Reunião da Conitec teve bate-boca, microfones desligados e rejeição ao “kit Covid”
Reunião do dia 21 de outubro foi divulgada nesta segunda-feira (25) com a apresentação do relatório e votação
O vídeo da íntegra da reunião da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), na semana passada, como adiantado pela CNN, traz as discordâncias entre os membros do Ministério da Saúde, a equipe do pneumologista Carlos Carvalho e os outros participantes como o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Além disso, também é mostrado que o relatório da equipe, que estuda os tratamentos para os pacientes com a Covid-19, não recomenda o uso de ivermectina, azitromicina e hidroxicloroquina (que fazem parte do chamado “kit Covid”). O documento deixa claro que não há medicamentos eficazes para o tratamento ambulatorial:
- Não há medicamento específico, de rotina, recomendado para tratamento de paciente ambulatorial com a Covid-19;
- Há benefício clínico, porém não é possível recomendar o uso de rotina de anticorpos monoclonais (remédios liberados pela Anvisa com terminação “mabe”, como sotrovimabe);
- Por falta de evidências ou por elas serem insuficientes, não é recomendado o uso de ivermectina, nitazoxanida, anticoagulantes, budesonida, colchicina, corticosteroide sistêmico, e plasma convalescente;
- E pelas evidências não apontarem benefício clínico, não é recomendado o uso de azitromicina, cloroquina e hidroxicloroquina.
“É muito importante dizer para o médico o que ele não pode fazer. Se ele quiser dar e convencer o paciente a receber corticoide, ele tem autonomia para isso, mas ele tem que explicar que essa não é a diretriz. Orientar o médico, lá na ponta, do que ele não pode fazer, é, muitas vezes, tão importante do que orientar que remédio ele tem que dar. Se, infelizmente, não temos medicamento nenhum para dar pra Covid, ok. Eu vou dar dipirona para o meu paciente”, afirmou Carlos Carvalho, médico escolhido pelo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, para coordenar o grupo de estudos dentro da Conitec.
“Eu trato Covid desde março do ano passado, eu nunca dei remédio nenhum para paciente em casa que não fosse medicação antitérmica ou analgésica, porque não precisa. Porque ou a imunidade dele vai produzir anticorpos e ele vai neutralizar o vírus ou ele vai complicar e ir para o hospital. Se for para o hospital, tem diretriz com alguns remédios que já deliberamos. No pré-hospitalar, infelizmente, é isso o que temos”, concluiu Carvalho, gerando reações exaltadas de Maria Inez Gadelha, representante da Secretaria de Atenção Especializada à Saúde do Ministério.
Para ela, o grupo de Carvalho não foi chamado para não recomendar nada e, sim, para mostrar quais remédios funcionam. “O que nós estamos recomendando fazer? Nada. É isso que em última análise está sendo posto aqui”, questionou Inez, que teve seu microfone cortado pela condutora da reunião, Vania Cristina Canuto Santos, membro da Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde, por se estender demais e interromper a fala dos outros membros. Vania já havia avisado, e os membros se incomodaram com as diversas interrupções.
Antes disso, ela também pediu mais explicações sobre o método usado para fazer a pesquisa, dizendo que não estava no padrão da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS. Ela questiona, inclusive, como os médicos redigiram o relatório.
“Eu não coloco em cheque a lisura do relatório, nem o processo formal que, mesmo assim, ele fugiu da formalidade. Mas tem erro de português”, explicou Inez, acompanhada nas críticas pelo seu colega de pasta, Vinícius Nunes Azevedo, da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde.
Já o membro da Conitec, chamado pela CPI da Pandemia para prestar depoimento, Elton da Silva Chaves, representante do Conasems, fechou as falas não concordando com Maria Inez e afirmou que a Conitec já estava madura para fazer essa votação.
“Não tem mais espaço da gente não encaminhar essa pauta (votar). Não é pressão, não é outra questão. É porque tem consistência. Tem espaço para consulta pública e tem o retorno. Não se recolocar, não se posicionar também é responsabilidade. Isso já está no debate da sociedade, então, acho que já estamos muito maduros”, adicionou Elton.
A Anvisa e o CNS (Conselho Nacional de Saúde) também reforçaram o coro a favor do relatório, por dizerem que a Conitec não deveria discutir sobre remédios que não foram aprovados pela agência reguladora. Fugindo, portanto, do escopo da Comissão.
“Quando incorporamos ou recomendamos o uso off label (remédios usados de forma diferente da bula), e não estou discutindo a autonomia médica ou nada disso, o problema é que não existe o compromisso das empresas nas ações de farmacovigilância. Já falamos sobre isso algumas vezes, e isso é um ponto muito caro para nós, porque sabemos que a farmacovigilância, conforme as atribuições normativas e sanitárias, é de responsabilidade da empresa”, explicou Gustavo Mendes, gerente geral de Medicamentos da Anvisa.
“O acompanhamento dos efeitos adversos que podem acontecer no uso de um medicamento que não é aprovado pela Anvisa para essa indicação, tem por responsabilidade o compartilhamento com a empresa”, continuou.
O placar da votação, de 6 a 6, também havia sido adiantado pela reportagem da CNN com cinco secretarias do Ministério da Saúde e o CFM (Conselho Federal de Medicina) votando contra o relatório, com a justificativa de gerar discussão na consulta pública. Ja o Conass, Conasems, ANS, CNS e duas secretarias do Ministério da Saúde votaram a favor. A Anvisa não participou da votação, porque o integrante estava em voo e não chegou a tempo.
Agora, o relatório vai à consulta pública. Depois retorna para a votação definitiva no plenário da Conitec, e, por fim, vai para a deliberação de Hélio Angotti, chefe da Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde do Ministério da Saúde.