“Temos que continuar lutando”, diz primeira brasileira vacinada contra a Covid
No Dia Internacional da Enfermagem (12 de maio), a enfermeira Monica Calazans comemora sua força para continuar a cuidar das pessoas
Mesmo depois de tomar as duas doses da vacina contra a Covid-19, Monica Calazans, 55, a primeira brasileira a receber o imunizante contra o novo coronavírus no país, no dia 17 de janeiro, continua a seguir todas as medidas de proteção.
A enfermeira contou à CNN que todos os dias, ao chegar em casa após o trabalho, só abraça o filho depois de tomar banho. E que ambos só saem de casa para ir ao mercado e visitar a mãe de Monica. “É uma questão de consciência coletiva. Temos que continuar lutando e dizendo para as pessoas o quanto essa doença é avassaladora e que precisamos nos cuidar”.
Consciência de quem trabalha há 33 anos na área da saúde, mas diz nunca ter visto tantas mortes e tanto sofrimento como os que tem presenciado diariamente desde o início da pandemia. Há um ano, a enfermeira atua na linha de frente de dois hospitais de São Paulo: na Unidade de Terapia Intensiva do Emilio Ribas e no Pronto Atendimento do São Mateus, hospital municipal de baixa e média complexidade.
Mesmo diante de todas as dificuldades, na data em que se comemora o Dia Internacional da Enfermagem (12 de maio) Monica diz que tem muitos motivos para comemorar. “Estou na linha de frente desde o início, cuidando de pacientes com Covid-19 ou com suspeita, mas não tive absolutamente nada, nunca precisei me afastar das minhas atividades. Só tenho a agradecer por ter força para cuidar dos pacientes e da minha família”.
Quando não está cumprindo as exaustivas jornadas de trabalho, que incluem plantões de até 12 horas, Monica, que é viúva, aproveita a companhia do filho, Felipe Calazans, 30, com quem mora, e da mãe Maria Aldenize Calazans, 72, que vive sozinha em outra casa, no bairro de Itaquera, na zona leste da capital paulista. Conheça mais sobre a trajetória pessoal e profissional da enfermeira mais famosa do Brasil:
Emoção ao ser vacinada
Monica foi auxiliar de enfermagem por 25 anos e se graduou em Enfermagem aos 47 anos, “por querer crescer profissionalmente”. Mas nunca imaginou que viraria uma espécie de celebridade da enfermagem.
Achando que receberia a vacina junto com colegas, no dia 17 de janeiro, ela só descobriu que seria recebida pelo governador de São Paulo, João Dória, poucos minutos antes de subir ao palco. Por volta das 12h30 daquele dia, recebeu uma ligação da diretoria do hospital, solicitando sua ida ao Auditório Rebouças, próximo ao Emílio Ribas, para receber a vacina. “Achei que fosse entrar em uma fila. A ficha só caiu quando eu vesti o avental, subi ao palco e vi o governador”, lembrou.
Monica foi avisada que depois da vacinação teria que encarar perguntas de jornalistas. A novidade não a deixou nervosa, embora tivesse ciência da responsabilidade. “Eu sabia que não podia falar besteira, tinha que representar muito bem a categoria, mas todas as minhas palavras foram muito espontâneas e verdadeiras. Foi uma emoção tamanha”.
Fama e haters
Com a projeção, também vieram os haters e as ofensas nas redes sociais, o que, segundo ela, não afeta seu dia a dia. “Essas pessoas não conhecem minha trajetória. Eu penso assim: faça metade do que eu faço e tire suas conclusões”.
Afinal, quantas pessoas podem ostentar o título de “heroína”? Monica pode. Em dezembro de 2020, ela recebeu o prêmio “Heroína do Ano” na premiação Notáveis CNN. “Eu não sei nem se essa palavra, heroína, cabe a mim. Falo por mim, por todos os profissionais de saúde que ainda estão na linha de frente e aqueles que não estão mais com a gente, que tentaram fazer um trabalho perfeito e foram arrebatados pela doença”.
Famílias separadas
Monica conta que os vários dramas vividos por pacientes a impactaram, especialmente a separação de familiares no momento da internação. Nos casos mais graves da doenças, nos quais há necessidade de medicação intravenosa ou suporte respiratório, o infectado precisa ser encaminhado com urgência ao hospital, tendo que permanecer internado sem poder ter um acompanhante ou receber visitas. “Imagina você ter que separar familiares que não sabem se vão voltar a se ver?”, questiona.
Ela precisou fazer isso diversas vezes. Um destes casos a marcou de maneira positiva. Ela lembra que precisou levar um paciente já fragilizado para um hospital de campanha no dia 31 de dezembro. Avisou ao filho que seu pai deveria seguir sozinho, e vendo os olhos marejados do rapaz, deu seu próprio número de celular para ele.
No dia 17 de janeiro, ela recebeu uma mensagem dele dizendo tê-la visto na televisão. Contou que seu pai tinha recebido alta cinco dias depois e a agradeceu pela forma como tratou seu pai e ele mesmo naquele dia. “Não é sempre temos esse desfecho. Essas situações a gente guarda”.
Perda de amigos
A enfermeira conta que logo no começo da pandemia, em março de 2020, perdeu três amigos de infância para o coronavírus em duas semanas. Todos jovens, com 34, 38 e 42 anos. Na mesma época, seu irmão mais novo contraiu a forma leve da doença aos 45 anos. No mesmo ano, viu ao menos sete colegas de profissão morrerem de Covid-19. “Eu fiquei muito reflexiva após a morte dos colegas, mas entendi que isso só reforça a necessidade das medidas de proteção até todos serem vacinados”.
Equilíbrio emocional
Apesar de testemunhar dramas diários, ela consegue falar com serenidade sobre o atual momento. Quando questionada sobre como vê seu trabalho após um ano de pandemia, afirma que o define pela ausência de medo e pela busca de harmonia. Diz que nunca teve medo de se infectar e infectar pessoas, justamente por estar “muito segura” do que está fazendo.
Por encarar a enfermagem como um importante pilar no cuidado do paciente, ela crê na importância de estar equilibrada emocionalmente para exercer sua função. Equilíbrio que ela busca na família, na religião evangélica, nos cuidados com suas plantas, na leitura e, sobretudo, nos pensamentos positivos que lhe permitem trabalhar com a mente tranquila.
O advento da vacina contra a Covid-19 é visto como um momento importante e de otimismo no combate ao coronavírus para Monica. “Como profissional da saúde, preciso acreditar na ciência. De uma forma ou de outra vamos passar por tudo isso, porque o mais importante nós já temos: a vacina”.