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    Varíola dos macacos está quase no fim nos EUA, mas deixa rastro de mistérios e aprendizados

    Declaração dos EUA de emergência de saúde pública para a "mpox" terminou nesta terça-feira (31)

    Josué Damacena/IOC/Fiocruz

    Brenda Goodmanda CNN

    A declaração dos EUA de emergência de saúde pública para a “mpox“, anteriormente referida como varíola dos macacos (monkeypox), terminou nesta terça-feira (31).

    O surto, que antes parecia estar fora de controle, diminuiu sem fazer alarde. O vírus não desapareceu completamente, mas, por mais de um mês, o número médio de novos casos diários relatados pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC, na sigla em inglês) tem ficado abaixo de dez, caindo de um pico de cerca de 450 casos por dia em agosto passado.

    Ainda assim, os EUA foram o país com mais casos no mundo durante o surto de 2022 e 2023. Mais de 30 mil pessoas foram diagnosticadas com mpox no país, incluindo 23 que vieram a falecer.

    Os casos também diminuíram na Europa, no Pacífico ocidental e na Ásia, mas ainda estão aumentando em alguns países da América do Sul, de acordo com os dados mais recentes da Organização Mundial da Saúde (OMS).

    Mas não era certo que chegaríamos até aqui. Quando a mpox se tornou global em 2022, os médicos tinham apenas poucas doses de uma vacina nova e não comprovada, um tratamento não testado, escassez de testes de diagnóstico e uma posição difícil em relação à sua comunicação, que precisava ser voltada para uma população em risco que foi estigmatizada e ignorada em crises de saúde pública no passado.

    Especialistas dizem que o surto ensinou muito ao mundo sobre essa infecção, que só foi vista fora da África em algumas ocasiões.

    Porém, mesmo com tanto aprendizado, ainda há mistérios, tais como: de onde vem esse vírus? Por que ele de repente começou a se espalhar dos países da África Central e Ocidental, onde geralmente é encontrado em mais de 100 outras nações?

    Desde quando vem se espalhando?

    Antes de maio de 2022, quando muitas pessoas com erupções cutâneas incomuns começaram a aparecer em clínicas no Reino Unido e na Europa, o país que relatou o maior número de casos de mpox foi a República Democrática do Congo.

    Os casos no país têm aumentado constantemente desde a década de 1970, de acordo com um estudo do Relatório Semanal de Morbidade e Mortalidade do CDC.

    Na RDC, as pessoas em aldeias rurais dependem de animais selvagens para obter carne. Acredita-se que muitas infecções de mpox sejam causadas pelo contato com um animal ao qual o vírus se adaptou. Esse animal hospedeiro não é conhecido, mas presume-se que seja um roedor.

    Por anos, especialistas que estudaram surtos africanos observaram um fenômeno conhecido como cadeias de transmissão irregulares: “infecções que conseguiram se transmitir ou serem transmitidas de pessoa para pessoa até certo grau, até um número de elos na cadeia de transmissão, mas que, de repente, não conseguem se sustentar em humanos”, disse Stephen Morse, epidemiologista da Escola de Saúde Pública da Universidade de Columbia.

    Os cientistas continuaram um monitoramento de maneira informal, e Morse disse que, durante anos, o recorde de elos em uma cadeia de mpox era cerca de quatro.

    “Em geral, sempre se extinguia”, comentou. No entanto, as cadeias começaram a ficar mais longas.

    Em 2017, a Nigéria – que não tinha um caso confirmado de varíola dos macacos em mais de quarenta anos – viu um ressurgimento do vírus, com mais de 200 casos relatados naquele ano.

    “Há especulações de que talvez tenha sido uma mudança no vírus que permitiu que ele se adaptasse melhor aos humanos”, contou Morse.

    De 2018 a 2021, oito casos de mpox foram relatados fora da África, todos em homens com idades entre 30 e 50 anos, e todos vindo da Nigéria. Três relataram que as lesões começaram na região da virilha, um acabou infectando um profissional de saúde, e outro passou a infecção para dois membros da família.

    Esse surto nigeriano ajudou os especialistas a perceber que a mpox poderia se espalhar eficientemente entre as pessoas.

    O surto também sugeriu que a infecção poderia ser transmitida sexualmente, mas os investigadores não conseguiram confirmar essa via de disseminação, provavelmente por causa do estigma em relação a compartilhar informações sobre contato sexual.

    No início de maio de 2022, as autoridades de saúde do Reino Unido começaram a relatar casos confirmados de mpox. Uma das pessoas tinha viajado recentemente para a Nigéria, mas outras não, indicando que o vírus estava se espalhando na comunidade.

    Mais tarde, outros países relatariam casos que haviam aparecido ainda mais cedo, no mês de abril.

    Os investigadores concluíram que a varíola dos macacos estava se espalhando silenciosamente antes de ser identificada.

    Declaração de estado de emergência

    No meio do ano, à medida que o número de casos nos EUA começou a aumentar, a resposta da saúde pública teve uma incômoda semelhança com os primeiros dias da pandemia de Covid-19.

    Pessoas com erupções cutâneas suspeitas reclamavam que era muito difícil fazer testes, porque um suprimento limitado estava sendo racionado. Como o vírus raramente aparecia fora de certos países da África, a maioria dos médicos não sabia como reconhecer ou testar a mpox, tampouco entendia todas as vias de disseminação.

    Uma nova vacina estava disponível, e o governo já havia feito seus pedidos, mas a maioria das doses não estava nos Estados Unidos. Além disso, sua eficácia contra a varíola dos macacos tinha sido estudada apenas em animais, então ninguém sabia se ela realmente funcionaria em humanos.

    Também havia um tratamento experimental, o Tpoxx, mas ele não era comprovado, e os médicos só conseguiam obtê-lo depois de preencher pilhas de papelada exigida pelo governo para o uso compassivo. Alguns acabaram desistindo.

    “Era difícil conseguir o Tpoxx”, contou Jeffrey Klausner, professor de saúde pública da Escola de Medicina Keck da Universidade do Sul da Califórnia.

    “Eu estava batalhando para encontrar lugares que pudessem prescrevê-lo porque minha própria instituição virou um pesadelo burocrático. Eu basicamente estava encaminhando pessoas para tratamento fora da minha entidade para receberem o tratamento contra a varíola dos macacos”, lamentou.

    Finalmente, em agosto , o governo federal declarou a emergência de saúde pública. Isso permitiu que as agências federais acessassem os fundos reservados para emergências. Também liberou o governo para transferir dinheiro de uma iniciativa para outra e ajudar a cobrir os custos da resposta, e contribuiu para aumentar a conscientização entre os médicos de que a mpox era algo a ser monitorado.

    O governo também criou uma força-tarefa liderada por Robert Fenton, especialista em logística da Agência Federal de Gestão de Emergências dos EUA, e pelo doutor Demetre Daskalakis, diretor da Divisão de Pesquisa em HIV e AIDS do CDC.

    Daskalakis é abertamente gay e a favor da positividade sexual, inclusive em sua conta no Instagram , que mistura fotos de terno e gravata na Casa Branca com outras que revelam suas muitas tatuagens.

    “O doutor Daskalakis tem muita abertura na maioria das comunidades gays, e Fenton é um especialista em logística, então acho que essa combinação na liderança foi uma resposta certeira”, disse Klausner.

    Mpox como infecção sexualmente transmissível

    Logo no início, depois que o CDC identificou homens que fazem sexo com homens como tendo maior risco de infecção, as autoridades alertaram para o contato físico próximo, do tipo que acontece na atividade sexual. As autoridades também observaram que as pessoas poderiam ser infectadas pelo contato com superfícies contaminadas, como lençóis ou toalhas.

    Contudo, não chegaram a chamar de uma infecção sexualmente transmissível (IST), uma atitude que alguns enxergaram como um movimento calculado.

    “Neste surto, considerando o momento e o contexto na Europa, Estados Unidos e Austrália, foi com certeza transmitido sexualmente”, afirmou Klausner, ressaltando que muitos homens tiveram erupções cutâneas em seus órgãos genitais, e que o vírus foi cultivado no sêmen.

    Klausner acredita que descrições vagas sobre como o vírus se espalhou foram intencionais, a fim de conseguir os recursos necessários para a resposta.

    “As pessoas perceberam que se chamassem de IST desde o início, isso criaria um estigma e, por conta do estigma sobre o tipo de sexo que estava ocorrendo – sexo oral, sexo anal, sexo anal entre parceiros do sexo masculino – poderia não ter o mesmo tipo de resposta federal”, explicou Klausner. “Desta forma, ser vago sobre como o vírus se espalhou foi na verdade um cálculo político, para se obter os recursos necessários e oferecer uma resposta robusta”.

    Essa ambiguidade abriu espaço para desinformação e confusão, disse Tony Hoang, diretor executivo da Equality California, um grupo sem fins lucrativos em defesa dos direitos civis LGBTQ.

    “Acho que se tentou encontrar um equilíbrio entre não querer criar estigma, em termos de quem é responsável pelas maiores taxas de transmissão, sem ser totalmente franco”, ponderou Hoang.

    O grupo de Hoang lançou sua própria campanha de informação pública, combinando dados do CDC sobre HIV e mpox. A mensagem enfatizava que o sexo em si era o comportamento de risco, e explicava que toques leves não tinham a probabilidade de passar a infecção, continuou.

    Klausner acredita que o CDC poderia ter criado mensagens melhores.

    “Ao dar informações vagas e inespecíficas e fazer comentários como: ‘todo mundo tem uma probabilidade de risco’, ou ‘há chance de disseminação ao compartilhar camas, roupas ou ao dançar muito próximo’, a mensagem fica diluída. As pessoas que se envolvem em comportamentos de risco que as colocam em perigo ficam confusas, e elas pensam: ‘Ah, talvez isso não seja uma via de disseminação'”, esclareceu.

    Os casos diminuíram, mas por quê?

    Em julho e agosto, quando os EUA estavam relatando centenas de novos casos de mpox por dia, as autoridades de saúde estavam preocupadas que o vírus pudesse ter vindo para ficar.

    “Tinha uma preocupação de que haveria transmissão contínua, e que ela se tornaria endêmica nos Estados Unidos como outras IST, como gonorreia, clamídia, ou sífilis. Mas não vimos isso acontecer”, disse o doutor Jonathan Mermin, diretor do Centro Nacional de Prevenção contra HIV, tuberculose, hepatites virais e IST do CDC.

    “O que temos visto agora são três a quatro casos por dia nos Estados Unidos, e o número continua a cair. Enxergamos a possibilidade real de chegarmos a zero”, completou.

    No auge do surto, as autoridades se esforçaram para vacinar a população de maior risco – homens que fazem sexo com homens – na esperança de limitar a transmissão e a gravidade das infecções. Mas ninguém sabia se essa estratégia ia funcionar.

    A vacina Jynneos foi aprovada em 2019 pela Food and Drug Administration (FDA), agência reguladora dos EUA, para prevenir a varíola comum e a varíola dos macacos em pessoas com alto risco dessas infecções.

    Na época, o plano era colocá-la no Estoque Nacional Estratégico dos EUA, como uma contramedida no caso de a varíola comum ser utilizada como arma biológica. A aprovação para mpox, um vírus semelhante ao da varíola comum, foi acrescentada porque os Estados Unidos tinham observado um surto limitado dessas infecções em 2003, relacionado à importação de roedores exóticos como animais de estimação.

    A Jynneos passou nos testes de segurança em humanos. Em estudos de laboratório, a vacina protegia primatas e camundongos de infecções por mpox. No entanto, os pesquisadores só descobrem o quanto as vacinas são eficazes durante os surtos das doenças infecciosas, e a Jynneos nunca foi testada durante um surto.

    “Quando isso tudo começou, ficamos com aquela grande pergunta: essa vacina funciona? E será que é segura em grande quantidade?” comentou Mermin.

    Além dessas incertezas, não havia quantidade suficiente, e os infectologistas temiam que uma escassez da vacina pudesse frustrar os esforços para conter o surto.

    Assim, as autoridades de saúde pública anunciaram uma mudança na estratégia: em vez de injetar uma dose completa sob a pele, ou por via subcutânea, aplicariam apenas um quinto da dose entre as camadas superiores da pele, ou por via intradérmica.

    Um estudo inicial nos ensaios clínicos da vacina sugeria que a dosagem intradérmica poderia ser eficaz, mas era um risco. Como citado, ninguém sabia se essa estratégia de economia de doses funcionaria. No fim das contas, a aposta parece ter valido a pena.

    Estudos iniciais da eficácia da vacina demonstram que a vacina Jynneos protegeu os homens de infecções por mpox. De acordo com dados do CDC , as pessoas que não foram vacinadas tinham quase 10 vezes mais chance de serem diagnosticadas com a infecção do que aquelas que receberam as duas doses recomendadas.

    Homens com duas doses tinham cerca de 69% menos chance de ter uma infecção por mpox que precisasse de atenção médica, e os com uma dose tinham cerca de 37% menos probabilidade, em comparação com aqueles que não foram vacinados, de acordo com o CDC.

    Mermin informou que os estudos demonstraram até agora que a vacina funcionou bem, não importa se foi administrada na pele ou sob a pele – outra vitória.

    Ainda assim, a vacina quase com certeza não é o motivo dos casos terem diminuído, simplesmente porque poucas pessoas a tomaram.

    O CDC estima que 2 milhões de pessoas nos Estados Unidos são elegíveis para se vacinarem contra a mpox. Mermin disse que cerca de 700 mil tomaram uma primeira dose – cerca de 36% da população elegível.

    Portanto, é pouco provável que a vacinação tenha sido a única razão para o declínio acentuado nos casos. Modelos do CDC sugerem que a mudança de comportamento também pode ter tido um papel importante.

    Em uma pesquisa online realizada em agosto com homens que fazem sexo com homens, metade dos participantes indicou que reduziu o número de parceiros e de encontros sexuais únicos, comportamentos que poderiam reduzir o aparecimento de novas infecções em 20% a 30%.

    Se for esse o caso, alguns especialistas temem que os EUA possam ver casos de varíola dos macacos aumentarem novamente com a volta do calor.

    “A temporada de festas foi durante o verão, durante o auge do surto, e agora estamos no pico do inverno. Portanto, existe a possibilidade de que a mudança de comportamento não se sustente”, comentou Gregg Gonsalves, epidemiologista da Escola de Saúde Pública de Yale.

    Embora estejamos obviamente em uma posição muito melhor do que estávamos no verão passado, as autoridades de saúde pública não devem considerar este um momento de “missão cumprida”, acrescentou. “Agora é hora de acelerar. Vamos pegar o resto desses casos”, disse Gonsalves.

    O trabalho não acabou

    Mermin declarou que é exatamente isso que o CDC pretende fazer. A resposta ainda não acabou, mas o CDC quer mudar para “uma estratégia ofensiva”.

    “Muito do nosso trabalho nos próximos meses será a criação de estruturas para que a vacinação seja fácil”, explicou.

    Quase 40% dos casos de mpox nos Estados Unidos foram diagnosticados em pessoas que também tinham HIV, apontou Mermin. Portanto, o CDC vai garantir que as vacinas Jynneos estejam disponíveis como parte do cuidado de rotina em clínicas de HIV e IST que oferecem profilaxia pré-exposição, ou PrEP, ao HIV.

    Mermin também disse que as autoridades continuarão a frequentar festivais e eventos LGBTQ para oferecer vacinas no local.

    Além disso, vão estudar pessoas que foram vacinadas e infectadas para ver se elas permanecem imunes – algo que ainda é uma grande incógnita.

    Especialistas dizem que essa é apenas uma das muitas perguntas que precisam ser investigadas. Uma outra é por quanto tempo o vírus se disseminou para fora da África antes que o mundo percebesse.

    “Estamos começando a ver alguns dados que sugerem que a infecção assintomática e a transmissão são possíveis, e isso certamente mudará a forma como pensamos sobre esse vírus e o risco”, destacou Anne Rimoin, epidemiologista da Escola de Saúde Pública Fielding, da UCLA.

    Pesquisadores de uma clínica de saúde sexual na Bélgica reexaminaram mais de 200 swabs nasais e orais, que haviam sido amostrados em maio de 2022 para testes para clamídia e gonorreia, e encontraram casos positivos de mpox que não foram diagnosticados. Três das pessoas não relataram sintomas, e outra relatou uma erupção cutânea dolorosa, que foi diagnosticada erroneamente como herpes. O estudo foi publicado na revista Nature Medicine.

    “Infecções leves e assintomáticas podem ter atrasado a detecção do surto”, disse o autor do estudo Christophe Van Dijck, do Laboratório de Microbiologia Médica da Universidade de Antuérpia, na Bélgica, por e-mail para a CNN.

    Enquanto pesquisadores lidam com essas questões, grupos de defesa dizem que não estão prontos para descansar.

    Hoang contou que a Equality California está pressionando o CDC para tratar das contínuas disparidades raciais presentes na vacinação e tratamento contra a mpox, especialmente em áreas rurais.

    Ele não está preocupado que os homens gays baixem a guarda agora que a declaração de emergência foi encerrada.

    “Aprendemos que temos de assumir a responsabilidade por nossa própria saúde, e acredito que vamos continuar vigilantes como uma comunidade, para este surto e outros futuros”, concluiu Hoang.

    Este conteúdo foi criado originalmente em inglês.

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