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    Exame de rastreamento do câncer de próstata não é mais necessário? Entenda

    Ministério da Saúde sugere que homens a partir dos 45 anos de idade procurem um médico para uma avaliação individualizada

    Fabiana Cambricoli, do Estadão Conteúdo

    Em meio às campanhas do Novembro Azul, período no qual se intensificam as recomendações para que homens cuidem de sua saúde e busquem o diagnóstico precoce do câncer de próstata, voltou a ganhar força uma discussão sobre a efetividade ou não do rastreamento populacional para a doença, ação na qual homens sem sintomas são orientados a realizar os exames de PSA (de sangue) e de toque retal com o objetivo de detectar eventuais tumores em fase inicial.

    Há anos, o Ministério da Saúde e o Instituto Nacional do Câncer (Inca) não recomendam o rastreamento populacional sob o argumento de que estudos científicos verificaram que programas de rastreamento não têm grande impacto na redução de mortalidade pela doença e podem causar danos à saúde do homem. Isso porque parte dos tumores diagnosticados podem ser do tipo indolente, que crescem lentamente e dificilmente se espalham para outros órgãos. Nesses casos, o paciente diagnosticado tem um risco aumentado de passar por um tratamento que seria desnecessário e que pode deixar sequelas como incontinência urinária e disfunção erétil.

    Por outro lado, algumas sociedades médicas pontuam que esperar o homem manifestar algum sintoma da doença para orientá-lo a realizar os exames pode ser arriscado, dado que os cânceres de próstata em fase inicial geralmente não dão sinais claros. Assim, não fazer o rastreamento populacional poderia levar a diagnósticos de tumores em fase já avançada, quando as chances de cura são reduzidas e os tratamentos são mais sofridos.

    Embora a controvérsia não seja nova, dois fatores fomentaram o debate nos últimos dias. No final de outubro, o Ministério da Saúde e o Inca publicaram uma nota técnica conjunta reafirmando que não recomendam o rastreamento, o que gerou reação de algumas sociedades médicas e especialistas.

    Nesta semana, o debate foi parar no X (antigo Twitter) após a veiculação de uma esquete do canal Porta dos Fundos estrelada pelo ator Antônio Fagundes. O vídeo, que já tem mais de 1,4 milhão de visualizações, viralizou ao tratar de forma direta e bem-humorada a necessidade de os homens romperem o preconceito em relação ao exame de toque retal. “Quando é que você vai liberar esse cu aí?”, pergunta o artista na produção, ao se referir à importância do exame. O vídeo foi elogiado por espectadores pelo tom informal, mas criticado por alguns médicos que citaram justamente a recomendação do ministério e do Inca contrária à realização do rastreamento em todos os homens.

    Mas afinal, diante das orientações dos órgãos de saúde, os homens não devem mais fazer os exames de rastreamento? Não é bem assim. Mesmo o ministério e o Inca, embora não recomendem campanhas para convocar indivíduos assintomáticos para a realização de PSA e toque retal, sugerem que homens, principalmente aqueles a partir dos 45 anos de idade, procurem um médico para uma avaliação individualizada e discussão sobre a realização ou não dos testes.

    “Estudos mostram que os programas de rastreamento universal tiveram pouco impacto na (queda da) mortalidade, isso ainda é objeto de pesquisa, não temos absoluta segurança (de que ele traz mais benefícios do que riscos), então não é recomendado que seja feito de forma indiscriminada, como uma política pública. Mas todo homem, especialmente a partir dos 45 anos, deve se preocupar com sua saúde e procurar um médico que vai orientá-lo sobre os riscos e benefícios dos exames”, diz Roberto de Almeida Gil, diretor-geral do Inca.

    Gil esclareceu que a busca por um especialista é ainda mais importante para homens que tenham algum fator de risco, como histórico de câncer de próstata na família, ou que apresentem algum sintoma suspeito. “Durante a consulta, por meio da conversa com o paciente, com os sintomas relatados e com o histórico familiar, as equipes médicas orientarão o paciente sobre a necessidade de realização de exames e poderão encaminhar para um médico urologista quando necessário”, afirmou.

    Embora o câncer de próstata não apresente sintomas na maioria dos casos de doença em estágio inicial, alguns pacientes podem ter sinais como:

    • Dificuldade para urinar
    • Diminuição do jato de urina
    • Necessidade de urinar mais vezes durante o dia ou à noite
    • Sangue na urina ou no sêmen

    Nesses casos, a busca por um médico é obrigatória e o especialista provavelmente recomendará a realização dos exames de PSA e toque retal. A Sociedade Brasileira de Urologia tem entendimento semelhante ao do Ministério da Saúde. Para a entidade, não há, de fato, um consenso científico sobre a efetividade do rastreamento populacional em todos os homens sem sintomas.

    Ela aconselha, no entanto, que todos os pacientes a partir dos 50 anos procurem um urologista para discutir individualmente a melhor conduta frente aos riscos e benefícios dos testes. Para pacientes com histórico familiar do tumor ou homens negros, que têm maior risco de desenvolver a doença, esse acompanhamento deve ser iniciado aos 45 anos.

    “Reafirmamos que o diagnóstico precoce salva vidas. Um tumor detectado no estágio inicial tem mais de 90% de chance de cura, então, por mais que não haja recomendação de rastreio populacional, o homem precisa ser avisado sobre os benefícios e riscos dos exames para que ele avalie, junto ao médico, se acha que vale a pena fazer. E achamos que, se um homem chega a um posto de saúde, é orientado e manifesta a vontade de fazer os exames, isso deve ser oferecido a ele”, ressalta Alfredo Canalini, presidente da SBU.

    Outras sociedades médicas discordam do posicionamento do Ministério da Saúde e afirmam que o rastreamento deveria ser feito por todos os homens entre 50 e 70 anos. “A decisão tem que ser discutida com o paciente, mas, nessa faixa etária, consideramos que a realização do exame tenha mais benefícios do que riscos”, afirma Diogo Assed Bastos, membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) e oncologista clínico do Hospital Sírio-Libânes.

    Ele e outros especialistas lembram que, em 2012, os Estados Unidos deixaram de recomendar a realização de exames de rastreamento para câncer de próstata em qualquer circunstância mas que, seis anos depois, voltaram atrás por terem observado um aumento dos diagnósticos de tumores com metástase. Hoje, o país continua não recomendando um rastreio indiscriminado, mas orienta todos os homens de 55 a 69 anos a buscarem um médico e discutirem os riscos e benefícios dos testes para uma tomada de decisão individualizada.

    Os médicos contrários à recomendação do Ministério da Saúde destacam ainda que alguns dos estudos internacionais considerados para afirmar que o rastreamento não reduz mortalidade por câncer de próstata têm limitações e foram contestados.

    “No estudo PLCO, por exemplo, metade dos pacientes que estavam no grupo controle, ou seja, aquele que não passaria pelos exames de rastreamento, fizeram o teste de PSA fora do estudo clínico, o que é considerada uma alta taxa de ‘contaminação’ (do resultado do estudo). E 30% dos pacientes no grupo que passou pelo rastreio não fizeram a biópsia recomendada”, explica Walter Henriques da Costa, gerente médico do A.C. Camargo Cancer Center e professor livre docente em uro-oncologia pela Unicamp, afirmando que os dados, portanto, não podem ser considerados como evidência de que o rastreamento não reduz mortalidade.

    Os especialistas citam ainda um estudo europeu que mostrou redução de 20% na mortalidade pela doença com programa de rastreamento populacional, mas que também destacou o aumento de risco do chamado overdiagnosis (excesso de diagnósticos, geralmente de casos que não evoluiriam de forma preocupante). A pesquisa europeia é citada pelo Ministério da Saúde em sua nota técnica, mas a pasta também aponta revisões sistemáticas (estudos que analisam um conjunto de pesquisas clínicas) para indicar que a efetividade desses programas não foi comprovada.

    Cenário brasileiro

    Os especialistas críticos ao posicionamento federal afirmam ainda que, mesmo que os estudos internacionais não sejam conclusivos, é preciso considerar o cenário socioeconômico e cultural do Brasil. A preocupação deles refere-se ao fato de que os homens já procuram menos o médico do que as mulheres e que, especificamente em relação ao exame de toque retal, ainda há resistência. Há preocupação também sobre maior dificuldade de acesso aos exames nas unidades do SUS diante da nota técnica federal.

    O presidente da Sociedade Brasileira de Radioterapia, Marcus Simões Castilho, afirmou, em nota, que “contraindicar tal procedimento restringe o acesso e tem potencial de grande prejuízo sobre a população de risco mais elevado, pois pode levar a uma má compreensão sobre o tema”. Para ele, durante anos o País tem feito campanhas para reduzir o preconceito sobre o exame de toque retal e a recomendação federal pode levar a retrocessos.

    Além disso, pontuou Castilho, alguns pacientes podem encarar a recomendação pelo não rastreamento como dispensa para buscarem um médico, deixando, assim, de acompanhar outras questões de saúde. “A ida ao urologista constitui em muitos casos a única oportunidade que o paciente comparece ao médico de forma preventiva no Brasil. Várias oportunidades de rastreio de outras condições podem ser perdidas com a contraindicação ao rastreio do câncer de próstata, além da perda das oportunidades de avaliações de outras questões urológicas infecciosas e orientações urológicas e saúde sexual aos pacientes”, pontuou.

    Tratamentos menos invasivos

    Os médicos e sociedades ressaltam ainda que é preciso esclarecer aos homens que nem todos os pacientes com diagnóstico de câncer de próstata precisarão passar de imediato por tratamentos invasivos. Hoje, diz Costa, estima-se que cerca de 30% dos homens diagnosticados possam ser apenas monitorados, em estratégia conhecida como vigilância ativa, para acompanhar a evolução do tumor.

    “Podemos usar exames de imagem, de PSA e biópsia para avaliar se um tumor em fase precoce tem um baixo grau de agressividade. Essa vigilância ativa e periódica reduz o risco de overtreatment (tratamento desnecessário para tumores que não evoluiriam de forma ameaçadora)”, explica o médico do A.C. Camargo.

    O que considerar na decisão de fazer ou não os exames de próstata?

    Conforme exposto acima, as evidências científicas sobre programas de rastreamento populacional ainda geram controvérsias entre especialistas, o que faz com que outros países, como Estados Unidos e Reino Unido, também desaconselhem o rastreio indiscriminado, mas recomendem a ida ao médico a partir da faixa dos 50 anos para que os riscos e benefícios dos procedimentos sejam discutidos e uma decisão seja tomada de forma individualizada.

    Importante pontuar que o câncer de próstata é o segundo tumor que mais mata homens no Brasil – atrás apenas do de pulmão – com 44 óbitos por dia. O diagnóstico precoce é fundamental para aumentar as chances de cura e reduzir o risco de metástase e óbito. No entanto, há, de fato, o risco de um tumor não agressivo ser diagnosticado e o paciente ser submetido, sem necessidade, a tratamentos que podem causar danos à sua saúde, como problemas urinários e sexuais.

    Diante disso, o que todos os órgãos de saúde e especialistas concordam e que você deve considerar é que:

    • Se você tem 50 anos ou mais, procure um médico da família ou urologista para uma avaliação de saúde e discussão sobre a realização dos exames de PSA e toque retal. A partir dos 70 ou 75 anos (dependendo da avaliação médica), há um consenso de que os exames não são mais considerados necessários para a maioria dos indivíduos;
    • Se você faz parte de algum grupo de maior risco, como população negra ou que tem casos de câncer de próstata na família, esse acompanhamento deve ser iniciado antes, aos 45 anos;
    • Se a indicação médica for pela realização dos exames, não tenha medo do exame de toque retal, ele é rápido e pode salvar sua vida;
    • Para os homens que manifestam algum sintoma suspeito, como dificuldade para urinar ou diminuição do jato de urina: procure um médico, ele provavelmente dirá que no seu caso os exames são obrigatórios;
    • Se você tem medo das sequelas de um eventual tratamento desnecessário, mas não quer correr o risco de só descobrir a doença em um estágio mais avançado, saiba que hoje há diferentes abordagens terapêuticas após a detecção de um tumor. Se o câncer tiver baixo grau de agressividade, discuta com seu médico a possibilidade de fazer o acompanhamento do tumor em vez de ir diretamente para uma cirurgia;
    • Mesmo para aqueles que tenham o diagnóstico confirmado e a recomendação médica de tratamento, não precisa se desesperar: as técnicas e materiais cirúrgicos evoluíram e não são todos os pacientes que desenvolverão complicações ou sequelas;
    • Lembre-se que o acompanhamento médico periódico, principalmente após os 50 anos, é fundamental não só para a detecção precoce do câncer de próstata, mas também para monitorar outros problemas de saúde que são causas comuns de morte na população masculina, como hipertensão, diabetes e obesidade. Coloque isso na sua rotina!

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