Especialistas explicam se é seguro tomar vacina com prazo de validade estendido
Estudos de estabilidade garantem que o prazo possa ser estendido sem afetar segurança e eficácia dos imunizantes
A decisão de estender o prazo da vacina da Janssen contra a Covid-19 levantou dúvidas se imunizantes nesta condição são seguros e se continuariam tão eficazes em proteger contra o coronavírus.
Segundo especialistas consultados pela CNN, não há perigo em tomar estas doses, desde que a mudança do prazo seja amparada por um rigoroso controle de qualidade feito pelo fabricante, cujos resultados sejam analisados pela Anvisa, o que ocorreu no caso da Janssen. Por outro lado, vacinas fora do prazo de validade sem essa revisão não devem ser administradas na população.
O controle de qualidade de qualquer vacina é baseado em ensaios ou testes de estabilidade feitos em laboratório. São testadas as condições ideais de umidade, temperatura e armazenamento, desde seu desenvolvimento, até depois que ela começa a ser usada pela população.
São estes resultados que permitem estender o prazo de validade ou modificar a temperatura de armazenamento, explica Marco Antonio Stephano, professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP).
“Os testes de estabilidade começam a ser realizados nos estudos de desenvolvimento e servem para todos os lotes produzidos. Como as vacinas contra a Covid-19 têm menos de um ano, conforme vão saindo os resultados de estabilidade, o prazo de validade pode ir aumentando ou não”, afirma.
Como se determina a validade de uma vacina?
A validade das vacinas é variável e depende das características de sua composição. As líquidas duram, em média, um ano, podendo variar de acordo com suas características e seu desenvolvimento. As liofilizadas (desidratadas), costumam ter um prazo maior, de 3 anos, em média.
Mas não é isso o que define a validade de uma vacina, afirma o engenheiro químico Mauricio Meros, consultor na área de produção de medicamentos e vacinas. Ele explica que os estudos de estabilidade avaliam, por exemplo, se a quantidade de antígeno estabelecida por dose é adequada e se o armazenamento, a embalagem, o tempo e o transporte afetam ou não sua esterilidade.
Todos estes requisitos são divididos em três etapas de testes. Os de estabilidade de longa duração, realizados nas condições ideais de ambiente e temperatura, desenhado no projeto inicial da vacina. Os testes de estabilidade acelerada, nos quais a vacina é exposta a condições de umidade, temperatura e ambientação diferentes da ideal. E os estudos de estresse, testes feitos em temperaturas e ambientação muito fora do recomendado para ver o quanto a vacina ‘aguenta’.
São esses resultados que indicam qual a melhor temperatura para o armazenamento do imunizante e qual o seu prazo de validade, entre outras características. “Para garantir que a vacina esteja sendo distribuída, armazenada e aplicada de forma segura, é preciso garantir que a partir do momento que ela sai do local de produção até chegar no braço, mantenha as características dos testes de aprovação e liberação”, afirma Meros.
Estes testes devem seguir padrões internacionais determinados pelo Conselho Internacional para Harmonização de Requisitos Técnicos para Medicamentos de Uso Humano (ICH na sigla em inglês), que reúne órgãos regulatórios como a Anvisa e o FDA dos Estados Unidos, além de indústrias farmacêuticas.
É seguro tomar vacina com prazo de validade estendido?
No Brasil, estes estudos são periodicamente enviados pelos laboratórios e farmacêuticas à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que determina se há condições para ampliação do prazo de validade e mudança de temperatura de armazenamento, afirma Meros.
Ao analisar estes estudos enviados pela Johnson &Johnson, produtora da vacina da Janssen, a Anvisa determinou o imunizante que tinha validade até 27 de junho estendesse o prazo para até início de agosto, desde que armazenado entre 2ºC e 8ºC, conforme descrito em sua bula.
O professor da USP afirma que nos casos das vacinas contra a Covid-19, como os estudos de estabilidade são recentes, eles vêm sendo vistoriados pela Anvisa a cada três meses ou menos, o que justifica algumas mudanças referentes à validade e temperatura.
No Programa Nacional de Imunizações (PNI) estão disponíveis as vacinas Coronavac, AstraZeneca, Pfizer e Janssen. Segundo a bula da Coronavac, desde que mantida sob refrigeração, entre 2ºC e 8ºC, e protegida da luz, seu prazo de validade é de 12 meses, a partir da data de fabricação. Na bula da vacina da AstraZeneca está descrito que o número de lote e datas de fabricação e validade devem ser vistos na embalagem.
Já a vacina da Pfizer tem validade de 60 dias, se armazenada a uma temperatura de -60°C e protegida da luz. Mantida entre 2°C e 8°C, ela dura apenas 5 dias. Na temperatura ambiente, fora de refrigeradores, deve ser usada em até duas horas, segundo a bula.
Há perigo em tomar vacina com validade vencida?
Stephano afirma que oferecer vacina com prazo de validade vencido fere o Código de Defesa do Consumidor. Por isso é sempre recomendável checar a validade do imunizante quando for recebê-lo. Segundo ele, o risco de tomar uma vacina fora da validade – que não implica a revisão desta validade por órgão regulador – pode ser de médio a alto. “Médio seria a vacina perder sua capacidade de gerar anticorpos. E alto, porque se desconhece a ação dos produtos de degradação da vacina no organismo humano”, afirma o professor da USP.
Jorge Kalil, coordenador dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT), diz que é necessário avaliar o tempo em que a vacina estava vencida e seus estudos de estabilidade para analisar o risco de tomá-la fora da validade, apesar de não ser recomendável.
“O perigo é que a vacina não tenha a função desejada, ou seja, não desencadeie uma resposta imunológica apropriada. É difícil saber sem fazer um estudo muito longo, e depende também de quanto tempo ela estava vencida. É claro que não se pode imunizar com uma vacina com prazo de validade vencido”, conclui.