Carnaval em 2022: com Ômicron, riscos de nova onda colocam festa em xeque
Especialistas apontam quais são os fatores a serem considerados na decisão sobre manter a folia em meio a dúvidas sobre a nova variante
A preocupação com uma nova onda de Covid-19 e, agora, com a variante Ômicron fez 20 capitais cancelarem os preparativos de Réveillon e colocaram ainda mais na berlinda as discussões sobre se será possível promover o Carnaval em 2022.
Posturas divergentes em relação ao Carnaval levantam a questão dos reais riscos de uma celebração ao ar livre, em um cenário de mais de 60% da população brasileira totalmente imunizada e com casos e mortes em queda. A aglomeração, os deslocamentos dentro do país, as incertezas sobre o futuro do vírus e a vinda de estrangeiros são citados como fatores preocupantes pelos especialistas consultados pela CNN.
Todos apontam que o Carnaval tem características singulares em relação a outras interações sociais, como shows e comércio, além do próprio Réveillon. Afinal, mesmo com festas ao ar livre, há proximidade maior entre as pessoas e o compartilhamento de bebidas.
Especialistas também consideram inviável, na prática, obrigar o distanciamento social ou o uso constante de máscaras numa festa como o Carnaval, na qual essas atitudes tendem a não ser seguidas pela multidão e na qual não haveria contingente capaz de cobrar o cumprimento.
Algumas medidas, como exigir carteira de vacinação e a realização de testes, impedindo o acesso de pessoas com resultado positivo para o novo coronavírus, poderiam servir como barreiras, mas essas estratégias dependem de grandes estruturas de fiscalização e controle, além de altos investimentos. Ainda assim, seriam formas apenas de diminuir os riscos e o impacto.
Novos riscos a partir da Ômicron
“É impossível dimensionar qual será o impacto da nova variante no Brasil neste exato momento, ainda com as pesquisas realizadas em laboratório a respeito da eficácia das vacinas contra a Ômicron”, explica o infectologista Bernardo Montesanti de Almeida.
Ele acrescenta que, na prática, dentro de duas a quatro semanas será possível fazer um prognóstico mais adequado de como a doença está evoluindo nos pacientes infectados.
A questão é que esses eventos públicos, que envolvem milhões de pessoas e muito dinheiro, exigem planejamento com meses de antecedência. Sem uma perspectiva clara de que será possível realizar a festa, alguns governos optaram por cancelar já, para evitar frustações e gastos, enquanto outros estão protelando a decisão, apostando na melhora do cenário.
Para o pesquisador Diego Xavier, da Fiocruz, o Carnaval já deveria ser cancelado. Ele lembra os efeitos danosos que as comemorações de Natal e Réveillon tiveram para o recrudescimento da pandemia nos primeiros meses de 2021.
“Permitir um Carnaval, com toda a sua dimensão de risco, seria assumir que não existe mais pandemia, o que não é verdade. Pela carência de possibilidades de uma fiscalização sanitária efetiva de todo o público que está vindo para o Brasil, há chances, inclusive, de criar uma variante durante a festa”, analisa.
Almeida enfatiza os riscos com o aumento da circulação de pessoas. “Turistas de outros países também vêm para o Brasil, e a situação de vacinação desses países não está sob o nosso controle”. A exigência de quarentena depois da chegada poderia ser uma saída, mas é uma opção com pouca adesão pelas autoridades brasileiras. Como alternativa, Xavier levanta a possibilidade do adiamento da festa, até em respeito aos turistas que compram suas passagens antecipadamente.
“A aceleração das vacinas seria de grande ajuda: ter ao menos 90% da população vacinada até as festas de fim de ano traria um pouco mais de tranquilidade para este cenário. É importante pensar numa festa de cada vez”, pondera o pesquisador da Fiocruz.
A perspectiva de cancelamento do Carnaval é um banho de água fria nos foliões, sedentos depois do hiato de um ano. Mas o epidemiologista e infectologista Moacir Ramos explica por quais motivos o momento é de cautela: “Por mais que o ambiente seja aberto, se o local estiver aglomerado, não há como conter a disseminação de partículas respiratórias”.
Ainda com relação aos estudos laboratoriais sobre a Ômicron, o médico afirma que “os resultados se aprofundarão gradativamente. Não se trata de analisar a variante e suas reações de forma isolada. Há que se estudar casos específicos de infecção: quais foram as reações das pessoas já vacinadas que foram infectadas pela nova variante do vírus? Qual foi a vacina aplicada em cada caso? E assim por diante”, complementa.
A repercussão econômica no caso de cancelamento do Carnaval
O coordenador do curso de Comércio Exterior e professor de Relações Internacionais da Universidade Positivo (UP), João Alfredo Lopes Nyegray, ressalta que o Carnaval é uma festa importante para a economia brasileira, responsável por movimentar milhões de turistas anualmente.
No entanto, há uma dicotomia que precisa ser considerada: “se o Carnaval acontecer e provocar uma nova onda de Covid-19 no país, poderia ser ainda mais prejudicial para a economia brasileira do que se fosse cancelado”, avalia.
Fronteiras do mundo todo estão sendo fechadas na tentativa de evitar a disseminação da nova variante do vírus.
“A China prometeu doar 1 bilhão de doses de vacina para a África. Isso já deveria ter sido feito há muito tempo por parte dos países mais desenvolvidos. Afinal, enquanto não houver uma imunidade global significativa, sempre haverá a possibilidade de surgirem novas variantes e, enquanto isso acontecer, dificilmente grandes eventos terão algum tipo de sucesso”, comenta o professor.
Para Nyegray, a decisão mais correta seria o fechamento das fronteiras brasileiras, a redução das festividades e o reforço dos cuidados, como o uso de máscaras de proteção, que cada vez mais, vêm recebendo menor atenção social.
Por outro lado, é preciso levar em conta que ainda que os grandes carnavais não aconteçam oficialmente, será difícil impedir as festividades paralelas, como bloquinhos de rua e aglomerações nos bares.
A antropóloga e pesquisadora Caroline Blum reflete que é preciso olhar para o Carnaval através da perspectiva dos direitos culturais. Ela questiona a seletividade de eventos. “É importante ressaltar que várias outras atividades culturais já retornaram à sua normalidade e seguem sendo retomadas gradativamente, como casas noturnas, shows, bares”, compara.
A pesquisadora destaca que é preciso considerar, na avaliação, as pessoas que dependem do Carnaval como fonte de renda aquelas que são responsáveis por manter vivas essas manifestações culturais, muitas vezes dependentes de apoio estatal.
Com o alto índice de vacinação, mesmo quem se cuidou nos últimos meses, evitando eventos públicos, pode não atender às recomendações de ficar em casa. “O setor cultural foi um dos mais afetados durante a pandemia e, como as pessoas estão vacinadas, dificilmente será possível barrá-las para festejar independentemente. Além disso, outros eventos de grande proporção estão acontecendo, enquanto o Carnaval pode não estar recebendo a devida atenção estrutural”, observa.