Perspectivas para 2022 da única brasileira no grupo consultivo da OMS de Covid
Pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Marilda Siqueira acompanhou a emergência da Covid-19 desde os primeiros casos em 2019. Equipe trabalha no diagnóstico e estudo genético do vírus
No dia 31 de dezembro de 2019, o escritório da Organização Mundial da Saúde (OMS) na China foi informado sobre casos de pneumonia de causa desconhecida detectados na cidade de Wuhan.
Poucos dias depois, em 3 de janeiro de 2020, autoridades sanitárias da China notificaram 44 pacientes com pneumonia de origem desconhecida à OMS. Pesquisadores chineses identificaram que os casos estavam associados a um novo tipo de coronavírus, isolado em laboratório no dia 7 de janeiro.
Em 12 de janeiro, a China compartilhou a sequência genética do novo coronavírus para que os países pudessem desenvolver kits de diagnóstico específicos.
No Brasil, a equipe do Laboratório de Vírus Respiratórios e do Sarampo do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) se mobilizou desde as primeiras suspeitas de um novo vírus. Desde então, atuam no enfrentamento da maior pandemia dos últimos tempos.
A pesquisadora Marilda Siqueira, chefe do laboratório da Fiocruz, acompanhou a emergência da Covid-19 desde os primeiros relatos na China. Uma das principais cientistas em vírus respiratórios do país, Marilda é a única brasileira a integrar o Grupo Consultivo Técnico sobre Evolução do Vírus SARS-CoV-2 da OMS.
O comitê conta com a participação de 25 cientistas, de diversos países, com atuação em especialidades como virologia, bioinformática e epidemiologia. O Grupo Consultivo Técnico foi oficializado pela OMS em outubro. No entanto, desde junho de 2020, os pesquisadores já se reuniam para avaliar mutações no genoma e a emergência de novas variantes do coronavírus.
Com a formalização, os especialistas passaram a se reunir regularmente pelo menos duas vezes ao mês, além de atender chamados de urgência, como as discussões que levaram a OMS a classificar a linhagem Ômicron como uma variante de preocupação.
Em entrevista à CNN, a pesquisadora Marilda Siqueira traçou um panorama da pandemia de Covid-19 e as perspectivas do cenário epidemiológico da doença em 2022.
Antes, relembre como foi o ano de 2021 na perspectiva da saúde:
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7 de janeiro de 2021: País atinge as 200 mil mortes por Covid-19 e torna-se o segundo país do mundo com maior número de óbitos – ficando atrás somente dos Estados Unidos. A média diária de mortos foi 741 para quase três mil. • Barcroft Media via Getty Images
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14 de janeiro de 2021: O estoque de oxigênio em Manaus esgota e o sistema de saúde da cidade entra em colapso. Diversos pacientes com Covid-19 em estado grave morreram pela falta do insumo. Entre os dias 15 e 19 de janeiro, pelo menos 30 pessoas faleceram por falta de oxigênio. • Foto: MAT / Divulgação
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15 de março de 2021: O general Eduardo Pazuello deixa o cargo de Ministro da Saúde e o médico Marcelo Queiroga assume o posto. Assim, Marcelo torna-se o quarto ministro da saúde durante pandemia. • Jefferson Rudy/Agência Senado
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16 de março: De acordo com a Fiocruz, o país vive o maior colapso do sistema de saúde de toda a história do Brasil. São 24 estados mais o Distrito Federal que possuem taxas de ocupação de leitos de UTIs iguais ou superiores a 80%. • Foto: Reprodução/CNN
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8 de abril de 2021: O Brasil bateu novo recorde de mortes por Covid-19 registradas em 24 horas. Foram 4.249. O total de vítimas durante toda a pandemia de Covid-19 subiu para 345.025. Foram confirmados no mesmo período 86.652 novos diagnósticos positivos
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27 de abril de 2021: O Senado instalou a CPI da COVID-19, Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar ações e omissões do governo federal e eventuais desvios de verbas federais enviadas aos estados para o enfrentamento da pandemia. • Foto: Pedro França/Agência Senado
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29 de abril de 2021: O Brasil bateu a marca dos 400 mil mortos pela Covid-19. Com 3.001 novos óbitos registrados neste dia, o total de pessoas que perderam a vida para o novo coronavírus chegou a 401.186. • Foto: Amanda Perobelli/Reuters (22.mai.2020)
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04 de maio de 2021: Morre o ator Paulo Gustavo, aos 42 anos, vítima da Covid-19. Ele estava internado em um hospital no Rio de Janeiro • Foto: Reprodução/Instagram
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2 de junho de 2021: De acordo com um levantamento da Associação Brasileira Transplante Órgãos (ABTO), o número de doadores de órgãos caiu 26% no país em 2021 devido à pandemia de Covid-19. • Breno Esaki/Agência Saúde DF
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11 de junho: A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou a indicação da vacina Comirnaty, da Pfizer, para crianças com 12 anos de idade ou mais. Com isso, a bula da vacina passou a indicar esta nova faixa etária para o Brasil. • Breno Esaki/Agência Saúde DF
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18 de junho de 2021: A variante Delta da Covid-19, identificada pela primeira vez na Índia, está se tornando a variante da doença dominante no mundo, disse a cientista-chefe da Organização Mundial da Saúde (OMS). • Getty Images
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18 de junho de 2021: O Sindicato dos Enfermeiros do Rio de Janeiro (Sindenfrj) recebeu relatos de profissionais que atuam nos postos de vacinação sobre a rejeição da vacina contra a Covid-19 da AstraZeneca. • REUTERS/Dado Ruvic
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19 de junho de 2021: O Brasil ultrapassou a marca de 500 mil mortos pela Covid-19, se tornando o segundo país no mundo com o maior número de vítimas da Covid-19, atrás apenas dos Estados Unidos, que registram 601.574 mortes, segundo dados da Universidade Johns Hopkins. • Foto: Ricardo Moraes/Reuters
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19 de junho de 2021: Um grupo de cientistas brasileiros da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e do Instituto D’Or de Pesquisa descreveu pela primeira vez como o SARS-CoV-2 invade as células neuronais e provoca danos ao cérebro.Parágrafo RemoveImagens • Getty Images
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23 de junho de 2021: Cerca de 10% da população em todo o mundo, o equivalente a mais de 782 milhões de pessoas, está totalmente vacinada contra a Covid-19, de acordo com Our World in Data. Mas a cobertura de vacinação varia muito por região e por nível de renda de um país. • REUTERS/Pilar Olivares
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10 de julho de 2021: O levantamento feito pelo Ministério da Saúde informa que subiram de 165 para 179 os casos de Covid-19 entre 11 de junho e 10 de julho entre os participantes da Copa América. • REUTERS/Henry Romero (10/07/2021)
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9 de agosto de 2021: O novo relatório epidemiológico da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) revela que a variante Delta do coronavírus já é a dominante em todo o mundo. Globalmente, ela foi identificada em quase 90% das amostras sequenciadas. • Getty Images
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10 de agosto de 2021: Pela primeira vez em 2021, todos os estados brasileiros apresentaram boletins com ocupação de leitos de UTI para Covid-19 inferior a 80% em unidades públicas. • REUTERS/Carlos Osorio
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12 de agosto de 2021: O ator Tarcísio Meira morreu no dia 12/08 aos 85 anos, vítima da Covid-19. A informação foi confirmada pela assessoria do ator. Tarcísio estava internado no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, ao lado da esposa Glória Menezes, de 86 anos.
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20 de agosto de 2021: O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB) a redução do intervalo entre a primeira e a segunda dose das vacinas da Pfizer e da AstraZeneca na capital paulista. • CNN/Reprodução
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24 de agosto de 2021: Um amplo estudo global realizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Imperial College de Londres revelou um retrato preocupante da pressão alta no mundo. Em cerca de 30 anos, o número de pessoas vivendo com hipertensão no planeta dobrou. • Foto: Getty Images (PeopleImages)
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29 de agosto de 2021: O Brasil registrou 1.573 casos de Covid-19 ocasionados pela variante Delta, altamente contagiosa. Os dados são do balanço do Ministério da Saúde divulgados no dia 29/08, a partir da notificação das secretarias estaduais de Saúde. • Breno Esaki/Agência Saúde DF
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5 de setembro de 2021: Agentes da Polícia Federal interromperam, a pedido a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a partida entre Brasil e Argentina, válida pelas Eliminatórias da Copa do Mundo. Isso porque quatro jogadores argentinos furaram a quarentena imposta pelo governo brasileiro por causa da pandemia da Covid-19. A partida foi oficialmente suspensa posteriormente. • REUTERS/Amanda Perobelli
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6 de setembro de 2021: O Brasil registrou 182 mortes e 9.154 novos casos de Covid-19 nas últimas 24 horas, de acordo com dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) no dia 6/09. Este é o menor número de óbitos registrados pela pandemia desde 15 de novembro de 2020, quando o país teve 140 mortes. • Amanda Perobelli - 03.jun.2020 / Reuters
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6 de setembro de 2021: A agência reguladora de medicamentos do Chile aprovou o uso da Coronavac, vacina contra Covid-19 produzida pela farmacêutica chinesa Sinovac, para uso em crianças com mais de 6 anos. • Breno Esaki/Agência Saúde DF
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15 de setembro de 2021: o Ministério da Saúde recomendou a suspensão da vacinação contra Covid-19 de adolescentes de 12 a 17 anos sem comorbidades no país. A recomendação surgiu em uma nota técnica divulgada no dia 15/09. • 18/08/2021 REUTERS/Adriano Machado
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28 de setembro de 2021: A campanha de vacinação com doses de reforço contra a Covid-19 será ampliada para pessoas acima de 60 anos no Brasil. A partir das próximas remessas, os estados e o Distrito Federal receberão doses para vacinar mais uma vez as pessoas com 60 anos ou mais. • Valter de Paula/Secom/PMU
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1 de outubro de 2021: Os Estados Unidos ultrapassaram, no dia 1/10, a marca de 700 mil mortes causadas pela Covid-19, 108 dias após atingir as 600 mil mortes. O país já somava 700.258 óbitos e 43.615.149 infecções geradas pela doença, segundo dados da Universidade Johns Hopkins, na data. • Reuters
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1 de outubro de 2021: Um levantamento da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) indicou que, em 2020, o número de mamografias realizadas por mulheres entre 50 e 69 anos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) foi de 1,1 milhão – em 2019, foram 1,9 milhão. • Claudio Vieira/PMSJC
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5 de outubro de 2021: Com 46,8% de cobertura vacinal completa, a prefeitura de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, publicou, no dia 5/10, um decreto desobrigando o uso de máscara facial no município. • Raul Santana
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7 de outubro de 2021: O Brasil atingiu no dia 7/10 a marca de 600 mil mortes causadas pela Covid-19, segundo dados levantados pela Agência CNN com as secretarias estaduais de saúde. Ao todo, o Brasil somava 600.067 vítimas na pandemia na data. • Foto: ONG Rio de Paz
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14 de outubro de 2021: A pandemia de Covid-19 reverteu anos de progresso global no combate à tuberculose e, pela primeira vez em mais de uma década, as mortes por esta doença aumentaram, de acordo com o Global Tuberculosis Report 2021 da Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgado no dia 14/10. • Foto: Joel Bubble Ben/Shutterstock
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20 de outubro de 2021: O Brasil alcançou, nesta quarta-feira (20), a marca de 50% da população geral com vacinação completa contra a Covid-19. A informação é de um levantamento realizado pela Agência CNN com base em dados das secretarias estaduais de Saúde de todo o país. • REUTERS/Sumaya Hisham
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25 de outubro de 2021: O Facebook e o Instagram excluíram a live do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). No vídeo, o presidente associa a vacinação contra a Covid-19 ao desenvolvimento do vírus da Aids.
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01 de novembro de 2021: O número de pessoas que morreram de Covid-19 em todo o mundo ultrapassou os 5 milhões, de acordo com dados da Universidade Johns Hopkins (JHU). • Marcello Casal Jr/Agência Brasil
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18 de novembro de 2021: Academia Nacional de Medicina alerta para necessidade de desenvolver vacinas mais potentes e possibilitar que países de baixa renda possam fazer os próprios imunizantes. Uma pandemia de gripe como a de 1918 poderia ser ainda pior do que a da Covid-19, e o mundo não está pronto para enfrentá-la, de acordo com a agência. • Unsplash
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24 de novembro de 2021: Um estudo publicado na revista Nature Communications indicou que vírus quase idênticos ao SARS-CoV-2 (com correspondência de 92,6% de suas identidades nucleotídicas) foram encontrados em amostras de 2010 provenientes de dois morcegos do Camboja, país do sudeste asiático. • Foto: Reprodução
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24 de novembro de 2021: Identificada pela primeira vez em Botsuana, no sul da África, a B.1.1.529 tem preocupado cientistas por ter muitas mutações que podem conferir vantagens ao vírus. A cepa também foi encontrada na África do Sul e em Hong Kong Identificada pela primeira vez em Botsuana, no sul da África, a B.1.1.529 tem preocupado cientistas por ter muitas mutações que podem conferir vantagens ao vírus. A cepa também foi encontrada na África do Sul e em Hong Kong • REUTERS/Dado Ruvic
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26 de novembro de 2021: A linhagem B.1.1.529 do novo coronavírus foi classificada como variante de preocupação pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A decisão é fruto de uma reunião de urgência convocada pelo grupo de trabalho sobre a Covid-19 da OMS. No comunicado, a OMS também definiu o nome técnico da nova variante: Ômicron. • 02/02/2020 REUTERS/Denis Balibouse
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27 de novembro de 2021: O Brasil proibiu voos com destino ao país que tenham origem ou passagem pela República da África do Sul, República de Botsuana, Reino de Essuatíni, Reino do Lesoto, República da Namíbia e República do Zimbábue. • Foto: RENATO S. CERQUEIRA/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
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2 de dezembro de 2021:
O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, anunciou cancelamento do Réveillon na capital paulista. Nunes estava em viagem a Nova York acompanhado do governador do estado de SP, João Doria (PSDB), e confirmou o cancelamento em uma entrevista coletiva. • Marcelo Pereira/SECOM
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3 de dezembro de 2021: O Boletim InfoGripe da Fiocruz indicou que 13 dos 27 estados tiveram sinais de crescimento nos casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG). Diferentemente do boletim anterior, o aumento dos casos foi constatado em todas as faixas etárias abaixo dos 60 anos. A Fiocruz, no entanto, ressaltou que foi um crescimento leve de casos, podendo ser compatível com um cenário de oscilação, para mais, em torno de uma situação estável, mas que é preciso acompanhar com cautela se é uma tendência a longo prazo ou algo pontual. • Getty Images (PeopleImages)
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6 de dezembro de 2021: Interrupções na saúde ligadas à pandemia do novo coronavírus fizeram com que a malária causasse 69 mil mortes a mais em 2020, em comparação com o ano anterior. Entretanto, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) que declarou que o pior cenário foi evitado. • Foto: James Gathany/CDC
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10 de dezembro de 2021: O site do Ministério da Saúde (www.saude.gov.br/) sofreu um ataque hacker na madrugada e saiu do ar. Segundo a mensagem publicada no endereço, “dados internos dos sistemas foram copiados e excluídos”. • Getty Images
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13 de dezembro de 2021: Boris Johnson, primeiro-ministro do Reino Unido, afirmou que uma pessoa já morreu em consequência da Ômicron na Inglaterra • Jeremy Selwyn - WPA Pool/Getty Images
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15 de dezembro de 2021: Uma pesquisa da Fundação do Câncer mostra que 65,7% das mulheres com diagnóstico de câncer de mama, sem plano de saúde, demoram mais de 60 dias para iniciar o tratamento da doença, tempo limite indicado por especialistas. • Reprodução
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16 de dezembro de 2021: A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou o uso da vacina da Pfizer contra a Covid-19 em crianças de 5 a 11 anos de idade no Brasil. A decisão foi divulgada após avaliação técnica do pedido submetido pela farmacêutica no dia 12 de novembro. • REUTERS/Rodrigo Garrido
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16 de dezembro de 2021: O estado da Bahia registrou a primeira morte relacionada ao subtipo H3N2 do vírus da gripe Influenza A. De acordo com as secretarias de Saúde da cidade e do estado, a vítima, que faleceu por conta de complicações provocadas pela variante do vírus da gripe, era uma idosa de 80 anos.
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CNN: Como foi a mobilização diante dos primeiros casos de infecção desconhecida identificados em dezembro de 2019?
Marilda Siqueira: As atividades que regularmente tínhamos no nosso laboratório de enfrentamento de várias epidemias, como influenza, anualmente, e sarampo, foram escalonadas exponencialmente.
Desde o início, nós participamos junto à Fundação Oswaldo Cruz colaborando com Bio-Manguinhos para que o Brasil tivesse um kit de diagnóstico molecular para detecção do coronavírus pela reação de PCR em tempo real.
Isso foi resultado de um trabalho intenso que fez com que, até meados de março de 2020, o Brasil tivesse um kit comercial que fosse distribuído para todos os laboratórios de saúde pública, chamados LACENs, um em cada estado do país. Todas as equipes desses laboratórios foram treinadas para utilizar essa metodologia.
Em fevereiro de 2020, nós capacitamos nove países da América Latina a pedido da Organização Pan-Americana da Saúde. Foram meses de trabalho intenso para que pudéssemos estabelecer junto com o Ministério da Saúde uma rede de laboratórios que apoiasse o diagnóstico dos casos suspeitos no Brasil.
CNN: Quais foram os principais impactos da pandemia de Covid-19?
MS: Todas as equipes das diferentes áreas que trabalham com Covid-19, a nível hospitalar, de produção de vacinas, diagnóstico e pesquisa, todo mundo está realmente bastante cansado. Mas é o que temos que fazer no momento, é a maneira de encarar esse desafio e enfrentamento esperando por dias melhores.
A nível pessoal, a pandemia também impactou bastante. O contato com vários familiares ficou bastante reduzido, durante esses meses todos da pandemia. Isso é um difícil também, pois ficamos com um cansaço muito grande e sem ver as pessoas que são parte importante da nossa vida da maneira e na frequência como gostaríamos de encontrá-los.
Infelizmente, o número de mortos na pandemia no Brasil está sendo muito grande e eu também perdi entes queridos, pessoas que foram absolutamente importantes na minha vida. Isso é um baque muito grande e causa de muita tristeza.
De certa maneira, é um fortalecimento para continuarmos nessa luta, cada um fazendo a sua parte para que a gente possa pelo menos melhorar ou diminuir um pouco todo esse impacto negativo que a pandemia tem causado na vida de cada um de nós.
CNN: Quais são os principais projetos em desenvolvimento neste momento?
MS: Estamos com muitos projetos de pesquisa em andamento, vários deles ligados à efetividade das vacinas que são utilizadas no nosso país. Nesses projetos, colaboramos com vários grupos de pesquisa e com a Organização Pan-Americana da Saúde.
Monitorar a efetividade das vacinas nas populações é uma questão absolutamente importante para que possamos ter perspectivas de mudanças de estratégias utilizadas para o controle da doença que sejam mais efetivas. No fundo, o que queremos é isso: continuar trabalhando muito para que as estratégias utilizadas sejam cada vez mais eficientes.
CNN: Como funciona o grupo consultivo da OMS para a evolução do novo coronavírus?
MS: Esse grupo consultivo de análise genômica é muito importante por que precisamos ter um acompanhamento em tempo real da situação do monitoramento dessas variantes nas diversas regiões do mundo. O grupo tem 25 pesquisadores, de vários países do mundo, de diferentes especialidades como bioinformatas, biologistas moleculares, epidemiologistas, clínicos, entre outras áreas.
A cada nova variante, esse grupo não somente designa qual o nome da nova variante como recentemente no caso da Ômicron, mas também acompanhamos em tempo real como essa linhagem se comporta em termos de mudança de transmissibilidade, casos mais graves, escape da resposta imune ou como a cepa afeta os testes de diagnóstico disponíveis atualmente.
Nas reuniões, participam também especialistas de várias universidades e centros de pesquisa como convidados, mostrando os dados encontrados nas pesquisas. Nesta semana, um grupo de especialistas de diferentes partes do mundo participou da reunião mostrando achados observados em relação à metodologia de PCR em tempo real, que é utilizada no mundo inteiro para a detecção do vírus.
É uma maneira de centralizar essa informação com um grupo que está pensando e discutindo com técnicos, pesquisadores e especialistas nessa área, divulgando esses resultados de uma maneira transparente pelo site da OMS e enviando informações às autoridades de saúde dos países.
Temos um grupo que trabalha bastante coeso discutindo e convidando especialistas externos para entender a evolução dessas variantes ao longo do tempo e os possíveis impactos delas em questões como vacina, diagnóstico e tratamento.
CNN: Qual a importância da participação do Brasil nesse grupo consultivo da OMS?
MS: A OMS escolheu esse grupo baseado na expertise dos membros e considerando diversas localidades do mundo para ter essa visão mais ampla da problemática e realidade de cada um. As realidade da Inglaterra e dos Estados Unidos, por exemplo, sçao muito diferentes da nossa no Brasil ou da África do Sul.
Uma grande discussão do grupo é sobre qual é seria o número de amostras sequenciadas para que possamos ter representatividade do que acontece em cada país. Essa é uma pergunta importante e difícil de ser respondida. Se ela for respondida por alguém da Inglaterra, que é o país que mais sequencia em relação à população no mundo, teremos uma visão distorcida da realidade de muitos países, inclusive do Brasil.
Os ingleses conseguiram se organizar e obtiveram financiamentos para sequenciar um número imenso de amostras por semana. Isso não se aplica à realidade brasileira, latino-americana, africana, assim como da maioria dos países da Ásia.
Precisamos ter grupos com especialistas de áreas diferentes e com visões dos países e da região onde vivem bastante claras para que as recomendações da OMS sejam mais próximas da realidade e daquilo que é factível de ser desenvolvido pelos países.
CNN: Qual a importância do compartilhamento de informações científicas neste momento da pandemia?
MS: O número de genomas do novo coronavírus disponibilizado atualmente é incrível. É a primeira vez na história da ciência que temos um número de genomas de um agente etiológico feitos de uma maneira tão expressiva e em curto espaço de tempo.
O compartilhamento da informação científica é absolutamente importante neste momento para o melhor entendimento das questões envolvendo as variantes do vírus. A partir de análises desse banco de dados, podemos ter um melhor entendimento das linhagens e recomendar ações concretas para os países.
A OMS classifica as variantes encontradas em três grupos: sob monitoramento, de interesse e de preocupação, para que os países quando receberem essa informação, já se preparem para uma possível entrada dessas variantes e tomem medidas estratégicas para evitar que o impacto seja muito grande.
Felizmente, a maioria dos grupos que trabalham com genômica está liberando seus dados praticamente em tempo real. Isso é fundamental para avançarmos em um melhor controle desse vírus.
CNN: O que se sabe sobre a variante Ômicron até o momento?
MS: Até o momento, sabemos que a variante Ômicron apresenta um perfil de maior transmissibilidade, associado às diversas mutações encontradas na região da proteína Spike do vírus. Estamos em sistema de alerta, fazendo reuniões frequentes para acompanhar de perto todos os indicadores relacionados a essa variante.
Até o momento, são conhecidas as mutações presentes no genoma da Ômicron, que sinalizam para o potencial de maior transmissibilidade, mas não sabemos o quanto isso vai impactar, principalmente, em hospitalizações e mortes. Outras questões estão sendo avaliadas. Nas próximas semanas, teremos informações mais robustas.
Temos que divulgar informações, mas temos que divulgar informações robustas. Como cientistas, não podemos trabalhar pensando em estar na primeira página dos jornais. Temos que trabalhar em cima de informações que cientificamente têm um embasamento bastante forte. Para isso, precisamos de um tempo, um pouco mais de conhecimento e de análises realizadas para que essas informações sejam divulgadas de maneira bastante precisa.
CNN: Quais são as suas expectativas para 2022?
MS: Para 2022, espero que o Brasil tenha uma cobertura vacinal bastante importante. Estamos neste momento com 65% da população vacinada com duas doses e com vários grupos prioritários já com a terceira dose. Espero que com essa elevada cobertura vacinal que conseguimos ter no nosso país seja possível voltar um pouco mais para a normalidade no próximo ano.
A volta à normalidade depende de uma série de fatores. Depende de nós, como humanidade, conseguirmos que a distribuição de vacinas em todos os países do mundo seja feita de uma maneira mais equitativa. Estamos com uma distribuição muito pouco uniforme, temos muitos países especialmente da África, em que a cobertura vacinal é muito pequena. Países onde a cobertura vacinal está em torno de 2%.
Espero que tanto a distribuição dos imunizantes como o acesso à saúde sejam mais uniformes para impactar todos os países de uma maneira mais positiva no controle da pandemia. Isso é algo que eu gostaria de ver e acredito que, como humanidade, vamos dar um passo melhor em relação a isso.
Não podemos pensar que o africano tem que tomar a vacina para que nós fiquemos protegidos contra novas variantes. O pensamento é: todos nós seres humanos merecemos ter acesso às vacinas, merecemos ter uma melhor qualidade de vida, uma redução de mortalidade e de impacto social e econômico que está sendo muito forte para todos os países
Marilda Siqueira, pesquisadora da Fiocruz
O retorno à normalidade é muito importante para que o impacto socioeconômico negativo seja diminuído em todos os países e para que consigamos, pessoal e coletivamente, ter uma qualidade de vida melhor.
CNN: O cenário epidemiológico da Covid-19 em 2022 poderá melhor que o dos últimos dois anos?
MS: Nós temos grandes chances de estarmos em momentos melhores da pandemia em 2022. Por várias razões, a começar pelo conhecimento que temos deste vírus, que é muito maior do que em janeiro e fevereiro de 2020, por exemplo.
Temos conhecimento em diversos aspectos clínicos de como esse vírus pode se comportar, e quais são os exames laboratoriais necessários para um bom acompanhamento clínico dos casos, por exemplo.
Hoje, contamos com medicações específicas para as diferentes manifestações clínicas que o vírus possa causar. O tratamento ao paciente melhorou muito. Nós precisamos ter mais antivirais direcionados a esse vírus, mas isso é uma questão que demora. Temos dois medicamentos bons, em fase de se tornar mais acessíveis para a população.
A questão do diagnóstico laboratorial está bem sedimentada em praticamente todos os países. Acesso a vacinas boas nós já temos, as instituições de pesquisa, assim como a indústria farmacêutica, trabalham arduamente para que, a cada nova variante, os dados em relação ao impacto às suas vacinas seja monitorado e disponibilizados o mais rápido possível.
Contamos com várias questões favoráveis para termos um ano de 2022 muito melhor que 2020 e 2021, mas podemos ter surpresas. O importante é não acharmos que está tudo bem.
Ainda temos desafios pela frente em questões importantes. Por mais cansados que estejamos de usar máscaras, manter o distanciamento, lavar as mãos com frequência, não podemos abrir mão disso agora. São medidas essenciais para o controle da doença. Não é hora neste momento de baixar a guarda.
Se fizermos um trabalho com apoio de cada um no controle do vírus e, além disso, mantermos altas coberturas vacinais, podemos ter um cenário bem mais favorável para 2022, tentando voltar a vida mais à normalidade.