Saúde compra insulina de fabricante sem registro na Anvisa para garantir tratamento pelo SUS
Compra faz parte de uma série de medidas adotadas pelo governo para evitar o desabastecimento do Sistema Único de Saúde (SUS), que fornece os insumos aos brasileiros com a doença
O Ministério da Saúde adquiriu cerca de 1,3 milhão de canetas de insulina análoga de ação rápida de forma emergencial. O item é utilizado por pacientes com diabetes tipo 1 para estabilização do índice de glicemia no sangue.
A compra foi formalizada na terça-feira (9) e faz parte de uma série de medidas adotadas pelo governo para evitar o desabastecimento do Sistema Único de Saúde (SUS), que fornece os insumos aos brasileiros em tratamento para a doença.
Desde abril, a pasta reconhece publicamente que enfrenta problemas para abastecer os estoques da rede pública. Em nota, o órgão chegou a afirmar que abriu pregões para compra de insulina, mas não obteve respostas de fornecedores. As fabricantes com registro no Brasil seriam incapazes de atender à demanda atual.
De forma emergencial, o Ministério da Saúde abriu um pregão sem licitação e adquiriu pouco mais de 1,3 milhão de tubetes de insulina da fabricante chinesa Gan & Lee. Este produto não é registrado no Brasil e não conta com a aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Em contrapartida, possui registro em países com agências regulatórias integrantes do ICH (International Council for Harmonisation), como é o caso da China. Em casos de emergência, a Anvisa permite que o governo recorra a produtos com registro do ICH.
Detalhes do contrato
À CNN, a coordenadora do Departamento de Saúde Pública da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), Karla Madeira, afirmou que faltam informações a respeito da insulina recém comprada pelo Ministério da Saúde.
Segundo a especialista, que acompanha de perto o caso e já participou de reuniões com órgãos públicos e fabricantes, não foi possível atestar, no Brasil, a segurança e a eficácia da insulina produzida pela Gan & Lee. “Nós não conseguimos identificar estudos comparativos do ponto de vista farmacológico nem do ponto de vista clínico. Essas são recomendações para qualquer medicamento biosimilar, como as insulinas”, afirmou.
Outro ponto levantado pela coordenadora da SBD é que a entidade não teve acesso ao relatório de boas práticas de fabricação deste fármaco, um documento produzido pela Anvisa, que visita os locais de produção dos produtos que serão registrados no país.
Por desconfianças similares, o Instituto Diabetes Brasil afirmou que solicitou ao Ministério Público Federal (MPF) a anulação do processo de compra emergencial dos tubetes de insulina realizado pelo governo. O instituto defende que a saúde dos pacientes com diabetes está sendo colocada em risco, já que não é possível verificar a qualidade da insulina estrangeira.
O contrato firmado pelo Ministério da Saúde, na última semana, prevê a entrega de mais de 1,3 milhão de cantas de insulina em duas etapas: 673 mil tubetes de 3 mililitros (mL) devem ser entregues em 60 dias e mais uma remessa com a mesma quantidade em 150 dias. Cada unidade foi adquirida por cerca de R$ 13,96. O valor total do contrato está em torno de R$ 18,8 milhões.
O Ministério da Saúde informa que a quantidade encomendada será suficiente para atender mais de 67 mil pacientes no país e que mantém contato com a empresa fornecedora para que a entrega possa ser antecipada.
Por outro lado, a Sociedade Brasileira de Diabetes afirma que há aproximadamente 568 mil pessoas com diabetes tipo 1 no Brasil e que a estimativa é que 420 mil pacientes com a doença sejam atendidos pelo SUS. A entidade projeta que as insulinas de fabricação chinesa serão suficientes para atender a demanda por um período de três a quatro meses, considerando o histórico da demanda.
A CNN entrou em contato com a Novo Nordisk, fornecedora de insulina nos pregões anteriores do Ministério da Saúde. A planta da empresa em Montes Claros (MG) é a maior fábrica de insulina da América Latina. Mesmo assim, a companhia afirma, em nota, que no momento das negociações não possuía capacidade produtiva apara atender o volume e período de demanda do governo federal.
“Já em relação à compra emergencial feita pelo governo, a Novo Nordisk fez uma proposta que não foi aceita pelo Ministério da Saúde, que optou por outro fornecedor”, diz o comunicado.
A Gam & Lee também foi procurada e não respondeu à reportagem até o momento.
Além da compra emergencial, o Ministério da Saúde afirma que está tomando outras medidas para prover o abastecimento de tubetes de insulina análoga de ação rápida no SUS. A pasta passou a remanejar o estoque entre os estados brasileiros e autorizou a compra de insulina pelas secretarias estaduais de Saúde com ressarcimento aos estados. A aquisição estadual é facilitada pela quantidade menor demandada em cada contrato.
Abastecimento pelo país
A CNN consultou as secretarias estaduais da saúde das 27 unidades federativas e nota que ainda não há desabastecimento generalizado de insulina no país. O Tocantins e o Piauí foram os únicos estados que relataram desabastecimento ou baixo estoque de canetas de insulina análoga de ação rápida.
O Pará e a Bahia relataram ter realizado a aquisição dos tubetes para os cidadãos de seus estados e que os estoques estão abastecidos. Já o estado de Goiás, diz que se organizou de forma estratégica quando soube do problema e garantiu o abastecimento de seus estoques.
Santa Catarina afirmou que consegue garantir o tratamento dos pacientes do estado até o mês que vem e espera receber mais 10 mil tubetes por conta do remanejamento que o Ministério da Saúde fez entre os estados.
Pernambuco informou que os estoques de insulina estão em situação regular, mas que mantém diálogo com o governo federal e está ciente da possibilidade de desabastecimento devido à dificuldade produtiva e de fornecimento das empresas farmacêuticas.
Em São Paulo, o estoque garante o tratamento dos pacientes por mais 45 dias, o que está dentro da normalidade. Os demais estados do Sudeste também não relatam desabastecimento.