Arte em templo árabe antigo revela camelos híbridos
Trabalho feito em pedra mostra imagens dos animais com espaço menor entre as corcovas, o que sugere cruzamento entre dromedários e camelos-asiáticos
Evidências de antigos camelos híbridos foram descobertas por arqueólogos que estavam trabalhando para restaurar um templo no norte do Iraque, que foi danificado pelo Estado Islâmico.
O Templo de Allat, que data do século 2 d.C., está localizado na cidade de Hatra, Patrimônio Mundial da Unesco. Antiga metrópole em expansão, a cidade serviu como capital do Reino de Hatra.
As ruínas da cidade antiga foram fortemente vandalizadas por extremistas religiosos entre 2015 e 2017. Antes disso, o templo havia sido abandonado por décadas.
Durante a restauração após os danos recentes, os pesquisadores avistaram algo inesperado em um friso acima de uma porta do Templo de Allat.
A obra de arte feita em pedra na horizontal parecia mostrar camelos híbridos que resultaram do cruzamento de duas raças diferentes.
A representação desses camelos ajudou os pesquisadores a entender melhor a antiga Hatra, que era um pequeno reino vizinho dos impérios romano e parta — embora esses vizinhos fossem muitas vezes mais hostis do que amigáveis.
A obra de arte também contribui para as evidências que os pesquisadores têm sobre quando e onde os camelos híbridos foram criados. Anteriormente, os pesquisadores acreditavam que diferentes tipos de camelos eram cruzados principalmente em impérios expansivos. Esta última descoberta mostra que a prática foi mais difundida.
“A imagem parece expressar uma mensagem precisa – o envolvimento direto do rei nas práticas de pastoreio, manejo e hibridização de camelos”, disse Massimo Vidale, professor associado da Università degli Studi di Padova, na Itália.
Criação de híbridos de um animal sagrado
Os pesquisadores acreditam que a obra de arte foi adicionada ao templo durante uma reforma realizada pelo rei Sanatruq I e seu filho, Abdsamiya, em 168 d.C. Foi nessa época que a realeza dedicou o templo à deusa Allat, além de erguer estátuas quase em tamanho natural de si mesmos.
Pesquisas anteriores sobre o friso de pedra sugeriram que ele representava oito dromedários, com dois camelos-asiáticos no meio.
Dromedários são camelos árabes que ostentam uma corcova. Esses animais velozes são ideais para cavalgar ou até mesmo correr. Em contraste, os camelos-asiáticos são nativos da Ásia Central e têm duas corcovas. Esses animais de carga resistentes podem suportar altas altitudes, temperaturas frias e até secas.
Quando Vidale e seus colegas examinaram mais de perto a obra de arte, notaram que os rostos e pelos dos chamados camelos-asiáticos na verdade pareciam mais um cruzamento entre um camelo-asiático e um dromedário.
E em vez de um espaço considerável entre as duas corcovas, havia apenas um pequeno recuo — uma característica que foi observada em híbridos dessas raças de camelos.
As pessoas criam camelos desde o século 1 d.C., de acordo com os mais antigos esqueletos de camelos híbridos recuperados dos impérios romano e parta.
Essa prática de criação entrou em vigor há milhares de anos porque leva a animais mais fortes e resistentes. Camelos híbridos podiam carregar o dobro da carga dos dromedários e mais que o dobro do que um camelo-asiático poderia suportar.
Apesar de seu tamanho ser menor, quando comparado com os impérios vizinhos, o reino de Hatra ainda era capaz de importar camelos-asiáticos distantes das estepes da Ásia Central e criar camelos como uma demonstração de poder.
Flexão de poder político
Os camelos provavelmente eram considerados um animal sagrado para Allat, e outras esculturas e frisos dentro do templo mostram a deusa montando os animais de lado.
O elaborado templo teria sido visitado tanto por visitantes religiosos quanto por membros de caravanas comerciais. O local pode até ter servido para feiras e mercados.
“A construção do Templo de Allat parece ser um movimento ousado do rei Sanatruq I, importando Allat — uma das divindades árabes pré-islâmicas mais importantes”, disse Vidale.
Criar e possuir os melhores camelos também foi um movimento político, porque gerou uma associação direta entre o rei e um animal sagrado – e distinguiu o reino de depender de seus vizinhos poderosos.
“Ao apelar para grupos árabes, o rei deu um passo sério no processo de separar Hatra da sombra do império parta”, disse Vidale.
O rei talvez até tivesse o monopólio da criação desses camelos especiais, bem como um interesse “na gestão das caravanas de longa distância de uma antiga Rota da Seda, que poderia expandir os interesses comerciais que tornaram Hatra tão rica”, os pesquisadores escreveram no estudo. “Afinal, os camelos do rei são sempre os melhores”.
Um estudo detalhando as descobertas foi publicado na revista Antiquity, na terça-feira.