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    Estudo comprova benefício da presença de doulas durante trabalho de parto

    Pesquisa mediu os níveis de serotonina em parturientes e constatou o aumento do neurotransmissor naquelas que tinham o acompanhamento da profissional

    Fernanda Bassette, da Agência Einstein

    A atuação das doulas durante a gestação é cada vez mais comum. Incumbidas de proporcionar o suporte emocional e físico às mulheres, desde o início do pré-natal e, especialmente, durante o trabalho de parto, essas profissionais ajudam as mães a ter uma experiência positiva no parto e, consequentemente, melhores resultados – como redução na taxa de cesarianas, menos uso de medicações, menos relatos de dor.

    Agora, uma pesquisa brasileira demonstra que o suporte contínuo das doulas também interfere na quantidade de serotonina liberada pela mulher imediatamente após o parto, o que pode se refletir em um melhor início de conexão entre a mãe e o filho.

    O estudo piloto foi realizado como a tese de mestrado da psicóloga Eleonora de Deus Vieira de Moraes, no Programa de Pós-Graduação em Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto, no interior de SP. Após atuar como doula por mais de 17 anos, Moraes decidiu investigar se a presença contínua desse suporte no trabalho de parto também teria algum impacto fisiológico na mulher, além dos benefícios físicos e emocionais.

    Para o estudo, realizado no Centro de Referência da Saúde da Mulher de Ribeirão Preto, as parturientes foram divididas em dois grupos: um que recebeu o apoio contínuo das doulas desde o início do trabalho de parto e outro que não teve a presença dessas profissionais durante o processo, apenas do acompanhante de escolha da mulher.

    A pesquisadora coletou amostras de sangue das voluntárias para medir a quantidade de serotonina durante três fases do parto: a ativa, a expulsiva e o pós-parto imediato (também chamado de “golden hour”, ou hora dourada, em tradução livre), quando o bebê já nasceu e está em contato pele a pele com a mãe). Publicados na Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, os resultados apontaram o aumento significativo na dosagem de serotonina no período pós-parto no grupo das parturientes acompanhadas por doulas.

    Por que a serotonina?

    A escolha da serotonina para ser dosada nas parturientes não foi ao acaso: a molécula atua sistemicamente como um hormônio e age no sistema nervoso central como um neurotransmissor, regulando o humor e a motivação. “Nós sabemos que a serotonina tem influência no humor, mas estudos em animais apontaram que ela inicia e mantém o comportamento materno de aninhar filhotes, mantendo esse vínculo entre a mãe e o bebê”, explica Eleonora Moraes.

    Segundo a psicóloga, a ciência ainda sabe muito pouco sobre o efeito da serotonina no trabalho de parto de humanos, por isso não é possível definir exatamente o mecanismo envolvido nas alterações dessa molécula no corpo. “Nesse sentido, esse estudo é inédito porque ele mostra como se comporta a curva da serotonina durante o trabalho de parto e imediatamente após o bebê nascer”, observa.

    A queda dos níveis de hormônios que ocorre logo após o fim da gravidez, associada ao cansaço físico pela privação do sono e pelo estresse emocional que o recém-nascido gera na mulher, costuma ter um grande impacto e alterar o humor da mãe, o que pode resultar em uma depressão pós-parto. O problema é extremamente comum – estima-se que entre 20% e 25% das mulheres terão depressão pós- parto, e cerca de 80% vão experimentar sintomas do chamado baby blues, que é o conjunto de sentimentos confusos e passageiros, que não precisa de tratamento.

    De acordo com a pesquisadora da USP, embora o estudo mostre a alta concentração da serotonina no período da “golden hour”, não foi possível fazer uma relação direta com a depressão pós-parto, porque o estudo não reavaliou os níveis de serotonina após o nascimento da criança, quando o transtorno poderia se manifestar. “Fica somente a suposição, por causa do momento em que medimos a serotonina. A gente sabe do papel importante da molécula na depressão pós-parto, mas para fazer a afirmação são necessários outros estudos”, pondera a pesquisadora da USP.

    Na avaliação de Rita Sanchez, ginecologista e obstetra do Hospital Israelita Albert Einstein e coordenadora do projeto Parto Adequado, o estudo traz resultados interessantes ao apontar os benefícios fisiológicos da presença das doulas. Ela ressalta que as pacientes “resgataram” o papel das doulas, que vêm ganhando cada vez mais espaço junto às grávidas tanto no Sistema Único de Saúde (SUS) como no sistema privado.

    “O trabalho de parto é longo, traz a dor, e ter alguém com você para ajudar e dar apoio emocional para continuar é muito importante. Em relação ao pós-parto, a gente sabe que a serotonina é o hormônio que ‘levanta’ a mulher, tanto que quem tem depressão usa medicamentos para aumentar o nível da serotonina. Imediatamente no pós-parto, a mulher tem muito cansaço físico, muita ansiedade pelos cuidados que virão, e ter níveis de serotonina mais altos nesse momento, sem dúvida, pode ajudar a diminuir o que chamamos de blues puerperal”, comenta a médica, ao ressaltar que é importante produzir a serotonina durante o trabalho de parto e que ter uma rede de apoio no pós-parto em casa também é fundamental.

    A obstetra reforça que o papel das doulas é muito importante, desde que elas estejam bem alinhadas com a equipe de enfermagem e a equipe médica do hospital onde vai acontecer o parto. “É preciso ficar claro que todos os profissionais formam uma grande equipe para dar apoio à mulher e não deve existir uma ‘competição’ entre a doula e o médico. Acredito muito no apoio emocional e no uso de métodos não farmacológicos para o alívio da dor durante o processo, mas todo mundo precisa estar alinhado e ter conhecimento científico do que funciona e do que não funciona”, ressalta a médica.

    Hormônio do amor

    De acordo com a pesquisadora da USP, a ocitocina é o principal hormônio associado à conexão entre a mãe e o filho, por isso também é chamada de “hormônio do amor”. “O maior pico de ocitocina na vida de uma mulher será na “golden hour”. É esse hormônio que vai fazer com que o apego entre a mãe e o bebê seja instintivo, além de social. Ainda estamos descobrindo a influência da serotonina, mas com certeza ela também tem um impacto positivo na criação do vínculo”, afirma a autora do estudo.

    A ginecologista do Einstein concorda e acrescenta que, se a mulher teve uma boa experiência no parto (e isso inclui o apoio emocional recebido da doula), sem dúvidas ela terá uma boa conexão com o seu bebê. “Tradicionalmente, é a ocitocina que causa essa conexão. Se a serotonina também faz isso, não temos certeza. Precisamos de mais estudos. Mas, só o fato de a paciente ter tido uma boa experiência no parto e estar com a saúde mental boa, com certeza, terá condições de fazer uma conexão mais rápida e mais profunda”, finaliza.

    Doulas formam rede de apoio a gestantes