Sistema imune deficiente pode estar relacionado aos casos graves de Covid-19
Estudos publicados no periódico Science Immunology apontam que o comprometimento do sistema imunológico pode estar relacionado aos casos mais críticos da doença


Os mecanismos utilizados pelo novo coronavírus após a infecção do organismo humano ainda não são completamente compreendidos pela comunidade científica global. Os pesquisadores se desdobram para entender por que algumas pessoas podem apresentar apenas sinais leves ou assintomáticos enquanto outras evoluem para quadros clínicos mais graves, com a necessidade de suporte de ventilação.
Um consórcio internacional, com a participação de mais de 150 cientistas, incluindo especialistas da Universidade de São Paulo (USP), realizou um avanço nas hipóteses para o agravamento da Covid-19.
Os estudos publicados no periódico Science Immunology apontam que o comprometimento do sistema imunológico pode estar relacionado aos casos mais críticos da doença.
Uma batalha no sistema imune
Os pesquisadores identificaram que os anticorpos que atuam em células e tecidos do próprio corpo, chamados autoanticorpos, dificultam a atuação do sistema imune, sendo responsáveis por aproximadamente 14% dos casos mais graves e quase 20% dos óbitos. Os achados apontam, ainda, que uma mutação genética presente em 1,8% dos homens pode explicar a infecção grave em jovens.
Quando o novo coronavírus invade o organismo, o sistema imunológico conta com pelo menos dois mecanismos de defesa: os anticorpos e a resposta celular. É como se entrasse em ação um batalhão de soldados com o objetivo de eliminar aquele invasor.
No entanto, os pesquisadores verificaram que um erro no próprio sistema imune pode levar à produção de autoanticorpos, que neutralizam e destroem proteínas importantes do nosso organismo que combatem diversas infecções, chamadas de interferons tipo 1. Ou seja, o corpo passa a enviar soldados que prejudicam a atuação do próprio batalhão que deveria estar atuando no enfrentamento ao coronavírus.
“Os dados apontam que alguns indivíduos, não apenas idosos, podem ter suscetibilidade genética à doença. E mostram por que algumas pessoas são mais resistentes e outras não, independentemente da idade – embora seja comum que o sistema imune fique enfraquecido com o envelhecimento. A descoberta fortalece nossa tese de que o problema dos casos graves não é apenas o vírus, mas o sistema imune do indivíduo”, explicou o pesquisador Antonio Condino-Neto, membro do consórcio e coordenador do Laboratório de Imunologia Humana do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, em um comunicado.
Segundo o estudo, esse fenômeno foi observado em 13,6% dos pacientes com Covid-19 grave e em 21% dos pacientes com mais de 80 anos. O estudo aponta que os autoanticorpos também foram identificados em 18% dos 1.124 pacientes que morreram em decorrência da doença.
Os pesquisadores analisaram amostras coletadas de cerca de 3.600 pacientes, de hospitais de diversos países, para sequenciamento genético.
Mutação genética
Em um outro estudo, os cientistas avaliaram o papel de uma mutação que pode estar associada ao desenvolvimento dos quadros mais graves de Covid-19.
O gene TLR7 recessivo, ligado ao cromossomo X, é responsável por regular um receptor intracelular que atua em resposta às infecções virais. Segundo a análise, a mutação faz com que esse receptor não funcione da maneira adequada, que é reconhecer padrões e ativar os mecanismos de defesa do organismo. Pacientes que apresentaram uma mutação nesse gene foram relacionados aos casos mais graves.
De acordo com a pesquisa, a deficiência no sistema imune foi identificada em 1,8% dos homens com menos de 60 anos, que tiveram pneumonia crítica pela doença. Os pesquisadores analisaram dados de 1.102 pacientes do sexo masculino, com idades entre 6 meses e 99 anos.
A busca por soluções
Os próximos passos dos estudos envolvem a busca por estratégias terapêuticas que possam contornar os mecanismos utilizados para blindar o sistema imunológico.
Está previsto para 2022 um ensaio clínico internacional com um composto utilizado no tratamento de doenças autoimunes, o interferon beta. Como o medicamento já é amplamente utilizado no tratamento de doenças como a esclerose múltipla, os pesquisadores esperam que isso ajude a acelerar os testes.
Além disso, os pesquisadores continuarão buscando genes que podem impactar no agravamento da Covid-19.
(Com informações do Jornal da USP)