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    Por que nossos cérebros têm dificuldade em lidar com a pandemia de Covid-19

    Vale a pena examinar como os destroços também pioraram por uma característica de nossas psiques – a saber, como lidamos mal com a ambiguidade

    Passageiro do metrô de São Paulo durante a pandemia de Covid-19
    Passageiro do metrô de São Paulo durante a pandemia de Covid-19 Foto: Amanda Perobelli - 16.mar.2020

    Robert M. Sapolsky*, para a CNN

    A Covid-19 é devastadora por muitos motivos. Existem características distintas de como o vírus se espalha e nos adoece. Há preparação, infraestrutura e liderança insuficientes. 

    Naturalmente, existe a desigualdade social que garantiu que o vírus se espalhasse mais entre as pessoas com menos recursos. Mas vale a pena examinar como os destroços também pioraram por uma característica de nossas psiques – a saber, como lidamos mal com a ambiguidade.

    A ambiguidade é muito diferente de seu primo, o risco. Suponha que você tenha que escolher entre duas portas; escolha a correta e você ganha na loteria; escolha a errada e você será espancado até perder os sentidos por alguns bandidos que o jogaram em um beco. É um risco calculado. Suponha, em vez disso, que você deva escolher se deixa um completo estranho decidir se você ganha na loteria ou se vai ser espancado. Isso é ambiguidade. 

    A diferença entre risco e ambiguidade pode ser estudada cientificamente. No cenário de risco, você verá uma caixa fechada com 100 objetos, 50 pretos e 50 brancos. 

    Feche os olhos e escolha um objeto. Se for preto, você recebe uma recompensa; branco, punição. No cenário de ambiguidade, tudo que você sabe é que pelo menos um dos 100 objetos é preto e pelo menos um é branco. Vá em frente e escolha. 

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    No cenário de risco, há 50% de chance de um bom resultado. No caso da ambiguidade, a chance de um bom resultado é, em média, a mesma, mas varia de 1% a 99% – simplesmente não há como saber. As pessoas variam em relação ao quanto estão dispostas a correr riscos, e algumas prosperam nisso. Em contraste, as pessoas odeiam a ambiguidade. 

    Normalmente, as pessoas não gostam mais da ambiguidade do que do risco. É uma resposta antiga – até mesmo os chimpanzés e macacos preferem o risco à ambiguidade. 

    Quando consideramos o risco, ativamos partes de nossos cérebros relacionadas ao cálculor de probabilidades e características da tomada de decisão e, se houver um bom resultado no final, as coisas nos parecem recompensadoras. 

    Em contraste, quando lutamos com ambiguidade, ativamos as regiões cerebrais centrais para a ansiedade e a repulsa, e, se houver um bom resultado, geralmente sentimos menos medo. Embora assumir riscos seja baseado na falta de controle e de previsibilidade, com a ambiguidade os fatores são os mesmos, mas com esteróides. 

    O que nos leva à Covid-19: estamos acostumados a navegar em um mundo de risco médico. Vacine uma população contra a poliomielite e, aproximadamente uma vez em 13,1 milhões de vezes, as coisas dão errado, e a vacina causa em vez de previnir a doença.

    Podemos literalmente pesquisar. E podemos então raciocinar e ir para uma resposta lógica: vacinar seu filho. Outro exemplo: se você fuma, suas chances de morrer de câncer de pulmão são 15 a 30 vezes maiores do que se você não fuma. Resposta razoável: não fume.

    Isso não quer dizer que somos ótimos em avaliar riscos; frequentemente somos péssimos nisso. Em vez de negar a nós mesmos, racionalizamos, concluindo que algo terrivelmente arriscado não se aplica a nós, fazemos contorções mentais para decidir que temos mais probabilidade de morrer por sermos atacados por um grande tubarão branco com o vírus Ebola do que por enviar mensagens de texto enquanto dirigindo.

    Mas, embora o pensamento crítico possa ser atingido em meio ao risco, nossos cérebros se desvendam e ficam descontrolados na paisagem lunar vazia da ambiguidade. E é isso que nosso mundo pandêmico é agora. O coronavírus transportado pelo ar pode infectar você, mesmo que você esteja socialmente distanciado? “Ainda não está claro.”

    Quando haverá uma vacina? “Muito cedo para dizer.”

    Por quanto tempo você produz anticorpos após sobreviver ao Covid-19? “Os pesquisadores estão apenas nos estágios preliminares de compreensão disso.”

    Será que uma segunda onda de doenças superará a primeira onda (como com a pandemia de gripe de 1918)? Por que a Covid-19 pode matar um jovem perfeitamente saudável?

    E os historiadores irão concluir que a reflexão de Trump sobre o tratamento de pacientes com coronavírus com desinfetantes é o evento mais horrível da história presidencial, ou apenas um dos mais horríveis? Fique ligado.

    Quando há uma coisa realmente assustadora e invisível lá fora, a vida se torna um exercício para decidir se um copo monumentalmente importante está meio cheio ou meio vazio.

    Em um extremo, decida que esse vírus invisível não está em lugar nenhum, e logo você estará em uma festa sem máscara (e o que é relevante é que os adolescentes são normalmente menos avessos à ambiguidade do que os adultos).

    No outro extremo, decida que este vírus invisível está em toda parte, em todas as superfícies, em cada brisa que passa pelo topo da montanha para a qual você fugiu na esperança de se sentir seguro, mesmo que brevemente, e logo você fará parte do maremoto atual de ansiedade.

    Respire fundo para se acalmar e reconheça que em meio aos desconhecidos ainda sabemos alguns fatos sobre esse vírus e que há coisas que você pode fazer para ficar mais seguro. Em contraste, decida que você está indefeso, um refém do acaso aleatório, e logo você fará parte do igualmente enorme tsunami atual da depressão.

    Uma época como essa pode nos fazer girar entre a paralisia e a impetuosidade; cega-nos quanto a quem importa o bem-estar; nos leva a uma busca frenética por atribuição de culpa  que nos leva ao bode expiatório. Devemos nos prevenir contra como a ambiguidade pode trazer à tona o que há de pior em nós.

    *Robert Sapolsky é professor de biologia, neurologia e neurocirurgia na Universidade de Stanford. Ele também é o autor de “Behave: The Biology of Humans at Our Best and Worst” (Comportamento: A biologia humana no nosso melhor e pior). As opiniões expressas neste comentário são suas.

    (Texto traduzido. Clique aqui para ler o original, em inglês)