aqueles sons.
Os resultados apontaram que a resposta aos sons das vogais /o/ e /a/ foi mais precisa no cérebro dos fetos de mães monolíngues, que aprenderam a ser mais sensíveis ao tom de uma única linguagem.
Em contrapartida, o cérebro dos fetos de mães bilíngues parece ter se tornado melhor em detectar uma gama mais ampla de variação nas frequências de tom, mas sem gerar a resposta máxima a nenhuma delas.
O estudo parece indicar, portanto, que existe um impasse entre eficiência e seletividade na aprendizagem dos fetos sobre tons de voz.
No entanto, outro autor do estudo, o professor associado ao mesmo instituto Jordi Costa Faidella advertiu os futuros pais e mães: “Com base em nossos resultados, não podemos fazer qualquer recomendação aos pais multilíngues. O período sensível para a aquisição da linguagem dura muito depois do nascimento e, portanto, a experiência pós-natal pode muito bem ofuscar as mudanças iniciais ocorridas no útero. Investigações futuras sobre como um ambiente de linguagem bilíngue modula a codificação sonora durante os primeiros anos de vida lançarão mais luz sobre esta questão.”
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