Pessoas com atrofia muscular espinhal enfrentam falta de acessibilidade e de acolhimento
Falta de conhecimento da sociedade sobre a doença e dificuldades para o acesso ao diagnóstico, tratamento e suporte ainda são desafios para a rotina de pessoas com atrofia muscular espinhal no Brasil
A atrofia muscular espinhal, também conhecida como AME, é uma doença rara, genética e neurodegenerativa com incidência de um a cada 10 mil nascidos vivos. No Brasil, estima-se que ela atinja mais de 1.525 brasileiros, de acordo com levantamento realizado pelo Instituto Nacional da Atrofia Muscular Espinhal (Iname).
Uma pesquisa apoiada pela Roche e pelo Iname, com a participação de 144 pessoas, entre pacientes e cuidadores, revela como a doença também pode afetar a vida de familiares, amigos e cuidadores, que têm a realidade alterada a partir do diagnóstico.
A doença afeta as células nervosas da medula espinhal responsáveis por controlar os músculos, bem como outras células presentes em todo o corpo humano. Isso impacta progressivamente funções vitais básicas, como andar, engolir e respirar.
Embora os avanços na medicina representaram melhoras na qualidade de vida dos pacientes, questões como a falta de conhecimento da sociedade sobre a doença, a falta de acessibilidade em locais públicos e dificuldades para o acesso ao diagnóstico, tratamento e suporte ainda são desafios para a rotina da pessoa com atrofia muscular espinhal.
A atrofia muscular espinhal (AME) é uma doença rara, mas oferece impacto considerável para a sociedade. A doença é a principal causa genética de morte em bebês.
A pesquisa destaca os impactos da AME para a qualidade de vida de pacientes e de cuidadores. Segundo o levantamento, as maiores queixas e frustrações estão principalmente no cotidiano, marcado pelo despreparo da sociedade, pela ignorância sobre o tema e ainda por um diagnóstico demorado.
Um total de 97% dos respondentes relataram já terem deixado de frequentar um local por falta de acessibilidade, sendo que 60% mencionam barreiras como a má
qualidade de ruas e calçadas. Nove em cada dez entrevistados afirmaram que o preconceito ou o capacitismo os atingiram de alguma forma, e 81% indicam que a falta
de conhecimento da sociedade sobre a AME é uma barreira prioritária que deveria ser enfrentada.
A pesquisa quantitativa, realizada a partir de um questionário estruturado aplicado pela internet, foi conduzida durante o mês de setembro de 2022, via
redes sociais da Roche Brasil, do Iname, da revista Veja Saúde e do site da editora Abril.
Despreparo da sociedade
Quase todas as pessoas que integraram a pesquisa afirmaram já terem deixado de frequentar um local por falta de acessibilidade. Entre os motivos citados estão calçadas e ruas de má qualidade (lembradas por 60% dos entrevistados), falta de elevadores (47%), portas estreitas (28%), transporte público sem adaptações necessárias (27%).
O despreparo foi mencionado por 73% dos participantes em relação ao Sistema Único de Saúde (SUS) e por 63% na saúde suplementar. Os relatos de discriminação ou capacitismo foram apontados por 94% dos ouvidos.
Para 44% dos participantes, os conteúdos sobre AME nas redes sociais e na mídia são ruins ou péssimos, e raramente representam de maneira fiel o cotidiano dos
pacientes. Só 5% afirmam acreditar que esses materiais são de ótima qualidade. Ainda assim, as redes sociais são uma fonte de informação sobre o assunto para 66% dos respondentes. Médicos (64%) e associações de pacientes (59%) também são fontes comuns de informação.
Em relação à educação, 77% dos entrevistados afirmam ser necessário melhorar a comunicação com a sociedade sobre o convívio com essa condição, e 75% defendem investimentos em informações mais precisas sobre o tratamento.
Acesso ao tratamento
O tratamento da AME evita a progressão da doença, mas os danos provocados não desaparecem. A inclusão efetiva da doença no teste do pezinho do SUS é defendida por 60% dos participantes como um aspecto prioritário dentro do contexto do diagnóstico.
Enquanto isso, dois terços das pessoas com AME tipo 1, que se manifesta de forma mais intensa, receberam o diagnóstico em até três meses após o início dos sintomas. Já metade das pessoas com o tipo 2 e quatro em cada cinco com os tipos 3 ou 4 levam mais de um ano para saber o que têm depois de apresentarem sintomas.
Para mais de 60% dos participantes do levantamento, as terapias medicamentosas e as de suporte melhoram consideravelmente o convívio com a doença.
No entanto, oito em cada dez apontaram dificuldades para conseguir os fármacos e seis em cada dez, para agendar tratamentos de suporte, como fisioterapia, terapia ocupacional e nutricionista, por exemplo.
O custo é apontado como um entrave para 60% dos respondentes. As barreiras ao acesso também incluem deslocamento, falta de medicamentos e terapias de suporte na
rede pública e tempo na agenda.
Detecção precoce
A triagem neonatal para atrofia muscular espinhal (AME), quando combinada com tratamento precoce, resulta em melhor performance de movimento em crianças afetadas, incluindo a capacidade de andar, quando comparada a crianças diagnosticadas assim que os sintomas se desenvolvem.
Os apontamentos são de um novo estudo publicado na revista The Lancet Child & Adolescent Health.
A idade em que os sintomas aparecem é variável, mas eles podem não ser vistos até que o bebê tenha vários meses de idade, e muitos indivíduos com AME apresentam atraso no diagnóstico. Embora atualmente não haja cura, existem opções de tratamento que podem melhorar os sintomas, principalmente quando a criança inicia o tratamento antes do desenvolvimento dos sintomas clínicos.
A pesquisadora Arlene D’Silva, da Universidade de New South Wales, da Austrália, afirma que a triagem neonatal foi proposta como a porta de entrada para o diagnóstico precoce e acesso mais oportuno ao tratamento para AME. No entanto, até agora havia falta de evidências sobre o impacto da triagem neonatal para AME além das populações não diversas em ensaios clínicos.
“Nosso estudo é o primeiro a analisar dados do mundo real sobre como as crianças com AME diagnosticadas por meio de triagem neonatal se saem em comparação com crianças diagnosticadas após o desenvolvimento dos sintomas. Acreditamos que nossas descobertas justificam uma implementação mais ampla da triagem neonatal para AME”, diz Arlene.
Durante o estudo, a saúde de 15 recém-nascidos diagnosticados com atrofia muscular espinhal após um resultado positivo de triagem entre 1º de agosto de 2018 e 1º de agosto de 2020 foi comparada com a de 18 bebês e crianças com AME diagnosticados após encaminhamento clínico com sintomas da doença nos dois anos anteriores ao início do programa. Das 15 crianças diagnosticadas pela triagem, nove não apresentaram sintomas nas primeiras semanas de vida e foram consideradas pré-sintomáticas quando iniciaram o tratamento.
Dois anos após o diagnóstico, a capacidade das crianças de sentar, engatinhar, ficar de pé e andar foi avaliada por profissionais de saúde, juntamente com alguma outra medida de capacidade de movimento. Três das crianças (uma diagnosticada pela triagem e duas pelo início dos sintomas) no estudo entraram em cuidados paliativos durante os dois anos após o diagnóstico.
Os pesquisadores descobriram que 11 das 14 das crianças diagnosticadas pela triagem estavam andando de forma independente ou com assistência dois anos após o diagnóstico, em comparação com apenas 1 de 16 das crianças diagnosticadas após os sintomas iniciais. As crianças diagnosticadas pela triagem também pontuaram melhor em média em outras medidas de habilidade de movimento e independência em tarefas cotidianas do que as crianças diagnosticadas por sintomas. Isso ocorre apesar de todas as crianças diagnosticadas pela triagem serem mais jovens do que o outro grupo.
“Nosso estudo sugere que a triagem neonatal para AME reduz os atrasos atuais em crianças sendo diagnosticadas e tratadas. A triagem e o diagnóstico precoces são essenciais para proporcionar às crianças com AME melhores resultados de saúde e qualidade de vida. É extremamente promissor que a maioria das crianças diagnosticadas por triagem neonatal em nosso estudo conseguisse andar após dois anos, em comparação com as crianças diagnosticadas com sintomas que, em sua maioria, só conseguiam sentar sem ajuda”, diz a pesquisadora Didu Kariyawasam, da Universidade de New South Wales.