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    Por que uma vacina não vai acabar com a pandemia de Covid-19 imediatamente?

    Entenda o motivo de a vacina ser um grande aliado na luta contra a pandemia, mas não uma solução definitiva

    Maggie Fox , da CNN

    O médico Umair Shah se lembra da última campanha de vacinação em massa que os EUA fizeram.

    Foi em abril de 2009, quando a gripe H1N1, ou gripe suína, estourou logo no final da temporada regular de gripe por influenza.

    “Foi muito desafiador”, lembrou Shah, que dirige a secretaria de saúde do condado de Harris, Texas.

    “Havia muitas peças em movimento. Foram necessárias várias semanas a meses, não apenas para organizar, mas para implementar e fazer a campanha com segurança e eficácia. E foi uma pandemia leve”.

    A atual não é uma pandemia leve. E, embora os fabricantes de vacinas, especialistas em saúde pública e o governo federal estejam confiantes de que uma ou mais das vacinas contra o coronavírus sendo testadas funcionarão com segurança até o final do ano, os Estados Unidos e o mundo ainda estarão muito longe de encerrar a pandemia.

    “Sinto um otimismo cauteloso de que teremos uma vacina até o final deste ano, entrando no início de 2021”, disse o doutor Anthony Fauci a Wolf Blitzer, da CNN, na sexta-feira (18). Como diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas, Fauci é um dos líderes da batalha médica contra o vírus.

    “Mas não vai ser como ligar e desligar um interruptor. Vai ser gradual”, acrescentou.

    “Ter” uma vacina não significa ter uma vacina aprovada, distribuída e aplicada nos braços de mais de 300 milhões de norte-americanos.

    Primeiro, qualquer vacina deve ser aprovada ou autorizada pela FDA, a agência reguladora de alimentos e medicamentos no país. Trata-se de um processo que, em circunstâncias normais, pode levar meses ou anos. Embora a FDA tenha prometido um processo mais rápido para uma vacina para a Covid-19, ela ainda deve passar por um comitê conhecido como Comitê Consultivo de Vacinas e Produtos Biológicos Relacionados, ou VRBAC.

    É quase certo que FDA vá permitir um processo de atalho conhecido como autorização de uso de emergência (ou EUA na sigla em inglês), mas, mesmo assim, o processo deve ser um “EUA-mais”, que adiciona pelo menos algumas camadas de análise.

    “É improvável que uma vacina para Covid-19 receba aprovação total e ampla distribuição imediatamente. Em vez disso, a FDA provavelmente vai autorizar vacinas para uso em grupos-alvo de pessoas sob alto risco para a Covid-19 e com maior probabilidade de se beneficiar da vacina”, escreveram os médicos Mark McClellan e Scott Gottlieb, ambos ex-diretores-gerais da FDA, em um comentário no Wall Street Journal na segunda-feira (21). “Tudo isso significa que, pelo menos inicialmente, as vacinas contra o coronavírus não fornecerão o tipo de imunidade coletiva que pode ajudar a extinguir uma epidemia”.

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    Isso levará tempo. Segundo especialistas que falaram com a CNN, provavelmente em meados do próximo ano, mesmo que uma vacina fosse autorizada em janeiro.

    “As pessoas não podem ser enganadas por uma falsa sensação de segurança sabendo que a vacina está chegando”, opinou Marcus Plescia, diretor médico da Associação de Diretores de Saúde Territoriais e Estaduais.

    Embora os fabricantes já estejam produzindo doses, isso leva tempo. E os EUA provavelmente precisarão de mais de 600 milhões de doses da vacina, o suficiente para que todos recebam duas doses.

    Uma nova vacina e um plano para distribuí-la

    “Digamos que no final do ano a gente tenha milhões e dezenas de milhões de doses disponíveis”, disse Fauci na recente entrevista à CNN.

    “Só depois de estarmos bem avançados no ano de 2021 teremos centenas de milhões de doses, e há também as restrições logísticas na vacinação de muitas pessoas; serão meses para vacinar pessoas suficientes para ter um guarda-chuva de imunidade sobre a comunidade”.

    Os especialistas em saúde pública concordam que os EUA simplesmente não estão prontos para uma campanha de vacinação em massa como a necessária para controlar a pandemia.

    “Não acho que será perfeito”, disse Plescia.

    O maior programa de vacinação em massa que os EUA empreendem todos os anos é aquela da dose anual contra a gripe (influenza). Apenas cerca de metade dos norte-americanos toma a vacina contra a gripe, e os fabricantes produzem e distribuem menos de 150 milhões de doses.

    No entanto, é necessário um ano inteiro para formular, produzir e distribuir vacinas contra a gripe a cada temporada de influenza.“Começamos o planejamento de vacinas contra a gripe em janeiro ou fevereiro”, detalhou Michael Einhorn, presidente da Dealmed, uma distribuidora independente de suprimentos médicos que cobre os estados de Nova York, Nova Jersey, Connecticut e Pensilvânia. As vacinas contra a influenza geralmente são disponibilizadas em agosto, sete a oito meses depois do início.

    Trata-se de uma vacina feita com tecnologia conhecida e distribuída de maneiras já conhecidas entre as pessoas, ou seja, em consultórios de pediatras, farmácias, supermercados e clínicas, que é como funciona os EUA.

    “Existe um manual para a gripe”, disse Shah. “Não é mesmo caso aqui”.

    Qualquer vacina contra o coronavírus envolverá nova tecnologia e todo um novo processo de distribuição, administração e pagamento.

    Embora qualquer pessoa possa entrar, digamos, em uma farmácia, tomar uma vacina contra a gripe e ir embora sem nunca mais pensar nisso, as vacinas contra o coronavírus envolverão muito mais problemas e papelada. As pessoas provavelmente precisarão de pelo menos duas doses com um intervalo de cerca de um mês. Alguém terá que rastrear e acompanhar o processo.

    “Temos que ser capazes de ver quem foi vacinado e quem não foi”, pontuou a doutora Ngozi Ezike, diretora do Departamento de Saúde Pública de Illinois, em uma audiência pública sobre a distribuição de vacinas organizada pelas Academias Nacionais de Ciência, Engenharia e Medicamento.

    Papelada e burocracia

    “Ter duas doses significa que é preciso fornecer a dose inicial e chamar a pessoa de volta para uma segunda dose um mês depois”, disse a doutora Jinlene Chan, secretária-adjunta de saúde pública do estado de Maryland, à CNN.

    Além disso, é muito provável que vacinas feitas por várias empresas diferentes estejam em uso no próximo ano.

    “Temos que ter certeza de dar à pessoa uma segunda dose da mesma vacina que ela recebeu para a primeira dose”, disse Chan.

    Nenhum programa de vacinação pode ser iniciado até que haja planos para sua administração.

    Além disso, a vacina ou vacinas contra o coronavírus ainda serão experimentais; sendo assim, cada pessoa que receber uma deverá ser rastreada para garantir que não haja reações adversas.

    Ainda não há nenhum um plano nesse sentido.

    “Recebemos muito poucas informações sobre como isso vai acontecer”, contou o doutor Shah, do condado de Harris. “Isso torna o planejamento ainda mais difícil”.

    Um grande obstáculo potencial é o que é conhecido como cadeia de frio. As duas vacinas mais avançadas no desenvolvimento devem ser mantidas congeladas. A vacina da Moderna deve ser mantida a -20° graus Celsius, enquanto a Pfizer deve ser mantida a -70° C. Embora -20o C não seja muito mais frio do que a configuração ideal de um freezer doméstico, -70° C é mais desafiador.

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    “Durante todo o processo – ou seja, cada ponto que a vacina deve percorrer – temos que mantê-la nessa temperatura. Caso contrário, existe o risco de alguma degradação e a vacina possivelmente se tornar menos eficaz”, explicou a doutora Chan, de Maryland. “Precisamos ter certeza de que existe algum recurso para armazená-la adequadamente até que esteja pronta para uso”.

    Caso contrário, um lote descongelado pode significar que centenas ou até milhares de pessoas recebem uma vacina inócua.

    De acordo com Carlos del Rio, especialista em vacinas da Universidade Emory, isso pode ser um desafio. “Simplesmente não temos freezers que podem chegar a 70 graus negativos na maioria das clínicas”, afirmou o médico no encontro das Academias Nacionais.

    Para alcançar um número suficiente de pessoas, qualquer esforço de vacinação em massa terá que ir além de clínicas, hospitais e farmácias. “Vai ser preciso chegar nas comunidades, ir até os lugares para dar certo”, continuou. Isso torna mais difícil manter as vacinas frias o suficiente.

    Plescia disse que a Pfizer tem um plano para ajudar a manter sua vacina fria. “A Pfizer terá caixas especiais para embarque das vacinas, embaladas com gelo seco. “Assim que você pegar a caixa, ela manterá o material em 80 graus negativos por dez dias”.

    Mas ele mesmo diz que não está claro se as caixas poderiam ser abertas e se algumas doses da vacina podem ser retiradas com segurança, deixando outras dentro. “Mesmo que essas caixas funcionem muito bem, ainda assim será um grande desafio”, disse ele.

    Tirando a massa da vacinação em massa

    Funcionário trabalha em pesquisa de potencial vacina da Covid-19
    Funcionário trabalha em pesquisa de potencial vacina da Covid-19 desenvolvida pela CureVac em Tuebingen, na Alemanha
    Foto: Andreas Gebert/Reuters

    Os esforços anteriores de vacinação em massa foram exatamente isso: em massa. Mas o coronavírus é uma doença respiratória, e a última coisa que alguém deveria fazer é alinhar as pessoas ou colocá-las em, digamos, quadras de escolas para serem vacinadas, como lembrou Chan.

    “O método de vacinação em massa envolve trazer grandes grupos de pessoas para um local e vacinar o maior número possível”, disse Chan. “Como podemos fazer isso de forma a reduzir o risco de transmitir a própria doença contra a qual estamos tentando vacinar?”

    A doutora Ezike, de Illinois, disse que parte da experiência com locais de teste de coronavírus pode ajudar. “Trabalhamos com equipes de ataque” nos pontos de teste, explicou. “Conseguimos converter muitos locais em espaços nos quais as pessoas podiam chegar de carro. Será que é possível vacinar pela janela do carro?”, perguntou.

    Para acomodar esse método, cidades e estados precisam começar a trabalhar num plano desde já. “Vamos precisar de fornecedores adicionais”, disse ela na reunião da NASEM. “Precisamos de clínicas e locais de vacinação em massa. Por isso, queremos recrutar muitos parceiros essenciais”, afirmou, acrescentando que isso vale especialmente para as comunidades mais afetadas pela pandemia, como os frigoríficos e áreas rurais remotas.

    As mudanças nas políticas e na legislação são outro processo potencialmente demorado. Nos EUA, a prática médica é legislada por estados, não pelo governo federal. “Sabemos que precisaremos de um escopo expandido de prática para diferentes grupos profissionais”, lembrou a doutora Ezike. Por exemplo, os estados podem permitir que dentistas, técnicos em saúde bucal e até mesmo estudantes de medicina e veterinários vacinem as pessoas.

    Isso requer novos níveis de legislação, permitindo que os provedores sejam pagos por seu tempo. Mudanças nas leis de seguro saúde podem ser necessárias, incluindo códigos de cobrança que forneçam um sistema para vacinação gratuita.

    Como a implantação não será imediata, as pessoas serão vacinadas em grupos. As Academias Nacionais estão considerando isso, assim como o Comitê Consultivo sobre Práticas de Imunização (ACIP) dos Centros para Controle e Preven??ão de Doenças (CDCs) dos EUA. Junto com grupos privados de defesa dos cidadãos, eles já divulgaram seus próprios projetos que, em geral, colocam os profissionais de saúde, socorristas e os mais vulneráveis na linha de frente. Mas essa é outra camada de gerenciamento para os governos assumirem.

    Muitos estados têm sistemas antigos e pesados para gerenciar tudo isso, e Ezike disse que as atualizações necessárias geralmente demoram.

    Imunidade leva tempo

    Encaixar a operação na linha do tempo é biologia simples. As vacinas da Pfizer e da Moderna, pelo menos, terão de ser administradas em duas doses, com intervalo de um mês. Depois disso, leva cerca de duas semanas para aumentar a imunidade. Isso significa que são seis semanas a partir do momento em que alguém é vacinado pela primeira vez até que ele se sinta seguro contra infecções.

    Além de tudo isso, muitos norte-americanos temem as vacinas, em especial uma nova lançada em um momento de intensa politização do processo de saúde.

    “Há uma desconfiança geral em relação à vacinação e, em seguida, uma desconfiança do governo”, observou Ezike.

    O clima atual sobre o uso de máscara não ajudou, acrescentou Shah, do condado de Harris.

    “Transformamos tudo numa luta política”, lamentou.

    “Quando uma situação se politiza, e não é movida por considerações médicas e de saúde, as pessoas acabam tomando partido”.

    A menos que a maioria da população seja vacinada, o vírus continuará se espalhando. A maioria das estimativas sugere que 60% a 70% da população deve ser imune para fornecer imunidade de rebanho suficiente para interromper a disseminação do vírus. Pesquisas indicam que apenas cerca de metade dos norte-americanos se sentem confiantes agora em serem vacinados.

    E se as vacinas não forem totalmente eficazes, isso pode significar que ainda mais pessoas precisam ser vacinadas para ter um efeito na disseminação.

    Depois, há as incógnitas.

    “Os testes não têm sido perfeitos. Teremos algumas falhas”, disse Plescia.

    “Acho que há uma boa chance de haver uma vacina que funcione e nos tire dessa, mas é difícil acreditar que tudo vai funcionar bem, dadas todas as coisas que podem acontecer”.

    O doutor Shah está pronto para surpresas desagradáveis. “Este é um vírus super habilidoso que quebrou todas as regras”, concluiu.

    (Texto traduzido, clique aqui para ler o original em inglês).

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