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    Medida invisível de mitigação da Covid-19 finalmente recebe a atenção que merece

    Uma boa ventilação em ambientes internos ajuda a conter a disseminação do vírus; sistema de climatização adequado pode auxiliar nas aulas presenciais

    Amanda Sealyda CNN*

    Com mais de dois anos de pandemia da Covid-19, você provavelmente conhece o básico sobre como se proteger: vacinas, doses de reforço, lavagem adequada das mãos e uso de máscaras. Mas uma das ferramentas mais poderosas contra o coronavírus é aquela que os especialistas acreditam estar apenas começando agora a receber a atenção que merece: a ventilação.

    Refluxo respiratório

    “O desafio para as organizações que melhoram a qualidade do ar é que ele é invisível”, disse Joseph Allen, diretor do Programa de Edifícios Saudáveis, da Harvard T.H. Chan School of Public Health.

    É verdade: outras ferramentas contra a Covid-19 são mais tangíveis. Mas visualizar como o vírus pode se comportar em espaços mal ventilados pode ajudar as pessoas a entender melhor essa medida de mitigação.

    Allen compara isso à fumaça do cigarro. “Se eu estou fumando no canto de uma sala de aula e você tem baixa ventilação/filtragem, aquela sala vai se encher de fumaça e todos estarão respirando o mesmo ar”.

    Em seguida, aplique isso ao ar livre.

    “Eu poderia estar fumando um cigarro e você poderia estar a alguns metros de mim, dependendo da direção do vento, você talvez nem perceba que estou fumando”.

    Se você estiver em um ambiente interno, pode estar respirando menos ar fresco do que pensa.

    “Todos juntos em uma sala estão constantemente respirando o ar que acabou de sair dos pulmões das outras pessoas naquela sala. E dependendo da taxa de ventilação, até 3% ou 4% do ar que você está respirando pode ter saído dos pulmões de outras pessoas naquela sala”, disse Allen.

    Ele descreve isso como refluxo respiratório.

    “Normalmente, isso não é um problema, certo? Fazemos isso o tempo todo. Estamos sempre trocando entre nós nossos microbiomas respiratórios. Mas se alguém está doente e infeccioso […] esses aerossóis podem transportar o vírus. Isso é um problema”.

    Está no ar

    “Sabemos há décadas como manter as pessoas seguras em edifícios contra infecções, de doenças infecciosas transmitidas pelo ar como esta”, disse Allen.

    Desde o início da pandemia, Allen e outros especialistas chamaram a atenção sobre a maneira como estávamos pensando sobre a transmissão da Covid-19 – superfícies, grandes gotículas respiratórias – estar perdendo o foco.

    “A lavagem das mãos e o distanciamento social são apropriados, mas, em nossa opinião, insuficientes para fornecer proteção contra microgotículas respiratórias portadoras de vírus liberadas no ar por pessoas infectadas. Esse problema é especialmente grave em ambientes internos ou fechados, principalmente aqueles que estão lotados e com ventilação inadequada”, afirmaram centenas de cientistas em uma carta aberta em julho de 2020.

    Eventualmente, a Organização Mundial da Saúde e os Centros de Controle e Prevenção de Doenças  (CDC) dos Estados Unidos reconheceram o que os especialistas vinham dizendo o tempo todo: que a Covid-19 também poderia se espalhar por pequenas partículas aerossóis que podem viajar quase dois metros.

    O próprio coronavírus é muito pequeno – cerca de 0,1 mícron – mas isso não afeta a distância que ele pode viajar.

    “O tamanho do vírus em si não importa porque, como dizemos, o vírus nunca está nu no ar. Em outras palavras, o vírus está sempre viajando em partículas respiratórias que se desenvolvem em nossos pulmões. E são todas de tamanhos diferentes”, disse Allan.

    Cantar ou tossir pode emitir partículas de até 100 mícrons (quase a largura de um fio de cabelo humano), disse ele, mas o vírus tende a viajar em partículas menores — entre 1 e 5 mícrons.

    O tamanho dessas partículas afeta não apenas o quão longe elas podem viajar, mas quão profundamente podemos inspirá-las em nossos pulmões e como devemos nos proteger desse vírus.

    “Quando você está falando sobre uma doença transmitida pelo ar, existe o que está ao seu redor, e você sabe, alguém que você conhece que pode tossir na sua cara, a questão do distanciamento de 1,80 metro, e, além disso, há o ar do ambiente mais amplo, porque em ambiente interno o ar é recirculado”, disse Max Sherman, líder da Epidemic Task Force para a Sociedade Americana de Engenheiros de Aquecimento, Refrigeração e Ar Condicionado.

    Diluir e limpar

    “Ar livre é mais seguro do que ambientes internos” tornou-se um mantra aceito contra a Covid-19. Allen ressalta que nos proteger em ambientes fechados é onde nosso foco deve estar sempre, mesmo além da pandemia.

    “Somos uma espécie de ambiente interno. Passamos 90% do nosso tempo em ambiente fechado. O ar que respiramos nesses locais tem um enorme impacto em nossa saúde, seja quando você pensa em doenças infecciosas ou qualquer outra coisa, mas isso escapou da consciência pública por muito tempo”, disse.

    Garantir que nosso ar em ambientes fechados seja saudável não é tão complicado, disse Sherman. “Você só quer reduzir o número de partículas que podem estar carregando Covid ou qualquer outro [vírus] desagradável”.

    A maneira de fazer isso é através de ventilação e filtragem.

    A filtragem — como parece — é filtrar ou limpar o ar, removendo as partículas infectadas. Mas pense na ventilação como diluindo o ar. Você está trazendo mais ar fresco para reduzir a concentração dessas partículas.

    A diluição é exatamente o motivo pelo qual não vimos superdisseminação em eventos ao ar livre, diz Allen.

    “Nós quase não temos nenhuma transmissão ao ar livre. Por que isso? Diluição ilimitada, porque você tem ventilação ilimitada.

    E assim, mesmo em protestos lotados ou eventos esportivos ao ar livre como o Super Bowl, simplesmente não vemos uma superdisseminação acontecendo.

    Mas se o fizéssemos, teríamos o sinal alto e claro. Nós simplesmente não vemos isso. É tudo em ambientes fechados, nesses espaços insalubres e de baixo desempenho”.

    Espaços saudáveis

    Mesmo antes do advento dos sistemas de climatização, a ventilação era integrada em muitos projetos de construção.

    O Tenement Housing Act de Nova York, de 1901, exigia que todos os prédios residenciais – um prédio com residências multifamiliares – tivessem ventilação, água corrente e luz a gás.

    Os construtores adicionaram ventilação a muitos desses edifícios com um poço no meio que vai do telhado ao chão, permitindo mais fluxo de ar.

    “No final do século 19, as pessoas estavam finalmente começando a entender como as doenças se espalham. Assim, os dutos de ventilação foram vistos como uma solução para as crises de saúde pública que ocorriam nos prédios residenciais”, disse Katheryn Lloyd, diretora de programação do Tenement Museum.

    “Houve muitos casos de tuberculose, difteria e outras doenças que se espalharam. Agora sabemos que tudo isso se espalhou pelo ar”. Hoje, enfrentamos o mesmo desafio.

    “Obter ventilação básica em sua casa é importante, ponto final”, disse Sherman.

    Uma das maneiras mais fáceis e baratas de fazer isso é abrir as janelas.

    Abra portas ou janelas em extremidades opostas de sua casa para criar ventilação cruzada, aconselha a Agência de Proteção Ambiental. Abrir as janelas mais altas e mais baixas — especialmente se em andares diferentes — de uma casa também pode aumentar a ventilação. Adicionar um ventilador interno pode ajudar ainda mais.

    “Se um único ventilador for usado, ele deve estar voltado (e soprando ar) na mesma direção em que o ar está se movendo naturalmente. Você pode determinar a direção em que o ar está se movendo naturalmente observando o movimento das cortinas ou segurando um tecido leve ou soltando pedaços de papel e observando em que direção eles se movem”, diz a agência.

    Apenas abrir um pouco da janela pode ajudar muito, Allen diz: “Mesmo abrir uma janela alguns centímetros para realmente facilitar mudanças de ar mais altas, especialmente se você fizer isso em vários lugares da casa, para que você possa criar alguns diferenciais de pressão”.

    É importante observar que, se você tiver um sistema de climatização, ele deve estar funcionando para realmente circular ou filtrar o ar. A agência diz que esses sistemas funcionam menos de 25% do tempo durante as estações de aquecimento e resfriamento.

    “A maioria dos controles hoje em dia tem uma configuração em que você pode colocar o ventilador no mínimo o tempo todo. E isso geralmente é a melhor coisa a se fazer, porque isso garante que você esteja passando o ar pelo filtro o tempo todo e misturando o ar em sua casa”, aconselhou Sherman.

    Isso pode ser algo a ter em mente se você tiver visitas ou se alguém da casa tiver maior risco de contrair doença grave.

    Escolha o filtro mais eficiente que seu sistema climatização suporta e certifique-se de trocá-los rotineiramente.

    Os filtros têm um valor mínimo reportado no relatório de eficiência, classificação que indica quão bem eles capturam partículas pequenas. A Sociedade Americana de Engenheiros de Aquecimento, Refrigeração e Ar Condicionado recomenda o uso de um filtro com classificação 13 (MERV-13) pelo menos, que diz ser 85% eficiente na captura de partículas de 1 a 3 mícrons.

    Se isso não for uma opção, os filtros de ar portáteis também podem funcionar bem, mas a Agência de Proteção Ambiental diz para usar um que seja feito para o tamanho pretendido do local e atenda a pelo menos um destes critérios:

    • Projetado como ar particulado de alta eficiência (HEPA, na sigla em inglês);
    • Classificação da taxa de fornecimento de ar limpo (CADR, na sigla em inglês);
    • Fabricante diz que o dispositivo removerá a maioria das partículas abaixo de 1 mícron.

    Encontrando um espaço seguro

    Quando você entra em um espaço, não há uma boa regra para olhar ao redor e avaliar o quão bem ventilado pode ser, e isso pode ser um desafio quando as pessoas têm a tarefa de avaliar seu próprio risco.

    Allen sugere começar com o básico: certifique-se de estar em dia com as vacinas e ciente de como estão os números da Covid-19 em sua comunidade.

    Mas depois fica mais difícil. Mesmo o número de pessoas em um espaço não é uma indicação de uma situação de maior risco.

    “Quanto mais pessoas lá dentro, pode haver maior risco, porque é mais provável que você tenha alguém infeccioso, mas se a ventilação for boa, isso realmente não importa”.

    Os padrões de ventilação são baseados em “uma quantidade de ar fresco por pessoa, mais a quantidade de ar fresco por metro quadrado”, explicou Allen. “Então, se você tem um bom sistema, quanto mais pessoas entram na sala, mais ventilação é trazida para a sala”.

    Uma ferramenta que pode ajudar a avaliar a ventilação em um determinado espaço é um monitor de CO2, algo que Allen gostaria de ver mais em espaços públicos. Ele gosta de carregar um portátil, que você pode encomendar online por entre US$ 100 (R$ 471,48 reais) e US$ 200 (R$ 942,96).

    “Se você vê menos de mil partes por milhão, geralmente está atingindo as metas de ventilação que são o padrão do projeto. Mas lembre-se, esses não são padrões baseados em saúde. Portanto, queremos ver taxas de ventilação mais altas”.

    Allen explica que prefere ver quantidades de CO2 igual ou inferior a 800 partes por milhão. Ele também observa que apenas porque um espaço tem baixos níveis de CO2, pode não ser inseguro se a filtragem for alta, como em um avião.

    Um divisor de águas para as escolas

    Lisa Herring, superintendente das escolas públicas de Atlanta, nos Estados Unidos, diz que a instalação de cinco mil unidades de filtragem de ar — o suficiente para todas as salas de aula — em seu distrito escolar é “um divisor de águas”.

    O distrito começou a atualizar os sistemas de climatização em várias escolas antes mesmo da pandemia, mas o financiamento federal permitiu adicionar unidades de filtragem durante um período crucial, quando as máscaras se tornaram opcionais.

    “Dá um maior nível de confiança para nós, como um sistema, de saber que nossos sistemas de filtragem de ar estão funcionando”, disse Herring.

    As escolas distritais de todo o país têm aproveitado a oportunidade para atualizações de ventilação possibilitadas por um influxo de financiamento federal.

    Uma análise realizada em fevereiro pela FutureEd, um think tank da Escola McCourt de Políticas Públicas, da Universidade de Georgetown, descobriu que as escolas públicas destinaram US$ 4,4 bilhões (R$ 20,73 bilhões) para projetos de climatização, que podem chegar a quase US$ 10 bilhões (R$ 47,1 bilhões) se as tendências continuarem.

    O distrito escolar de Manchester, em New Hampshire, está investindo quase US$ 35 milhões (R$ 164,8 milhões) na atualização dos sistemas de climatização, e a superintendente interina Jennifer Gillis diz que o financiamento federal é “absolutamente fundamental”.

    “Você pensa em um distrito do nosso tamanho com todas as demandas concorrentes e a necessidade de ser fiscalmente responsável, um projeto de US$ 35 milhões é um grande projeto para introduzir em nosso orçamento. Ter esses fundos disponíveis para nós nos permite fazer 19 projetos — e 19 projetos em um curto espaço de tempo”.

    Para Gillis, a ventilação tem sido uma importante estratégia de mitigação e uma maneira discreta de manter as pessoas seguras.

    “É algo que a maioria no setor de construção não pensa, mas é uma maneira muito passiva de criarmos segurança dentro das escolas. Desde o início, o objetivo sempre foi ‘vamos recolocar nossos filhos, vamos recolocar nossos funcionários, mas vamos fazê-lo de uma forma que seja segura para todos eles’”.

    Uma boa ventilação não é apenas manter os alunos protegidos da Covid-19, diz Sherman. Isso também pode melhorar o desempenho na escola.

    “Eles vão aprender melhor; vão estar mais acordados; vão ser mais receptivos. Eles vão ser mais saudáveis se tiverem uma boa qualidade do ar no ambiente fechado”, disse ele.

    Finalmente no centro das atenções

    Para ajudar a solidificar o papel da ventilação na batalha contra a Covid-19, o governo Biden anunciou, no mês passado, o Desafio do Ar Limpo nos Edifícios.

    O desafio pede aos operadores e proprietários de edifícios que melhorem a ventilação seguindo as diretrizes estabelecidas pela Agência de Proteção Ambiental.

    As principais atividades incluem a criação de um plano de ação de ar limpo em ambientes internos, otimização da ventilação do ar fresco, melhoria da filtragem e limpeza do ar e envolvimento da comunidade do edifício através da comunicação com os ocupantes para aumentar a conscientização, o compromisso e a participação.

    A mensagem pode parecer atrasada, mas foi recebida com entusiasmo por Allen.

    “A Casa Branca usou seu púlpito para dizer inequivocamente que o ar limpo e os edifícios são importantes. Isso é enorme. Independentemente do que você pensa sobre o que acontecerá a seguir com a implementação ou o que acontecerá com o financiamento. Essa é uma mensagem clara que já está sendo ouvida por empresas, organizações sem fins lucrativos, universidades e líderes estaduais. Vejo essas mudanças já acontecendo”.

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