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    Pesquisa aponta novos alvos para desenvolvimento de anticoncepcional para homens

    Foco do projeto é a proteína EPPIN, que tem como função principal modular a capacidade dos espermatozoides de nadar até o óvulo

    Janaína Simõesda Agência Fapesp

    A partir do estudo de uma proteína existente no espermatozoide, pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) descobriram dois novos alvos que, combinados, podem ser utilizados para o desenvolvimento de anticoncepcionais para homens.

    O estudo também demonstra a possibilidade do uso de camundongos como modelo para testes in vivo. Até o momento, os cientistas interessados nessa proteína têm feito experimentos com primatas, o que torna a pesquisa mais complexa, demorada e cara.

    O foco do projeto é a EPPIN, sigla em inglês para inibidor de protease epididimária, cuja função principal é modular capacidade dos espermatozoides de nadar até o óvulo, chamada de motilidade.

    Cientistas e indústria farmacêutica procuram desenvolver anticoncepcionais que atuem na motilidade do espermatozoide, uma vez que é mais difícil chegar a um fármaco capaz de impedir a produção do gameta masculino.

    “O grau de complexidade da produção do espermatozoide é maior que o da produção do óvulo feminino. O processo de espermatogênese dura cerca de dois meses e ocorre de forma contínua”, explica Erick José Ramo da Silva, professor do Departamento de Biofísica e Farmacologia do Instituto de Biociências de Botucatu da Unesp.

    Os resultados da pesquisa foram publicados no periódico científico Molecular Human Reproduction. “Se fosse produzido um contraceptivo masculino que impedisse a produção do espermatozoide, o medicamento demoraria de três a quatro meses para apresentar efeito a partir do momento em que um homem começasse a usá-lo”, completa.

    Autorização para nadar

    Para entender como a proteína EPPIN atua, é preciso mergulhar em detalhes sobre o processo de fertilização humana. Quando o homem ejacula, o espermatozoide é expulso do epidídimo, onde fica armazenado, e segue pela uretra, sendo banhado nesse caminho por vários fluidos vindos de órgãos como a glândula seminal, a próstata e o epidídimo.

    No caso dos mamíferos, especialmente dos primatas, o sêmen recém-ejaculado tem aspecto gelatinoso e é bastante viscoso, pois é composto por várias proteínas que formam o chamado coágulo de sêmen. Uma delas é a semenogelina, com a qual a EPPIN interage, bloqueando a locomoção do espermatozoide. “Até a ejaculação, o espermatozoide não nada, apesar de já ter a maquinaria para isso”, explica Silva.

    Para continuar seu caminho em direção ao óvulo, o espermatozoide precisa ser liberado do coágulo de sêmen, que é semelhante a um gel em razão da presença de proteínas secretadas pelas vesículas seminais.

    Nesta etapa entra em ação a protease PSA, ou antígeno prostático específico, conhecida como marcador para diagnóstico de câncer de próstata. A PSA cliva várias proteínas que formam esse coágulo, liquefazendo o sêmen. Entre as proteínas “quebradas” está a semenogelina.

    “Com a clivagem feita pela protease PSA, o espermatozoide pode nadar, o que chamamos de motilidade progressiva, e penetrar nas camadas mais externas do óvulo, em um movimento conhecido como motilidade hiperativada”, detalha o pesquisador.

    Esse processo de clivagem de proteínas pela PSA ocorre no trato reprodutor feminino, entre cinco e dez minutos após a ejaculação. “Até o momento em que a PSA atua, o único mecanismo que está levando o espermatozoide em direção ao óvulo é a ejaculação. Ele não precisa de motilidade antes dessa etapa e por isso salva energia para percorrer todo o restante do caminho até o útero”, acrescenta.

    Em pesquisas anteriores, macacos receberam vacinas de EPPIN humana recombinante, produzidas em laboratório por microrganismos geneticamente modificados, e desenvolveram anticorpos capazes de se ligar a essa proteína, o que causou infertilidade ao bloquear os processos de quebra da semenogelina e atrasar a liquefação do sêmen. Isso comprovou que a EPPIN está relacionada ao controle da motilidade do espermatozoide.

    Como há muitas diferenças entre roedores e primatas, a opção inicial dos cientistas foi trabalhar com os animais do segundo grupo. Já na pesquisa conduzida pela equipe de Silva, a opção foi usar os camundongos como modelo experimental. Isso porque eles apresentam uma proteína, a SVS2, que faz o mesmo papel da semenogelina nos humanos: se une à EPPIN e bloqueia o movimento do espermatozoide.

    Resultados promissores

    Na pesquisa conduzida na Unesp, os camundongos receberam três tipos de anticorpos para verificar se eles se ligavam à EPPIN e bloqueavam a motilidade dos espermatozoides. Ao se ligarem à molécula-alvo, os anticorpos mostraram em quais domínios da proteína deveria haver uma intervenção para reduzir ou impedir a motilidade do espermatozoide.

    “Como os anticorpos são feitos para atuar contra um pedaço da proteína, eles não se ligam a outras porções da EPPIN”, explica o cientista.

    Os anticorpos que inibiram a motilidade espermática se ligaram a uma região inicial da cadeia peptídica chamada de “C-terminal Kunitz”, o que já era esperado. Mas outros anticorpos que se ligaram ao domínio “N-terminal WFDC” também apresentaram capacidade de inibir a motilidade espermática – uma novidade para os cientistas. Além disso, ambos os anticorpos contra as regiões C-terminal e N-terminal promoveram a inibição da taxa de fertilização in vitro, confirmando que sua ligação à EPPIN afeta o potencial fértil do espermatozoide.

    Ao verificar a motilidade dos espermatozoides, foi constatada a sua redução, o que comprova que ambas as regiões apresentam inibidores de protease que regulam a motilidade e que podem ser alvo de novos fármacos. Ou seja, a pesquisa mostrou ser possível desenhar moléculas que se liguem a essas duas regiões e não apenas à C-terminal, impedindo a motilidade dos espermatozoides.

    A pesquisa também aponta quais sequências da cadeia de 133 aminoácidos que formam a EPPIN devem ser o alvo de quem pensa em desenvolver um anticoncepcional para homens que atue na motilidade dos espermatozoides. Por fim, comprova que é possível usar camundongos como modelos para testes in vivo, o que pode tornar a pesquisa pré-clínica mais simples, rápida e barata.

    O artigo que descreve esses resultados tem como autores principais Alan Andrew dos Santos Silva e Tamiris Rocha Fanti Raimundo, que desenvolveram a pesquisa durante o mestrado no Departamento de Biofísica e Farmacologia da Unesp.

    Apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o estudo foi desenvolvido em parceria com o Departamento de Farmacologia e também com o de Ciências Biológicas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), além do Instituto de Biología y Medicina Experimental do Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas, da Argentina.

    Como próximos passos, Silva vai coordenar uma equipe que procurará desenhar pequenas sequências de aminoácidos capazes de se ligar à EPPIN de forma semelhante à da semenogelina e testá-los para ver se interrompem a motilidade espermática. Já há uma parceria com pesquisadores de Portugal e do Reino Unido com esse objetivo.

    A ideia é testar em camundongos no Brasil e usar sêmen humano nos testes em Portugal, onde os procedimentos para obter esse material biológico são mais céleres.

    “Queremos estudar agora o mecanismo de ação, como ocorre a inibição e quais etapas acontecem para ocorrer a interrupção da motilidade. Com isso, podemos identificar até outros alvos, outras proteínas específicas do espermatozoide que estão envolvidas nesse processo”, finaliza.

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