Especialistas defendem fiscalização rígida das ruas e sintonia entre poderes
Profissionais da saúde apostam em lockdown como única saída para queda na taxa de novas transmissões em meio à aceleraração da Covid-19 no Brasil
Os estados de São Paulo e Rio de Janeiro, que apresentam os maiores números de contágio pela Covid-19, estenderam o período da quarentena até 31 de maio, além disso, os governadores João Dória (PSDB) e Wilson Witzel (PSC) estudam medidas para aprimorar a taxa de isolamento social.
Atualmente, o país registra 146.973 infectados, levando em consideração a subnotificação, este número pode ser muito maior e o Brasil corre o risco de se tornar o próximo epicentro do coronavírus em todo o mundo.
A especialista em comunicação e saúde, pela Fiocruz, Angélica Brum e o chefe do Laboratório de Diversidade e Doenças Virais do Instituto de Biologia da UFRJ, André Felipe Santos conversaram na tarde de sábado (9), com a CNN, sobre o quadro da doença no Brasil.
Falta de testes
André Felipe Santos ressaltou a importância dos testes como forma de entender o quadro da doença e deu deu como exemplo uma iniciativa de uma equipe da UFRJ que começou a fazer a testagem em larga escala dos profissionais de saúde do Hospital Universitário.
“A gente montou onze laboratórios de biologia molecular, e, dos 8.000 testes feitos, 2.500 detectaram positivo. Mais de 30% destes profissionais, portanto, já estavam com o vírus. Orientamos que eles ficassem em casa”, disse André, explicando que com isso, evitaram a transmissão do vírus para outras 5 à 10 mil pessoas. “Imagina se a gente conseguisse fazer essa testagem nacionalmente?”, pergunta André Felipe.
A testagem se estendeu para funcionários de outros vinte hospitais do Rio de Janeiro, e com isso, a equipe, hoje, recebe de 400 à 500 pessoas por dia para realizar o teste.
“A importação dos insumos acaba atrasando as testatagens, mas estamos trabalhando em força-tarefa. São 64 pessoas especializadas em biologia molecular na triagem para conseguir atender todo esse pessoal”, conta André.
Lockdown
A UFRJ e a Fiocruz defendem o lockdown na cidade do Rio de Janeiro por conta de uma queda da taxa de isolamento na capital.
“O isolamento social que a gente já fez até então, mostrou que a taxa de transmissão que estava em 4, foi para 1,5. Isso significa que a cada 10 pessoas, é possível que mais 15 se contaminem com o vírus.”
O objetivo, segundo o especialista André Felipe Santos, é que a taxa de transmissão fique abaixo de um. “Com isso a gente veria o decaimento do número das transmissões”.
À beira de um colapso no sistema de saúde, o lockdown, ou o aprimoramento do isolamento social, é defendido por André Felipe Santos como forma de aumentar o distanciamento e diminuir a taxa de transmissão.
O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), que testou positivo para a Covid-19, reforçou a importância de decretar o lockdown em todos os municípios do estado e apresentou um estudo sobre a medida restritiva.
A especialista em comunicação e saúde pela Fiocruz, Angélica Brum, salienta que diante de uma situação tão imprecisa, será preciso o Brasil recuar e aprender com os países que já conseguiram controlar a doença.
“Pela evidência que a gente tem da saúde, a gente acredita que medidas mais rígidas sejam o único caminho, porque já vimos que o aumento [dos casos] é compatível com o desrespeito ao isolamento. (…) O lockdown é a saída, não tem outro jeito, é fechar tudo”.
Para que seja implementado, Brum defende uma política que aproxime a população brasileira sobre esse tipo restrito de comportamento, levando em consideração os aspectos sócio-culturais de nosso país.
“A gente tem esse hábito de ser mais caloroso, de contato e de aproximação”, diferente da Finlândia e de países Orientais, ela cita.
O primeiro estado brasileiro a decretar o lockdown foi o Maranhão, e isso aconteceu por conta de uma medida judicial. Sobre essa possível transferência da competência do poder executivo para o judiciário, Angélica Brum acredita que como o executivo não tomou a iniciativa, o esperado é que o judiciário o faça.
“Aqui no Rio, por exemplo, a pesquisa que saiu sugerindo o lockdown foi pedida pela Fiocruz, que pediu ao Ministério Público, e ao final, o resultado é de um estudo da UFRJ. A gente vê a oportunidade de trabalhar todo mundo junto”, diz.
Medidas sistêmicas e coordenadas
Angélica Brum defende que além dos protocolos, como o uso da máscara, o afastamento e a quarentena, é preciso que o discurso das autoridades públicas esteja muito afinado.
“Os governos têm que estar falando a mesma língua, a gente não pode ter um vereador ou um prefeito aparecendo sem máscara, a gente precisa de exemplos”, explica.
Brum acredita que a falta de uma coordenação mais unificada, além de confundir as pessoas, diminui a eficácia das políticas que estão sendo adotadas e defendidas.
“A gente tem um sistema de saúde único, que é um privilégio comparado com outros países do mundo, para ter uma política única entre o ministro da saúde, os governadores e os prefeitos”, diz.
Angélica defende ainda uma fiscalização mais rígida das ruas e dos transportes públicos, e para isso, seria preciso usar as polícias.
“É preciso que os poderes se unam, porque afinal de contas todo mundo está perdendo com isso”, e complementa: “O que vale mais a pena: a gente tentar manter a nossa rotina ou a gente tentar se manter vivo e manter saudável as pessoas que a gente ama, nossos idosos e grupos de risco?”
Subnotificação nas favelas
A situação nas comunidades do Rio de Janeiro revela muitas peculiaridades. Por exemplo, como pedir distanciamento para uma família de seis pessoas que vivem em uma casa de apenas um cômodo?
“Temos que saber quais são as necessidades delas. É um problema que atinge todos, mas de forma diferente, e os mais vulneráveis continuam sendo os mais vulneráveis (…) É preciso pensar em uma política única, porém voltada à nossa diversidade social que é enorme”, ressalta.
Brasil reconhecido na ciência
Angélica Brum falou ainda sobre a expectativa que existe em relação à uma rápida descoberta da vacina contra a Covid-19, dizendo que não é um processo rápido. E para isso, faz o questionamento: “A gente até hoje não tem uma vacina contra a dengue e o HIV, e como a gente está apostando tanto nessa vacina para agora?”.
Ela fala, também, sobre a importância do reconhecimento dos pesquisadores do Brasil na comunidade internacional, que participam, inclusive, de pesquisas junto à Organização Mundial de Saúde (OMS).
“Nossos pesquisadores, que andavam muito desacreditados, construíram uma reputação internacional. (…) A gente faz o lockdown, mas precisa continuar investindo em pesquisa, que vai gerar inclusive uma estratégia de abordagem com a população”, defende.