Mudança de comportamento pode indicar que a saúde mental de adolescentes não vai bem; veja como perceber
Pais e cuidadores devem ficar atentos a sinais como mudanças na rotina do sono, isolamento da família e do contato social de forma repentina e diminuição do rendimento escolar
A adolescência é um período de oscilações comportamentais em consequência de alterações hormonais comuns ao período de desenvolvimento. Nesse contexto, se torna um desafio distinguir o que são comportamentos típicos da idade do que pode esconder um problema de saúde mental mais sério.
O ataque violento ocorrido em uma escola da cidade de São Paulo, que levou à morte de uma professora, chamou a atenção para a importância do cuidado à saúde mental dos jovens.
De modo geral, transtornos mentais são caracterizados por mudanças no padrão de comportamento que trazem prejuízos nas atividades diárias. Quando o indivíduo muda suas condutas e isso passa a prejudicá-lo, seja na escola, na vida social ou em família, essas alterações devem servir de alerta.
Entre as crianças e adolescentes, pais e cuidadores devem ficar atentos a sinais como mudanças na rotina do sono, incluindo insônia ou alteração de horários para dormir e acordar, isolamento da família e do contato social de forma repentina e diminuição do rendimento escolar.
“Queda do rendimento escolar, isolamento, irritabilidade, comportamentos compulsivos, sinais de tristeza ou de ansiedade, tudo isso pode culminar em desfecho muito negativo, portanto precisam ser levados a um especialista para avaliação”, afirma Ana Márcia Guimarães, membro do Departamento Científico de Desenvolvimento e Comportamento da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
A psicanalista Lídia Magnino, da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP), aponta sinais de que a saúde mental de adolescentes não vai bem.
“Danos na autoestima, insegurança, medo de enfrentar os desafios do processo de amadurecimento, extrema dependência dos pais, apatia, comodismo, falta de esperança, não se reconhecem como capazes, vivencias de traumas contínuos e crônicos”, pontua.
No entanto, a especialista pondera que nem toda criança ou adolescente que são vítimas de violência adoecem da mesma forma. “Há aqueles com trauma de baixa intensidade que se tornam muito comprometidos emocionalmente, enquanto outros que sobrevivem a episódios traumáticos e não se afetam tanto”, diz.
A médica psiquiatra Carolina Hanna, do Hospital Sírio-Libanês, afirma que eventos de extrema violência podem configurar um diagnóstico de transtorno de personalidade. Alguns fenômenos envolvidos nesta construção são dificuldade em identificar e se relacionar com as emoções, sua e do outro; dificuldade em aceitar limites e regras, ausência ou pobreza de empatia, baixa autoestima e mecanismo de defesa de projeção.
“Infelizmente não existe uma forma de prever se e quando um evento como este irá ocorrer, mas a melhor forma de prevenção é a identificação de fatores de risco, endereçando o problema para profissionais especializados. Quando as figuras que cuidam do adolescente, sejam os pais ou outros adultos, fazem algum tipo de acompanhamento psicológico, também tende a prevenir de maneira geral”, afirma.
Causas multifatoriais
O psicólogo Maycon Rodrigo Torres, membro do Laboratório de Psicanálise e Laço Social da Universidade Federal Fluminense (UFF) e professor de psicologia Faculdade Maria Thereza (Famath), destaca que não existe um diagnóstico específico associado aos ataques cometidos por adolescentes em escolas.
“Temos que levar em consideração que o primeiro grande sinal de alerta é o isolamento social. Não existe um diagnóstico específico associado a esse tipo de episódio de rompante de agressividade em escola. Mas é importante levar em consideração o isolamento. Então, os perfis que mais chamam atenção são pessoas que não conseguem fazer muitos vínculos sociais ou então que em algum momento perderam os vínculos sociais”, afirma.
O especialista aponta como exemplos de perda de vínculo social alterações que impactam o cotidiano do adolescente, como troca de escola, mudança de cidade ou do arranjo familiar. “Segundo ponto é poder avaliar o tipo de vínculo que esse adolescente faz, como são essas relações, se elas tendem a ser mais superficiais, se são relações também pautadas em agressividade ou alguma coisa nesse sentido”, pontua.
A psicanalista da SBPSP afirma que todo sofrimento mental revela algo da época e da cultura de uma sociedade. “Desde Freud a origem etiológica dos distúrbios emocionais contêm fatores multifatoriais: predisposição hereditária, fatores ambientais e [Melanie] Klein acrescentou os constitucionais, uma boa maternagem pode proteger o individuo em seu desenvolvimento saudável”, diz.
Este fato na escola de São Paulo dá visibilidade a uma modalidade de mal-estar na ação sob forma de violência e criminalidade. Revela algo do individual, como da problemática do ‘eu’, da dificuldade de discriminar quem eu sou e quem é o outro, bem como da cultura
Lídia Magnino, psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP)
A psicóloga Luana Ganzert, especialista em emoções, afirma que o desenvolvimento psicológico na infância é tão importante quanto o desenvolvimento motor e de linguagem.
“Muitas vezes, damos mais atenção se a criança está crescendo bem e falando bem, e não pensamos nos comportamentos com base no desenvolvimento emocional. A estrutura familiar negligenciada pela atenção, amor, cuidado, orientação, presença, mais as heranças biológicas com problemas psicológicos, somando com um ambiente vulnerável, são contribuintes para episódios violentos”, diz.
O que há por trás da mente adolescente
A adolescência é um momento de grandes mudanças que exigem trabalho psíquico, como explica a psicanalista Lídia Magnino, da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP).
“O corpo se define sexualmente, imprime pressão sobre a identidade sexual, sai do espaço privado familiar para o público das amizades, da busca do reconhecimento pelos outros, vive as primeiras paixões. É momento em que vai usar a poupança psíquica da infância. Se há uma recusa a estas transformações se dá o adoecimento. Parecem que são vazios, sem alma, não conseguem falar, se isolam, se apegam nas redes sociais, não desenvolvem o pensar”, afirma Lídia.
A especialista explica que, nesse contexto, são comuns atitudes antissociais.
“Atitudes antissociais são tentativas de reaver os cuidados maternos, aquilo que foi privado, tentando reencontrar o cuidado perdido. Condutas destrutivas ocultam solidão, desamparo infinitos. Adolescentes tardios com dificuldades de se inserir na vida adulta, que dependem dos pais e não conseguem separar-se”, afirma.