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    O vírus influenza H5N1 poderá causar uma nova pandemia de gripe?

    Comunidade científica, que realiza a vigilância genômica do vírus de maneira contínua, alerta que uma nova epidemia global não é uma questão de "se", mas "quando"

    Lucas Rochada CNN , em São Paulo

    Há quase 15 anos, o mundo vivenciou uma pandemia de gripe, causada pelo vírus influenza A (H1N1). A comunidade científica, que realiza a vigilância genômica do vírus de maneira contínua, alerta que uma nova epidemia global não é uma questão de “se”, mas “quando”.

    A gripe aviária, uma doença que afeta principalmente as aves, é causada por um vírus influenza da família Orthomyxoviridae. De acordo com seu subtipo, pode ser classificado como de alta ou baixa capacidade de provocar doença – conceito conhecido tecnicamente como patogenicidade. Assim, o vírus pode apresentar diferentes sintomas nas aves infectadas.

    De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Vírus da Influenza Aviária de Baixa Patogenicidade (LPAIV, em inglês) pode causar uma doença leve, muitas vezes despercebida ou sem sintomas. Já o Vírus da Influenza Aviária Altamente Patogênico (HPAIV) causado pelos subtipos (H5 e H7) do tipo A, causa doenças graves em aves e pode se espalhar rapidamente, resultando em altas taxas de mortalidade em diferentes espécies aviárias.

    A forma mais comum de o vírus entrar em um território é através de aves selvagens migratórias. A maioria dos vírus influenza circulantes em aves não é capaz de infectar humanos. No entanto, algumas cepas com essa capacidade representam uma ameaça à saúde pública.

    O principal fator de risco é a exposição direta ou indireta a animais infectados ou ambientes e superfícies contaminados. Depenar, manusear carcaças de aves infectadas e preparar aves para consumo, especialmente em ambientes domésticos, também podem ser fatores relacionados à transmissão.

    Quando a gripe aviária é transmitida aos seres humanos, os sintomas podem variar de infecção leve, com febre e tosse, a pneumonia grave associada à dificuldade para respirar e risco de morte, dependendo de fatores relacionados ao vírus e ao hospedeiro. Raramente, sintomas gastrointestinais ou neurológicos foram relatados, segundo a OMS.

    O que explica o aumento de surtos de H5N1

    Entre 2003 e 2023, foram registrados 874 casos e 458 mortes por influenza H5N1 em 23 países, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Além disso, foram relatadas à OMS três infecções humanas com vírus influenza A (H5 – não especificado), 84 casos pela cepa H5N6 e sete registros de infecção com o vírus H5N8.

    A cepa da gripe aviária foi detectada pela primeira vez nas Américas em aves em dezembro de 2014. No início do ano, a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) emitiu um alerta em resposta à crescente detecção de surtos de gripe aviária em aves em dez países da região das Américas.

    “O vírus está circulando mais. Diferente de você ter um caso ou outro detectado em aves, agora estamos vendo em vários lugares. Isso mostra que, de fato, ele está espalhando não só em aves, tanto domésticas quanto selvagens, mas em mamíferos e de lugares muito diferentes”, afirma o pesquisador José Eduardo Levi, da Universidade de São Paulo (USP).

    A Opas enfatizou a importância do controle da infecção em aves como a principal medida para reduzir o risco para humanos e recomendou que os países reforcem a vigilância da gripe sazonal e zoonótica nas populações animais e humanas.

    No final de março, o Chile registrou o primeiro caso em humano da infecção pelo vírus influenza A (H5N1). O caso, um paciente de 53 anos, foi a primeira infecção humana pelo vírus no país e o terceiro relatada na região das Américas até o momento. O vírus não foi detectado em humanos no Brasil.

    A presidente da Sociedade Brasileira de Virologia (SBV) e professora da Universidade de São Paulo (USP), Helena Lage Ferreira, explica que o aumento da circulação do vírus está associado a mudanças genéticas do vírus.

    Durante a infecção, o sistema imunológico é afetado por duas proteínas presentes na superfície do vírus Influenza A, chamadas hemaglutinina e neuraminidase. Essas proteínas, essenciais para a capacidade de infecção do influenza, compõem as iniciais H e N que estabelecem o nome de cada variedade genética do vírus.

    Existem pelo menos 18 subtipos de hemaglutininas e 11 subtipos de neuraminidases descritos para o vírus influenza A. O vírus A (H5N1), por exemplo, contém hemaglutinina subtipo 5 e neuraminidase subtipo 1.

    “O vírus H5N1 de alta patogenicidade emergiu na Ásia em 1996 e foi evoluindo durante todos estes anos. Em 2021, a hemaglutinina H5 rearranjou com um novo N1 de aves silvestres e um novo vírus emergiu. E rapidamente este novo vírus tornou-se predominante pela Ásia, África, Europa e Oriente Médio até o final do ano de 2021. O vírus foi introduzido no final de 2021 pelas aves silvestres no Canadá e Estados Unidos. Durante 2022, se disseminou pela América do Norte e, em outubro de 2022, o vírus foi encontrado na América do Sul também”, explica Helena.

    Características da cepa

    Como outros vírus de influenza aviária, o H5N1 possui as aves silvestres aquáticas como reservatórios naturais. Nesse contexto, ele é capaz de se multiplicar bem em outras aves. A infecção tem sido associada a um alto índice de mortalidade entre as aves, principalmente entre animais de granjas, provocando grandes prejuízos à pecuária.

    “Várias notificações de altas mortalidades de aves silvestres estão sendo observadas em todo o mundo. Porém, algumas espécies não apresentam sinais clínicos e são capazes de disseminar, ou excretar, altas cargas virais no ambiente. O vírus H5N1 já foi encontrado em mais de 160 espécies de aves silvestres diferentes”, detalha Helena.

    “Podemos dizer que o vírus já é considerado endêmico entre as aves silvestres aquáticas e elas são as principais disseminadoras do vírus entre os países, pois elas se movimentam durante a migração durante o ano em busca de alimentos e para a reprodução”, completa.

    Os vírus influenza são capazes de infectar os mamíferos, incluindo pessoas, esporadicamente. Como o vírus H5N1 está sendo detectado em todos os continentes, exceto Antártica, os eventos de exposição de mamíferos silvestres (marinhos e terrestres) ao vírus são mais comuns. Assim o vírus têm mais chances de se adaptar aos mamíferos.

    “Um fato que causou a preocupação da comunidade científica foi a identificação do vírus em visões comerciais na Espanha em outubro de 2022. Alguns protocolos para a identificação de mortalidade foram estabelecidos por causa do SARS-CoV-2 e rapidamente identificaram o vírus, que era capaz de transmitir entre os mamíferos e apresentava mutações no seu genoma. O vírus foi eliminado e nenhuma pessoa se infectou. Entretanto, ainda não foi demonstrada a transmissão do vírus em mamíferos. Este é o único caso até o momento”, diz Helena.

    Aves
    Gripe aviária provoca mortes de aves em diversos países / Kalinovskiy/Getty Images

    Possibilidade de nova pandemia

    Prever quando acontecerá uma nova pandemia de gripe ainda é um desafio. Embora o vírus circule amplamente pelo mundo, com epidemias sazonais, principalmente nos períodos do inverno, um fenômeno pandêmico conta com características distintas.

    “O grande medo é que o H5N1 fique mais competente para a transmissão entre humanos, o que não aconteceu até hoje. O que contribui para isso em geral é a recombinação desse H5N1, que é aviário, com um vírus humano. O que o tornaria um H5N1 humanizado, o que aconteceu com o H3N2 no passado, por exemplo”, afirma Levi que também atua nas áreas de pesquisa e desenvolvimento da Rede Dasa.

    As pandemias de gripe acontecem quando uma nova cepa viral surge a partir de rearranjos no genoma do vírus. “Para isso acontecer, é preciso ter a infecção simultânea do vírus aviário H5N1 com um vírus humano das gripes sazonais, como o H1N1 e o H3N2 que são os dois que estão circulando em humanos hoje”, detalha Levi.

    Apesar da alta capacidade de vigilância, antecipar um evento como este ainda não é possível.

    “A possibilidade desses vírus ganharem uma maior adaptabilidade e conseguirem ser transmitidos eficientemente entre humanos existe. Mas até o momento, desde o início do monitoramento em 2003, vem se observando que essa capacidade ainda não foi atingida para o subtipo H5N1. Temos que monitorar muito de perto a diversidade genética desses vírus e essa capacidade”, afirma Paola Resende, cientista do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz).

    Pesquisadores estimam que o influenza H5N1 pode causar uma nova pandemia de gripe, caso haja rearranjos no genoma, o que pode acontecer com o aumento da transmissão do vírus, por exemplo.

    “O vírus ainda precisa desenvolver alguns mecanismos para adquirir a capacidade de ser transmitido de pessoas para pessoas. Como é um vírus que tem transmissão pela via respiratória, como o SARS-CoV-2, uma vez adaptado para a transmissão entre as pessoas, ele poderá ser disseminado pelo mundo rapidamente”, afirma Helena.

    “Em relação aos casos em pessoas, podemos dividir o vírus em duas ondas: 2003 até 2021 e 2022 a 2023 com a emergência do novo vírus. Nessa atual onda de surtos de H5N1, de janeiro de 2022 a 29 de março de 2023, foram registrados 11 casos, distribuídos em sete países. Dos 11 casos, seis pessoas, incluindo três crianças e três adultos, desenvolveram a forma grave da doença, e duas delas faleceram, segundo a OMS”, completa a pesquisadora.

    O surgimento de doenças infecciosas nos últimos 25 anos e os recentes surtos de agravos com origem em animais chamam a atenção para a movimentação de microrganismos entre as diferentes espécies. Dos 1.415 patógenos humanos conhecidos, 61% são de origem animal, de acordo com a Opas.

    Estima-se que o aumento de surtos de doenças pecuárias emergentes e reemergentes em todo o mundo desde meados da década de 1990 custou ao mundo US$ 80 bilhões.

    Um fator importante no surgimento de novas zoonoses é o contato mais próximo com a vida selvagem, tanto de humanos quanto de seus animais domesticados, causado principalmente pelo aumento da invasão de habitats de vida selvagem. Outros fatores gerais incluem mudanças ambientais, globalização da produção e comércio de alimentos, adaptação microbiológica e fatores comportamentais humanos.

    Vírus influenza apresenta alta capacidade de mutação / Kateryna Kon/Science Photo Library/Getty Images

    O virologista Flávio Fonseca avalia que o mundo vive condições propícias ao surgimento de novas pandemias, como em 2009 e em 2020.

    “Isso por que as fronteiras globais estão muito diminuídas em razão do trânsito de pessoas, da rapidez com que as pessoas transitam pelo globo levando patógenos de um lugar para o outro muito rapidamente, um comércio global. A globalização de uma forma geral propicia a troca muito rápida de patógenos que surgem em um determinado local geográfico e esses patógenos são rapidamente transmitidos antes mesmo das pessoas manifestarem sinal de doença, em um período chamado de incubação, elas viajam sem sinais aparentes de doença e chegam contaminadas em um outro local”, detalha.

    O especialista afirma que a globalização, com viagens e comércio e circulação mais rápidas de pessoas e produtos entre países, permite uma rápida disseminação de doenças infecciosas desde seu foco inicial. No entanto, é difícil estimar o peso das zoonoses na saúde humana, principalmente porque as infecções endêmicas são subnotificadas em todo o mundo.

    O risco para a saúde pública do vírus influenza é avaliado periodicamente pela OMS. Atualmente, a probabilidade de transmissão sustentada de humano para humano desses vírus permanece baixa. De acordo com a OMS, infecções humanas com vírus de origem animal são esperadas na interface homem-animal onde quer que esses vírus circulem em animais.

    “Embora pequenos grupos de infecções pelo vírus A(H5) tenham sido relatados, incluindo aqueles envolvendo profissionais de saúde, as evidências epidemiológicas e virológicas atuais sugerem que os vírus influenza A(H5) não adquiriram a capacidade de transmissão sustentada entre humanos, portanto, a probabilidade é baixa”, diz o documento recente da OMS.

    Relembre a pandemia de 2009

    No dia 11 de junho de 2009, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou situação de pandemia de influenza devido ao impacto em grande escala causado por uma cepa do vírus A (H1N1).

    O episódio, que ficou conhecido como “gripe suína” à época, provocou a morte de 151 mil a 575 mil pessoas em todo o mundo, de acordo com um estudo publicado por pesquisadores dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), dos Estados Unidos, no periódico científico Lancet Infectious Diseases, em 2012.

    Desde 2009, a OMS, junto aos países que integram o Sistema Global de Vigilância e Resposta à Influenza, empenha uma série de medidas que visam o aperfeiçoamento das estratégias para um novo evento pandêmico.

    “Há um movimento a nível global em termos da organização de grupos de trabalho, realização de reuniões científicas e no assessoramento aos países. O vírus Influenza é contemplado em vários tratados internacionais, devido ao potencial nocivo de uma próxima pandemia, tanto em relação à saúde, como os impactos econômicos e sociais”, afirma Marilda Siqueira, pesquisadora do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz).

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