Fila para testes interrompe análise sobre velocidade do contágio do coronavírus
Observatório Covid-19 BR, que reúne cientistas da Unesp, UnB, UFABC e USP, deixou de divulgar dados de tempo de duplicação dos casos
O acúmulo de testes para a COVID-19 sem resultados e a subnotificação dos casos fez com que um grupo de pesquisadores suspendesse uma análise diária feita até agora sobre o cálculo de velocidade de propagação da doença no Brasil.
O Observatório Covid-19 BR, que reúne cientistas da Unesp, UnB, UFABC e USP, entre outras instituições, avalia que os dados sobre a doença no Brasil não são mais representativos, ao menos por ora.
Só no Instituto Adolfo Lutz, segundo a Secretaria Estadual da Saúde de São Paulo, chegam mais de 1,2 mil testes por dia e há mais uma “fila” de mais de 10 mil testes. Os resultados têm demorado até 15 dias para sair. São Paulo é o estado com mais casos confirmados — 2.339 nesta terça-feira (31), com 136 mortes.
Os cientistas vinham fazendo este cálculo até esta terça-feira, quando os números indicavam que a curva de aumento de casos “achatou” — ou seja, que o número de pessoas confirmadas com a doença estava demorando mais para duplicar. Conforme mostrou reportagem da CNN com base nos estudos do observatório, o tempo de duplicação é uma das melhores formas de se prever e preparar para a quantidade de casos que está por vir.
Desde a tarde desta terça-feira, o observatório tirou do ar um gráfico com esses números, que era atualizado diariamente.
“No momento, não é possível estimar tempos de duplicação da epidemia, pois há um enorme acúmulo de testes moleculares sem resultados, necessários para que os casos sejam confirmados e notificados. Essa demora faz com que os números disponíveis publicamente (número de notificações) cresça de maneira artificialmente lenta. Assim, a evolução do números oficiais informa hoje sobre a dinâmica de notificação, não da epidemia. Seria irresponsável seguir divulgando medidas de propagação da epidemia no Brasil com esses números”, escreveram os pesquisadores.
Segundo o físico Vitor Sudbrack, “não há como separar os efeitos da doença e da falta de testes sem informações mais detalhadas sobre cobertura de testagem ou número de testes aguardando análise por parte dos órgãos públicos”.
Para o físico Silas Poloni, que também integra o grupo, a interrupção é problemática.
“Os dados e as análises são importantes não só para o grupo de pesquisa, mas para serem possíveis guias das medidas governamentais”, diz.
Subnotificação
O médico infectologista Marco Aurélio Safadi, diretor do Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, diz que o mais correto no momento é se basear no número de mortes.
“O número de casos hoje é dez, vinte vezes maior. Não temos hoje uma projeção muito confiável”, afirma.
Além da fila para exames, uma resolução do governo do estado de São Paulo determinou, em publicação no Diário Oficial no dia 19, que houvesse coleta de exames laboratoriais para confirmar COVID-19 somente nas situações de casos graves de insuficiência respiratória. Outros pacientes, portanto, deixam de ser testados.
A normativa publicada prevê que, nos casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), deve haver internação, notificação e suporte clínico. Se não houver a síndrome, não deve haver notificação, não será feito exame e a orientação é que o paciente fique em isolamento domiciliar, de acordo com diretivas do Ministério da Saúde.
“Com isso, há o risco de mais subnotificações. Mas é o que poderia ser feito”, diz Safadi.
O Ministério da Saúde anunciou na segunda-feira (30) que recebeu 500 mil unidades de testes rápidos para diagnosticar o novo coronavírus, primeiro lote de um total de 5 milhões adquiridos pela Vale e doados à pasta. Inicialmente, esses testes devem ser usados somente em profissionais que atuam na área de saúde em postos e hospitais, além de agentes de segurança, como policiais, bombeiros e guardas civis com sintomas da COVID-19. A estimativa do ministério é de que cerca dos 80% dos casos sejam leves.