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    CNN no Plural+: PrEP e PEP – Armas essenciais na luta contra o HIV

    “Mudar a comunicação é importantíssimo para a gente deixar as pessoas reconstruírem essa ideia que o HIV não é uma questão somente de homens gays, de pessoas LGBT+, é uma questão da população, de saúde pública”, diz comunicólogo e influenciador Lucas Raniel

    Rafael Câmarada CNN , São Paulo

    Não lembro exatamente a data, mas nunca esqueci aquele dia em que meu tio me chamou, junto com meus primos, para mostrar as fotos de uma amiga que lutava, ou melhor, definhava em consequência da AIDS. Ela havia contraído o vírus, que logo evoluiu para a doença, na primeira relação sexual que teve com o namorado.

    No nosso país, desde 1980 (quando a epidemia de AIDS foi declarada) até 2020, mais de 360 mil pessoas morreram.

    Chocante né? Mas foi a maneira que meu tio encontrou para dizer para a gente: por favor, usem camisinha.

    Na época eu já era gay, mas provavelmente não sabia. O que eu já sabia, na época, era que a sociedade chamava a AIDS de doença dos gays.

    Será que ainda devemos pensar assim?

    No Reino Unido, pela primeira vez em uma década, há mais diagnósticos de infecção de HIV entre pessoas heterossexuais do que em homens gays e bissexuais, representando, respectivamente, 49% e 45% dos novos casos registrados pelo governo britânico.

    Isso marca uma clara mudança na forma como encaramos a epidemia de HIV, e quem diz isso não sou eu, e sim o professor de medicina da Imperial College, de Londres, Alan Winston-OKeefe.

    Três fatores principais provavelmente são responsáveis ​​por isso: testes de HIV mais difundidos para que as pessoas saibam se têm HIV e podem prevenir a transmissão; terapia antirretroviral sendo oferecida a todas as pessoas com HIV, gerando uma maior consciência de que uma pessoa indetectável (que possui o vírus do HIV) se iguala a uma pessoa intransmissível, e fazendo com que pessoas que tenham HIV com carga viral indetectável não possam transmitir o HIV; e uso de PrEP.

    Alan Winston-OKeefe, professor de medicina da Imperial College, de Londres

    PrEP? PEP? Nós da comunidade LGBTQIA+ sabemos bem o que significam essas letras e importância delas nas nossas vidas.

    A PrEP (profilaxia Pré-Exposição) e a PEP (profilaxia Pós-Exposição) são estratégias de prevenção à infecção pelo HIV. Esses tratamentos têm o objetivo de proteger pessoas que entraram em contato com o HIV da infecção pelo vírus – fazendo com que o próprio organismo deixe de replicar o vírus e elimine a pequena carga a qual a pessoa foi – ou possa ser – exposta. Quem dá essa aula é o infectologista Rico Vasconcelos. Rico é médico e pesquisador da FMUSP e trabalha desde 2007 atendendo pessoas que vivem com HIV.

    A PrEP, eu tomo o remédio antes de uma relação sexual, eu já planejo que eu vou ter uma exposição, eu sei que eu vou ter uma exposição. Já a PEP é tomada depois de uma relação sexual, de forma emergencial, iniciada até 72 horas depois da relação e tomada por 28 dias. Qualquer pessoa que tome a Prep. ou a PEP direitinho é uma pessoa que vai estar muito bem protegida do HIV.

    Ricardo Vasconcelos, médico e pesquisador da FMUSP

    Agora, para quem foi exposto e acabou sendo infectado pelo vírus, há o que chamamos de tratamento antirretroviral. Ou seja, um conjunto de medicamentos que controlam o HIV até que a pessoa, com o uso contínuo dos remédios, não o transmita mais – ou seja, ela é considerada indetectável.

    E o tratamento antirretroviral é o tratamento que eu dou a uma pessoa que sabe que vive com HIV e, com ele, eu consigo manter o vírus paradinho, sem se multiplicar, sem fazer mal para saúde dele e, desse jeito, eu também consigo impedir que esse vírus seja transmitido por via sexual para seus parceiros ou parceiras, mesmo que essa pessoa não use preservativo.

    Ricardo Vasconcelos, médico infectologista e pesquisador da FMUSP

    Então anota aí.

    Quem vive com o HIV e toma o remédio corretamente é uma pessoa que não transmite o vírus para ninguém. E se quiser, pode até ter filhos, que não vai transmitir o vírus.

    E preciso deixar claro isso, porque o vírus a medicina já conseguiu controlar, mas o preconceito sofrido por quem tem a doença não.

    Lá no começo da epidemia, criou-se o conceito de ‘grupo de risco’ que tinha como objetivo alertar essas pessoas que elas eram mais vulneráveis da infecção por HIV, mas aconteceu que houve um tiro pela culatra, que foi o de estigmatizar esses grupos, como se só eles fossem vulneráveis ao HIV, e criar na população que não faz parte desses grupos de risco, como é o caso de mulheres e homens heterossexuais, a impressão de que ela não precisa se preocupar com a epidemia de HIV”, explica o infectologista Rico Vasconcelos.

    Não sei se você tem a mesma impressão que eu tenho, de como esses medicamentos, a PrEP e a PEP, são desconhecidos por quem não é da comunidade LGBTQIA+.

    E desconhecem também que eles são oferecidos gratuitamente pelo SUS, sistema único de saúde brasileiro. Hoje, apenas o tal “grupo de risco” tem acesso ao tratamento, mas isso deve e precisa mudar.

    “Por enquanto pelo SUS, essas pessoas [héteros] não podem acessar gratuitamente a medicação, mas o protocolo Clínico está passando por uma atualização e inclui nessa atualização uma incorporação de toda a população sexualmente ativa que tenha esse contexto de vulnerabilidade, de não conseguir usar o preservativo de forma correta. Então muito antes do final do ano, eu acredito que essa atualização já vai ser aplicada à vida real aqui no SUS. A vida não começa depois da cura, a vida é agora. Então você que descobriu que vive com HIV, vamos tratar. A gente tem muita coisa para fazer para sua saúde já disponível atualmente e quando a cura chegar, vamos disponibilizar ela para você também. Mas a vida é agora, vamos tomar remédio, vamos zerar a carga viral e vamos continuar com os planos da vida, conta Rico Vasconcelos.

    Continuar os planos da vida era uma missão que parecia quase impossível para Lucas Raniel, comunicador de 29 anos, quando recebeu, há nove, o diagnóstico que havia contraído HIV.

    Se eu tivesse a quantidade de informações que se tem hoje disponíveis para as pessoas, talvez eu não teria entrado em tanto desespero, porque eu entrei em desespero. Eu achei que eu fosse morrer“, conta Lucas. “As imagens que vinham na minha cabeça eram imagens de 1980, porque dentro dos livros escolares durante o ensino fundamental e ensino médio ainda são desatualizadas até hoje essas imagens de pessoas doentes de AIDS, em situações muito mais vulneráveis, não é a imagem real do HIV hoje em dia, né?

    Ele mesmo é a prova que essa imagem não é real.

    Com o uso correto dos medicamentos, Lucas é saudável e indetectável – ou seja, sua taxa viral é tão pequena que não consegue ser detectada no exame.

    E ao invés de se esconder para fugir do preconceito, Lucas coloca a cara nas redes sociais para conscientizar todos nós – gays, lésbicas, transexuais, heterossexuais do perigo de uma doença que, mesmo apresentando quedas expressivas no Brasil e no mundo, matou 680 mil pessoas apenas em 2020 (de acordo com a UNAIDS, órgão da ONU para monitoramento da doença).

     

    Onde já se viu, a gente não pode andar de mão dada na Paulista com nosso namorado, ou então a travesti queimada viva em praça pública? E tudo isso tem ligação com a construção midiática que foi feita em cima da pauta do HIV dizendo que nós, pessoas LGBT+, somos propulsores de uma doença mortal. Então isso se replica até hoje, sabe? Mudar a comunicação é importantíssimo para a gente deixar as pessoas reconstruírem essa ideia que o HIV não é uma questão somente de homens gays, de pessoas LGBT+, é uma questão da população, uma questão de saúde pública.

    Lucas Raniel, comunicólogo e influenciador

    E vale sempre lembrar: Passamos pelo carnaval, festas e encontros que ficaram represados pela pandemia. Então, suspeitou de algo? Procure um médico, se teste, porque tem tratamento para todos.

    Porque a AIDS não escolhe a comunidade que quer habitar.

    • Produção: Letícia Brito
    • Apoio: Carol Raciunas

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