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    Presença paterna é essencial para desenvolvimento infantil, explicam médicos

    Nos primeiros anos de vida, a formação das competências humanas encontra o ambiente ideal para o aprendizado devido ao próprio desenvolvimento estrutural do cérebro

    No período pós-parto, um dos momentos mais cansativos para as mães, é essencial que os pais estejam presentes, dizem especialistas
    No período pós-parto, um dos momentos mais cansativos para as mães, é essencial que os pais estejam presentes, dizem especialistas Rovena Rosa/Agência Brasil

    Lucas Rochada CNN

    em São Paulo

    O Supremo Tribunal Federal (STF) discute a possibilidade de extensão do benefício da licença de 180 dias para servidores públicos que se tornem pais solteiros de crianças geradas a partir de técnicas como a fertilização in vitro e a barriga de aluguel.

    A medida pode ter impactos principalmente no desenvolvimento das crianças. Isso porque do nascer aos seis anos de vida, os seres humanos estão diante de uma janela de oportunidades para o conhecimento. Na chamada primeira infância, a formação das competências humanas encontra o ambiente ideal para o aprendizado devido ao próprio desenvolvimento estrutural do cérebro.

    O que a criança aprende nessa fase, dos primeiros passos às primeiras palavras, passando pelo entendimento das emoções e sensações, pode apresentar impactos significativos ao longo da vida.

    Especialistas consultados pela CNN destacam os benefícios da participação paterna nos primeiros anos de vida das crianças.

    O que acontece no cérebro nos primeiros anos de vida

    Nos primeiros anos de vida, o desenvolvimento apresenta um ritmo acelerado. Essa evolução pode ser facilmente perceptível, como os primeiros passos e as primeiras palavras. Já outros aprendizados são mais discretos, como o processamento das emoções.

    A fase de amadurecimento do cérebro, que faz com que o indivíduo tenha uma alta capacidade de absorção, é determinante para o desenvolvimento emocional e cognitivo.

    A neuropediatra Chistiane Cobas, do Hospital Sírio-Libanês, de São Paulo, explica que na primeira infância a comunicação entre os neurônios, também chamada de sinapse, está no seu período de auge. A intensificação das sinapses ocorre a partir das interações da criança com outros indivíduos e com o ambiente externo, principalmente por estímulos aos sentidos, como o tato, a visão e a audição.

    “Nesses primeiros dois anos de vida, quanto mais estímulos diferentes essa criança receber, melhor será o desenvolvimento, principalmente socioemocional”, diz Christiane.

    O estabelecimento dos laços afetivos começa ainda durante a gestação, quando a criança passa a ouvir e perceber o ambiente à sua volta no útero materno.

    “O cérebro de uma criança, quando ela nasce, já está 100% formado, mas ainda não está desenvolvido. Ele já conta com todos os neurônios que a pessoa vai ter para o resto da vida, mas eles vão estabelecendo essas conexões aos poucos que vão levar aos marcos motores, sociais e de linguagem”, explica a neuropediatra.

    Como reforçar os estímulos

    O desenvolvimento do cérebro está associado principalmente aos estímulos que envolvem respostas. A psicóloga e professora da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Camila Turati Pessoa, afirma que a presença paterna durante a primeira infância pode promover melhorias na qualidade dos vínculos e das relações interpessoais

    “Quanto mais a gente busca garantir que esse pai esteja presente na vida da criança, inclusive fisicamente, com disponibilidade, com as condições concretas necessárias para esse desenvolvimento infantil, não vamos estar pensando somente na infância, mas numa ampliação dessa rede de apoio do desenvolvimento da saúde física, psíquica e contextual que essa criança participa”, diz.

    Os especialistas enfatizam que não há uma receita pronta para a criação de crianças mais saudáveis. No entanto, alguns fatores podem contribuir para que o desenvolvimento aconteça de forma mais plena.

    A começar pelo olhar. O contato da criança com o pai ou a mãe através dos olhos transmite a sensação de segurança e de afeto, reforçando a formação de vínculos.

    “Para cada faixa etária, há um estímulo adequado a se fazer. Com um bebê recém-nascido, por exemplo, é importante manter esse contato olho a olho. Ao colocar o bebê na sua frente e fazer gestos, você percebe que ele começa a te imitar. Brincar com a criança, interagindo, mostrar os diferentes estímulos, começando a introduzir conceitos de formas, cores, tudo faz parte do aprendizado”, diz Christiane.

    Os especialistas recomendam evitar a exposição às telas por crianças ainda na primeira infância. Embora o conteúdo possa transmitir alguma distração ou entretenimento, não há uma interação social, parte fundamental para o desenvolvimento.

    “Nesse primeiro ano de vida, nada de telas. O estímulo deve ser feito diretamente com o bebê, o contato físico, contar histórias, ler para a criança, cantar músicas, tudo isso vai desenvolvendo essa ligação entre o adulto e a criança”, diz a neuropediatra.

    Com o objetivo de ampliar o acesso de familiares e profissionais de saúde à informação sobre o desenvolvimento infantil, a Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil disponibilizou uma cartilha online chamada “Conheça os sinais. Aja cedo”.

    Produzido pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), dos Estados Unidos, o material reúne dados sobre o comportamento infantil em diferentes fases da vida e dicas de ações que contribuem para a formação da criança.

    A iniciativa também tem como objetivo otimizar a identificação de possíveis atrasos no neurodesenvolvimento, permitindo a rápida intervenção por pais e especialistas.

    “Crianças tratadas com carinho têm melhor desenvolvimento da memória, na área cerebral relacionada ao hipocampo. E o contrário também acontece, já que estudos demonstram que o hipocampo pode ser menos desenvolvido em crianças que foram negligenciadas”, afirma o neurologista Fernando Gomes.

    Fardo maior sobre as mulheres

    O compartilhamento de funções e de responsabilidades na criação dos filhos tem sido alvo de discussões pela sociedade ao longo de décadas.

    Tradicionalmente, o peso pende com mais força sobre as mulheres que, muitas vezes, incluem os cuidados maternais em rotinas já atribuladas de trabalho e gerenciamento da casa. O resultado não poderia ser outro além do esgotamento físico e mental.

    Para os especialistas, uma possível ampliação no período da licença paternidade poderá trazer benefícios também na igualdade da distribuição de tarefas.

    “O grande impacto positivo em uma ampliação da licença paternidade é a possibilidade de auxílio do pai para a mãe que tem tendência ao esgotamento físico e emocional e para divisão de funções. Além disso, quanto mais contato se tem, melhor é para ajudar no aumento das memorias afetivas na primeira infância e no aumento do vínculo familiar”, afirma Gomes.

    O médico Luciano Borges Santiago, presidente do Departamento Científico de Aleitamento Materno da Sociedade Brasileira de Pediatria, destaca que apoio e o incentivo paterno contribuem para o aleitamento materno.

    No período pós-parto, um dos momentos mais cansativos para as mães, é essencial que os pais estejam presentes para dar suporte emocional, quando necessário, e atuar na resolução de tarefas e problemas cotidianos.

    “Em casa, o pai pode ajudar a mãe trocando fraldas, acolhendo durante a noite quando há o choro, são coisas que trazem conforto para a mãe, dando condições melhores de enfrentar as dificuldades da amamentação. Estudos mostram que quando o pai é favorável à amamentação, ela acontece de forma mais plena”, diz Santiago.

    Garantia de um tempo de qualidade

    Cercada de expectativas, a chegada de um novo membro na família também provoca mudanças na rotina com horas a menos de sono e turnos extras dedicados ao cuidado dos pequenos. Com jornadas de trabalho, afazeres domésticos e necessidades individuais na mesa, pode ser difícil encontrar momentos de tranquilidade entre pais e filhos.

    A psicóloga da UFU, Camila Turati Pessoa, afirma que a estruturação de uma rede de apoio para o desenvolvimento infantil também passa pelas relações de trabalho. Ela defende que a presença do pai desde os primeiros dias de vida seja garantida o máximo de tempo possível.

    “Quanto mais as relações de trabalho privilegiem que esse pai possa estar com essa criança, mais estamos pensando a longo prazo enquanto sociedade. Um pai que tem sobrecarga de trabalho, com uma remuneração que, muitas vezes, pouco atende às necessidades básicas, traz consigo condições muito desfavoráveis para que esteja de fato com sua família e com seu bebê de forma plena”, afirma Camila.

    A especialista destaca que os horários de trabalho podem se chocar com a rotina natural de despertar e sono da criança, o que contribui ainda mais para o afastamento paterno.

    “É uma discussão pertinente para a área do trabalho e para as políticas públicas pensar no desenvolvimento infantil considerando o tempo de licença paternidade, o tempo de trabalho dos pais com crianças pequenas, para que isso não seja exclusividade de poucos”, conclui.