O que explica um aumento mais lento no número de mortes do que de casos de Covid-19
Descompasso entre os índices tem causas diversas, como o avanço da vacinação e o impacto da variante Ômicron
Estatísticas sobre o número de casos e de mortes, dados de hospitalização e de atendimento por sintomas respiratórios são peças essenciais para compor o cenário epidemiológico da pandemia de Covid-19.
Nos últimos dias, os boletins divulgados pelo Ministério da Saúde têm apresentado uma alta no número de novas infecções confirmadas no Brasil. Na sexta-feira (14), foram registrados 112.286 casos da doença e 251 mortes. No entanto, os dados sobre óbitos sobem mais lentamente, com média móvel em torno de 130 vítimas da doença por dia no país.
A discrepância entre o número de casos e de mortes pode ser facilmente observada ao acompanhar as médias móveis.
Segundo o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), entre 3 de janeiro e 13 de janeiro, a média móvel de casos foi de 8.400 para 61.141 — um crescimento de 627%.
Já a média móvel de óbitos cresceu num ritmo inferior: foi de 96, em 3 de janeiro, para 129, em 13 de janeiro — uma taxa de 34% de crescimento.
Especialistas consultados pela CNN explicam que o descompasso entre os dois índices pode ter causas multifatoriais.
Uma das hipóteses é o indício de que a variante Ômicron, que tem se espalhado rapidamente pelo país, está associada a quadros clínicos mais leves. Outro ponto relevante é o avanço da vacinação, alcançado especialmente no segundo semestre de 2021.
A exposição de grande parte da população à infecção natural pelo vírus, o que confere certa imunidade, também pode contribuir para que o número de mortes se mantenha estável.
Ainda assim, nas últimas 24 horas, houve um aumento de 44% no número de óbitos – o que indica que o número de mortes pode aumentar também, ainda que mais lentamente.
Álvaro Furtado, infectologista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP disse à CNN que isso ocorre à medida que se atravessa a explosão em casos leves, porque há uma quantidade relevante de pessoas que não foram vacinadas no Brasil — o país tem a cobertura de duas doses em 68% das pessoas.
“Esse aumento de [óbitos] ocorre porque temos pessoas não vacinadas que pegam a doença e evoluem para forma grave”.
Ele explica que, numericamente, quando há muitos casos notificados, como está acontecendo com a variante Ômicron, é esperado que se aumente o número de pessoas com quadro grave também e, eventualmente, o número de óbitos. “Matematicamente falando, com mais casos, mais chance de ter possibilidade de casos graves e ocasionalmente mortes”.
O impacto da variante Ômicron
A variante Ômicron do novo coronavírus foi identificada em novembro de 2021. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a compreensão atual da variante continua a evoluir à medida que mais dados se tornam disponíveis.
De acordo com a OMS, com o surgimento da variante Ômicron, houve diminuição da prevalência da variante Delta e o nível de circulação das cepas Alfa, Beta e Gama é muito baixo. Entre as 357.206 sequências disponibilizadas por cientistas no banco de dados internacional GISAID, a partir de amostras coletadas nos últimos 30 dias, 208.870 (58,5%) eram da Ômicron e 147.887 (41,4%) eram Delta.
O boletim epidemiológico divulgado pela OMS nesta semana afirma que a transmissão da variante Ômicron tem ocorrido mesmo entre vacinados ou pessoas com histórico de infecção prévia pela Covid-19. Além disso, há evidências crescentes de escape da resposta imunológica pela variante.
Na atualização, a OMS também afirma que há evidências científicas crescentes de que a variante está associada a quadros clínicos mais leves da Covid-19 em relação às outras linhagens do vírus. No entanto, a OMS reforça que os resultados encontrados são preliminares e podem não representar o perfil clínico geral da Ômicron.
A OMS alerta que o cenário epidemiológico pode mudar à medida que mais evidências estiverem disponíveis nas próximas semanas. “Como resultado disso, o risco geral relacionado à Ômicron permanece muito alto”, diz o documento.
“A Ômicron não atinge tanto a região do pulmão, fica mais focada nas vias aéreas superiores. Vemos que a maior parte dos quadros são leves, não precisam de internação. Por isso, não vemos os hospitais lotados por conta da Covid-19”, disse Mônica Levi, diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
Avanço na vacinação
O avanço na cobertura vacinal para a Covid-19 também contribui para reduzir os índices no número de mortes pela doença.
Até esta sexta-feira (14), pelo menos 339.047.746 doses das vacinas foram aplicadas no Brasil segundo levantamento da CNN com base nas secretarias estaduais de Saúde. Desse total, 144.913.491 pessoas já completaram o esquema vacinal, considerando a segunda dose da vacina ou dose única do imunizante da Janssen.
“O principal fator é a vacina, tivemos uma cobertura vacinal no Brasil com mais de 65% das pessoas com duas doses. Isso definitivamente representou a proteção para a forma grave da doença e para os óbitos”, disse o médico infectologista Álvaro Furtado, do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP).
Segundo o Ministério da Saúde, mais de 381 mil doses de vacinas já foram distribuídas no país pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI).
A diretora da SBIm, Mônica Levi, reforça que a eficácia das vacinas na proteção contra casos graves, hospitalizações e mortes está associada ao esquema completo de duas doses, para as vacinas que requerem esse regime, como a Pfizer, AstraZeneca e Coronavac.
“A eficácia de uma dose só é muito baixa, consideramos o esquema completo com as duas doses. Sabe-se que com o passar do tempo essa proteção vai caindo, com todas as vacinas. Por isso, as pessoas devem fazer, a partir de quatro meses da segunda dose, uma dose de reforço para manter a imunidade suficiente”, afirma Mônica.
Risco de sobrecarga dos serviços de saúde
Embora a Ômicron seja relacionada à doença mais leve, a variante conta com alta capacidade de transmissão. Para o infectologista Álvaro Furtado, esse fator poderá fazer com que um grande número de pessoas se infecte ao mesmo tempo, sobrecarregando os serviços de saúde e, por consequência, levando à desassistência.
“Se todo mundo contrair a doença ao mesmo tempo, vamos ter sobrecarga dos serviços de saúde. Apesar de ser leve, quanto mais casos tivermos, começarão a surgir casos graves dentro dessa totalidade. Com isso, a assistência começa a ficar comprometida pelo volume de pessoas que buscam o atendimento”, explica.
O especialista aponta que já tem sido observado um aumento gradativo no número de hospitalizações pela doença, mas que o perfil clínico dos internados apresenta diferenças em relação às primeiras ondas da Covid-19 no país.
“Nas outras ondas passamos por falta de oxigênio e de leitos de UTI por conta dos casos graves. Dessa vez, temos muito mais casos do que gravidade. Assim, o problema que estamos enfrentando é a falta de testes, não tem como testar todo mundo com o grande volume de pessoas infectadas”, afirma.
Segundo o infectologista, a grande quantidade de pessoas que já foram expostas à infecção natural pelo novo coronavírus também contribui para a manutenção do patamar de estabilidade dos índices de óbitos.
“A imunidade vacinal é mais importante que a natural. Existe um componente da imunidade natural, mas não podemos cair na história de acreditar na imunidade natural de rebanho”, afirma Furtado.
(Com informações de Julyanne Jucá, da CNN)
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