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    O que podemos aprender com a segunda onda mortal da gripe espanhola de 1918

    A pandemia da gripe espanhola aconteceu em três ondas e deixou entre 50 milhões e 100 milhões de mortos; maioria das mortes aconteceu na segunda onda da doença

    Por Kristen Rogers, da CNN

    Na onda mortal de outono da pandemia de gripe espanhola de 1918, milhões de pessoas foram condenadas porque não sabiam o que agora entendemos sobre como os vírus e as doenças respiratórias se espalham.

    Podemos enfrentar um destino semelhante se algumas pessoas continuarem a ignorar o que um século de progresso científico e análise retrospectiva da história nos ensinou sobre como acabar com as pandemias.

    A pandemia de 1918 ocorreu em três ondas, da primavera (no hemisfério norte) de 1918 ao inverno de 1919, matando de 50 milhões a 100 milhões de pessoas em todo o mundo. A primeira onda de março a junho de 1918 foi relativamente amena. A maioria das mortes ocorreu a partir de setembro de 1918, na segunda e pior onda da gripe de 1918.

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    Especialistas em saúde esperam que as infecções por Covid-19 aumentem neste inverno do hemisfério norte porque o vírus que causa a Covid-19 é um coronavírus, e outros coronavírus se espalham mais durante a estação mais fria. Na atmosfera invernal, menos úmida, as partículas portadoras de vírus podem permanecer no ar por mais tempo.

    Além disso, nossas membranas nasais são mais secas e mais vulneráveis a infecções no inverno. Além disso, à medida que o clima fica mais frio, passamos mais tempo em ambientes fechados sem ventilação suficiente, o que significa que o vírus tem maior probabilidade de se espalhar.

    A Covid-19 ainda não “ceifou tantas vidas quanto a gripe espanhola. Cerca de 675 mil pessoas morreram nos Estados Unidos até o final da pandemia de 1918”, disse Jeremy Brown, médico de emergência e autor de “Influenza: The Hundred-Year Hunt to Cure the Deadliest Disease in History” (“Gripe: A caça de cem anos para curar a doença mais mortal da história”, sem edição no Brasil). 

    “Isso seria, proporcionalmente hoje, cerca de 3 milhões de pessoas nos EUA. A boa notícia é que não vimos esses números. É claro que os números são realmente assustadores. Mas a história de que estamos falando ainda não acabou”, continuou Brown.

    Por que a segunda onda foi tão mortal

    Existem várias possibilidades sobre o porquê da segunda onda de 1918 ter sido tão terrível, incluindo a teoria de um vírus que possivelmente sofreu mutação e a dos padrões de movimento e comportamento humano na época. O inverno significou que a gripe também se espalhou mais, e as pessoas ficavam dentro de casa com mais frequência.

    “Meu palpite é que o vírus não se saiu tão bem para infectar pessoas na primavera e teve que se adaptar”, disse John M. Barry, autor de “A Grande Gripe: A história da pandemia mais mortal da história”. “Então, uma mutação que era melhor para infectar pessoas e também mais virulenta assumiu o controle”.

    Nos pacientes da gripe de 1918, a pneumonia frequentemente se desenvolvia e matava já no segundo dia de infecção. Os esforços para a Primeira Guerra Mundial ainda estavam ativos, portanto, a disseminação desenfreada foi facilitada por movimentos de tropas e acampamentos militares lotados.

    Para onde os militares viajavam, o vírus também ia com eles, resultando no adoecimento por gripe e pneumonia de 20% a 40% do pessoal do Exército e da Marinha dos EUA no outono, interferindo nos treinamentos e na eficácia dos militares. “A gripe e a pneumonia mataram mais soldados e marinheiros norte-americanos durante a guerra do que as armas inimigas”, relatou um estudo de 2010.

    Regimento da Cruz Vermelha em Seattle durante Gripe Espanhola de 1918
    O 39º Regimento marcha pelas ruas de Seattle em dezembro de 1918, usando máscaras feitas pelo Capítulo de Seattle da Cruz Vermelha
    Foto: National Archives

    Seis dias após o primeiro caso de gripe ser relatado em Camp Devens, Massachusetts, os casos haviam se multiplicado para 6.674. Quando o coronel Victor C. Vaughan se lembrou de Camp Devens, “foi chocante”, escreveu Gina Kolata, uma repórter de ciência e medicina do “The New York Times”, em seu livro “Flu: The Story of the Great Influenza Pandemic of 1918 and the Search for the Virus That Caused It” (“Gripe: A história da grande pandemia de gripe de 1918 e a busca pelo vírus que a causou”, sem edição no Brasil).

    “Ali estava Vaughan, no meio da primeira guerra a usar armas modernas, uma guerra que estava derrubando jovens com metralhadoras e gás, mas que não era nada comparado a esta doença”, escreveu Kolata.

    Um imenso obstáculo na época foi a falta de conhecimento das características, do comportamento e da gravidade do vírus. A pandemia veio antes da consciência de como era um vírus e de como isolá-lo. A violência da segunda onda levou algumas pessoas (incluindo médicos) a pensar que estavam lidando com uma doença diferente daquela da primavera.

    Celebração do armistício, em novembro de 1918, levou milhares de pessoas às ruas
    O anúncio do armistício em 11 de novembro de 1918 foi a ocasião para uma grande celebração na Filadélfia que infectou milhares de participantes
    Foto: National Archives

    As mortes por gripe atingiram o pico em novembro de 1918, que foi possivelmente o mês mais mortal da pandemia. Um desfile na Filadélfia realizado no Dia do Armistício em 11 de novembro infectou milhares de participantes.

    O impacto social

    A gripe de 1918 atingiu toda a sociedade. Aproximadamente metade das mortes aconteceu entre jovens adultos de 20 a 40 anos, em contraste com a pandemia atual, com adultos mais velhos mais propensos a sofrer doenças graves e morte por Covid-19.

    Muitos eventos, escolas e espaços públicos foram cancelados e fechados. “O fantasma do medo caminhava por toda parte, fazendo com que muitos círculos familiares se reunissem porque os diferentes membros não tinham mais nada para fazer a não ser ficar em casa”, escreveu Kolata, citando um jornal do Arizona.

    Trabalhadoras em Nova York trabalharam com máscaras amarradas no rosto em 1918.
    Trabalhadoras em Nova York trabalharam com máscaras amarradas no rosto em 16 de outubro de 1918
    Foto: National Archives

    As autoridades impuseram o uso de máscara e leis anticusparadas. As autoridades municipais infligiram medidas punitivas, incluindo multas contra pessoas que infringiram as regras. O marechal-geral do Exército dos EUA cancelou em outubro uma chamada para exercício de 142 mil homens, apesar de eles serem necessários na Europa.

    O impacto sobre os adultos no auge significa que muitas crianças perderam um ou ambos os pais. O mundo perdeu gerações de jovens, e para eles a pandemia e a Primeira Guerra Mundial tornaram-se as experiências centrais de suas vidas.

    Vantagem dos dias modernos

    Agora, vamos avançar para o ano de 2020. Vários avanços científicos nos deram uma pequena vantagem na mitigação da disseminação e dos efeitos de doenças respiratórias como a gripe e a Covid-19. Melhorias tecnológicas têm permitido aos pesquisadores visualizar células e vírus usando microscópios eletrônicos e cristalografia de raios-X, o que também permite capturar milhões de imagens deles. Microbiologistas agora podem isolar, identificar e descrever a estrutura dos vírus.

    Para Kolata, embora tenhamos testes de coronavírus, uma lacuna é “que não temos capacidade de teste suficiente e os testes demoram muito”. Ela continua: “quando algo como o coronavírus começa a se espalhar, com sintomas que podem imitar os da gripe (febre alta, calafrios), o sistema de testes pode se sobrecarregar com facilidade quando começa a temporada de gripe”.

    Felizmente, não estamos em uma guerra global. O olhar retrospectivo e anos de progresso científico nos ensinaram como as doenças respiratórias se espalham – ou seja, por encontros com gotículas respiratórias facilitadas pelo contato próximo e pela higiene insuficiente. No entanto, para serem eficazes, essas vantagens científicas e médicas requerem conformidade pública.

    O que podemos fazer

    Embora os casos de Covid-19 estejam aumentando e possam aumentar neste inverno do hemisfério norte, existem coisas que podemos fazer para conter a disseminação. Precauções como distanciamento físico, evitar encontros e viagens desnecessárias, lavar as mãos e usar máscara ainda são importantes.

    Estocar alimentos, itens médicos e de preparação para emergências – com responsabilidade e de uma maneira que seja justo para todos – pode ajudar a limitar as idas às lojas, diminuindo assim as chances de propagação.

    Em 1918, não havia uma vacina aprovada e regulamentada. Desta vez, com o coronavírus, a Operação Warp Speed nos Estados Unidos e outros programas estão testando vacinas para serem capazes de inocular o povo possivelmente na primavera de 2021.

    O que também tem imenso valor é dar atenção às atualizações e orientações das autoridades locais de saúde pública e ao conhecimento científico de pesquisadores e organizações como a Centros para Controle e Prevenção de Doenças dos EUA  e a Organização Mundial de Saúde.

    “Se todos os distanciamentos sociais e máscaras forem eficazes contra o coronavírus, se tivermos sorte, eles podem ser eficazes contra a gripe também”, disse Kolata. “Espero que as pessoas tomem as vacinas contra a gripe, que não 100% eficazes, mas certamente são melhores do que nada”.

    (Texto traduzido, clique aqui para ler o original em inglês).

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