O que explica a redução global no ritmo diário de vacinação contra a Covid-19
Ritmo desigual das campanhas de vacinação em países ricos, de média e baixa renda pode comprometer ganhos no enfrentamento da pandemia
As campanhas de vacinação contra a Covid-19 começaram entre o final de 2020 e o início de 2021. E a média móvel diária de aplicação de doses dos imunizantes em todo o mundo caiu em outubro, quando comparada ao pico registrado em junho, de acordo com dados da plataforma Our World in Data, da Universidade de Oxford.
Na sexta-feira (1º), o índice ficou em 28,8 milhões de doses por dia, contra os 43,4 milhões registrados em 27 de junho.
De acordo com especialistas consultados pela CNN, a redução global na média móvel diária de aplicações está associada principalmente à desaceleração das campanhas em países desenvolvidos e à distribuição desigual dos imunizantes entre os países ricos e pobres.
Para a médica infectologista Rosana Richtmann, do Hospital Emílio Ribas, de São Paulo, a redução da média diária de vacinação global reflete a tendência de estagnação das campanhas em países desenvolvidos.
“Esse pico em junho em relação ao que está acontecendo agora tem muito a ver com a disponibilidade de vacinas, em que fase cada país está, no sentido de primeira ou segunda dose. Agora está saturando, apesar dos países desenvolvidos terem vacinas. As pessoas que estavam dispostas a se vacinar já o fizeram”, avalia.
Segundo a diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Flávia Bravo, também há uma dificuldade histórica na manutenção e na ampliação das coberturas vacinais no público adulto. Com o avanço da vacinação, passando da aplicação em idosos para as faixas etárias mais jovens, surge também uma redução na adesão aos imunizantes.
“É muito difícil em qualquer país do mundo, inclusive aqui no Brasil, ter boas coberturas vacinais para outras vacinas em adultos. Ainda persiste a ideia, mesmo em países que aceitam bem a vacinação, de que isso é coisa de criança, de desconhecer que existem vacinas recomendadas para adultos e adolescentes”, afirma.
Desigualdade na distribuição de vacinas
O pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Júlio Croda, chama a atenção para a desigualdade na distribuição das vacinas. Segundo o especialista, a pandemia de Covid-19 repete um cenário vivenciado no mundo em 2009, com a pandemia de gripe H1N1, quando países de baixa renda tiveram acesso às vacinas com atraso em relação aos desenvolvidos.
“A desigualdade pode permanecer ainda por um tempo na pandemia. A oferta de doses ainda é limitada. Temos países da América do Sul e da América Central que ainda não conseguiram vacinar nem 50% da população com a primeira dose”, comenta Júlio Croda.
O pesquisador afirma que há uma falta de interesse de grandes empresas farmacêuticas na negociação com os países pobres. Além disso, o alto custo das vacinas contra o novo coronavírus faz com que diversos países dependam de iniciativas como o consórcio Covax Facility para o acesso aos imunizantes.
Nesta semana, a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), braço da Organização Mundial da Saúde no continente, anunciou um acordo com o laboratório Sinovac, da China, produtor da Coronavac, para a aquisição de doses adicionais para a distribuição na região. Até o momento, a Opas ajudou o Covax Facility a entregar 50 milhões de doses de vacinas, sendo quase 14 milhões de doses doadas.
Segundo a Opas, mais de um bilhão de doses de vacinas contra a Covid-19 foram administradas nas Américas em 2021. No entanto, apenas 35% das pessoas na América Latina e no Caribe foram totalmente vacinadas.
Países como Canadá, Chile, Uruguai e Porto Rico vacinaram totalmente mais de 70% de suas populações. Enquanto isso, dez países e territórios da região não atingiram nem a marca de 20%, incluindo Nicarágua, Jamaica, Guatemala, Bahamas e Honduras. No Haiti, menos de 1% das pessoas foram protegidas até o momento, de acordo com a Opas.
Comprometimento no enfrentamento da pandemia
De origem grega, a palavra pandemia remete a um acontecimento capaz de alcançar toda a população. No campo da epidemiologia, o significado é atribuído a doenças de alcance global, como a gripe e o HIV, além da Covid-19.
Para os especialistas da área, o enfrentamento da doença causada pelo novo coronavírus também deve ser realizado em nível global. No entanto, os ganhos obtidos até o momento no combate à Covid-19 podem ser comprometidos pela distribuição desigual das vacinas.
“Quando você começa a vacinar o mundo de forma desigual, por exemplo, um avanço na cobertura vacinal na Europa, nos Estados Unidos e no Brasil, mas não vacina absolutamente nada na África Subsaariana e nos países de extrema baixa renda, podemos ter epidemias nesses locais e o surgimento de variantes genéticas do vírus nessas localidades”, explica Álvaro Furtado, infectologista do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP).
Segundo o médico, a emergência de novas variantes, com potencial maior de transmissão e de resistência às vacinas disponíveis, pode tornar ainda mais difícil o combate à pandemia, mesmo em países com níveis de vacinação avançados.
De acordo com a infectologista Rosana Richtmann, o avanço de forma equilibrada das campanhas de vacinação permitiria o retorno de atividades com mais segurança.
“A primeira fase era a mitigação de óbitos e hospitalizações. Isso estamos conseguindo. A próxima fase, que é tão importante quanto, é diminuir a circulação do vírus para podermos ter uma certa tranquilidade em poder flexibilizar. Para essa segunda parte, precisamos de uma porcentagem elevada da população totalmente vacinada, o que significa cerca de 80% a 85% da população imunizada com as duas doses”, analisa.