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    Queda de doações na pandemia pode esvaziar bancos de pele brasileiros

    Segundo dados do Ministério da Saúde, trata-se da maior baixa no armazenamento em seis anos

    Guilherme Gamada CNN* , em São Paulo

    A pele humana é utilizada como curativo biológico em casos de graves queimaduras e até de lesões decorrentes de doenças congênitas. Para que seja transplantada em pacientes, no Brasil, há cinco bancos de pele que são responsáveis pela captação, preparo e armazenamento do tecido.

    Entretanto, desde o início da pandemia de Covid-19, a queda nas doações tem esvaziado os estoques nacionais. Segundo dados do Ministério da Saúde, levantados a pedido da CNN, o ano de 2021 sofreu uma redução de cerca de 30% no total de pele armazenada para transplante, em comparação com 2019. Trata-se do armazenamento mais baixo desde 2015.

    O Banco de Tecidos da Divisão de Cirurgia Plástica e Queimaduras do Hospital das Clínicas (HC) de São Paulo, o principal responsável pela demanda de pele do estado, enfrenta uma baixa histórica.

    Atualmente esse banco possui em média 3.400 cm² de pele, quantidade capaz de atender no máximo três pacientes com queimaduras graves. A nível de comparação, em 2018, o estoque era quase dez vezes maior, de 30 mil cm². O cenário apenas não é pior do que o de janeiro deste ano, quando o banco chegou a zero.

    No Rio de Janeiro, atualmente, o Banco de Pele do Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into) não tem tecido disponível no estoque. De acordo com a médica responsável, Sandra Baião, apesar da pandemia, o banco pode ampliar a captação por meio de campanhas de doação, mas os tecidos ainda estão sendo preparados para transplantes.

    “O estoque zerado no momento deve-se a um aumento de demanda de pele associada à redução de captação nos primeiros meses de 2022”, afirma.

    O Banco de Pele da Irmandade Santa Casa de Misericórdia, de Porto Alegre, também está com o estoque zerado. Há pele em processamento, mas, segundo o diretor Eduardo Chem, assim que liberada, imediatamente já é destinada para pacientes necessitados.

    “Durante a pandemia, tivemos uma redução muito grande das doações, que estão retomando lentamente neste ano”, afirma. Nos últimos anos, as exigências para doação aumentaram: são feitos mais testes sorológicos e os doadores não podem ter contraído Covid-19 ou tomado a vacina contra o vírus recentemente — o que limitou as doações.

    Em 2020, no início da circulação do coronavírus, o desconhecimento acerca da doença e a carência da testagem para a Covid-19 restringiam as doações — todas as captações chegaram a ser suspensas pela incerteza quanto à transmissão do vírus ao receptor a partir de um transplante de pele.

    Com a disponibilidade de teste de diagnóstico molecular (RT- PCR) para os doadores de órgãos em morte encefálica, foi possível retomar a captação e, posteriormente, também aos doadores falecidos por parada cardiorrespiratória.

    Já neste ano, mesmo com a possibilidade de garantir a segurança microbiológica dos tecidos, a captação continua em queda.

    Segundo o médico e diretor do banco de pele de São Paulo, André Paggiaro, a melhora das condições sanitárias não caminha no mesmo ritmo da reposição do banco. “Mesmo com a retomada, nos deparamos com um problema bastante preocupante: a sensível queda na oferta de doadores de pele. Atualmente, trabalhamos no limite, com uma margem de reserva bastante exígua”, afirma.

    O ministério informa que trabalha para a ampliação dos estoques, visando prevenir a falta do tecido em situações de grandes emergências e que, apesar da redução dos estoques, a oferta do tecido ainda não foi impactada. A oferta apresentou uma queda de 30%, em média, entre 2019 e 2021, o que sutilmente pode ter compensado a queda da captação e reduzido a baixa nos estoques.

    No entanto, André Paggiaro alerta: “Em caso de um aumento do número de pacientes queimados no país ou de uma tragédia, como da boate Kiss, não conseguiríamos atender essa demanda”.

    Em geral, todo o cenário de doação de órgãos foi afetado pelo cenário epidemiológico, ainda que, para Paggiaro, a queda constante das doações de pele tenha sido mais intensa devido aos estigmas quanto ao procedimento.

    A doação de pele acontece quando um paciente morre e, ao ser ofertada a possibilidade, a família autoriza a retirada do tecido. Para ser um potencial doador, é importante que a vítima não tenha sido acometida por câncer com potencial metastático, não apresente infecção generalizada ou doenças infecciosas transmitidas através do sangue, como malária, por exemplo.

    Em geral, são pessoas que morreram por morte encefálica e por parada cardiorrespiratória. Os especialistas destacam que são captadas peles de áreas que passam despercebidas no velório do doador, como das partes traseiras da coxa e das costas, de modo a não mudar a aparência. Os médicos destacam que é importante que as pessoas manifestem o desejo de doar entre amigos e familiares.

    (*Sob supervisão de Lucas Rocha e Andre Rigue, da CNN)

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